De Volta ao Lar
Os degraus ficam para trás em segundos, as toalhas de mesa e cortinas balançam enquanto corro salão adentro. As portas da cozinha abrem com estardalhaço quando passo por elas. Sorrio ao encontrar as pessoas que eu mais queria ver nos últimos anos.
— Tio, tio, tio!!! — eu abraço o primeiro que encontro pela frente. Sinto braços ao meu redor, eram os outros me abraçando também.
— Nossa garotinha, que saudade! — tio Linguini é o primeiro a me cumprimentar.
— Faz tanto tempo desde que nos vimos pela última vez — tio Ho acrescenta.
— Poderíamos ter nos falado mais vezes se o cabeça oca do Dumpling não tivesse quebrado a webcam. — Linguini ergue uma sobrancelha.
— Ora, pelo menos eu tentei consertar! — o tio se defende.
— Deixem isso pra lá — interrompo a briga iminente — Estou em casa agora. Nossa eu senti tanta falta desse lugar...
— Ficamos felizes que esteja aqui, Pucca, já faz muito tempo. Se tiver algo que deseja conversar, estamos aqui para te apoiar — tio Ho toca meu ombro e eu toco sua mão em agradecimento.
— Por que não vai se acomodando, Pucca? — Dumpling puxa uma faca de cutelo do avental — Levamos uma tigela de macarrão para você.
Concordo entre sorrisos emocionados e alegres. Ao sair da cozinha não posso deixar de notar a folha de ponto pregada na parede. Eu costumava assinar meu nome com um coração, e meus tios nunca reclamaram, afinal eu era uma criança e uma mini garçonete. Era divertido ajudar, e mesmo que eu não trabalhasse de verdade era legal brincar que eu era garçonete. Percebo o nome de Dada com um sorriso, era legal saber que ele ainda trabalha aqui.
Chego ao salão vazio e a nostalgia me invade com força quando paro para olhar em volta. Estava com tanta pressa de entrar que minha bagagem ficou na porta do restaurante. Não tenho pressa ao andar, e vou tocando tudo pelo caminho. As mesas estavam sem os arranjos de flores que eu costumava colher para enfeitar. Os ventiladores no teto continuavam com o ranger suave. As cortinas balançavam suavemente, e a luz do luar e dos postes entravam pelas janelas. É uma noite quente de verão, e a brisa é morna e acolhedora como sempre foi. Fecho os olhos para apreciar o momento, e uma lágrima solitária escapa.
É como se eu nunca tivesse ido embora. De repente tenho dez anos de novo. O salão estava cheio e o costumeiro cheiro de macarrão fumegante invade o ambiente. Nas minhas memórias eu passo correndo pelo salão, subo as escadas e estou no meu quarto. Termino de servir os primeiros pratos do dia e me apronto para sair com Ching. Uma onda de emoção me invade, e eu acabo rindo sozinha. Estou feliz por voltar as minhas raízes, e ao mesmo tempo sentida por ter deixado passar tanto tempo sem voltar para visitar. Tenho que lembrar a mim mesma o motivo, e o quanto foi difícil permanecer longe. Me recomponho e puxo minha mala de rodinhas. Eu sabia que se tivesse voltado antes, mesmo que para uma visita rápida, eu nunca mais iria querer sair.
— Pronto, aqui está: macarrão ao estilo de Sooga. — Linguini anúncia convencido ao colocar o prato na mesa, junto com molhos e chá — Aposto que não provou um igual a esse em lugar nenhum.
— Ah, com certeza não — sento à mesa e abro o pacote de hashi — E não apenas ao estilo da vila Sooga, e sim no estilo Goh-Rong.
Me sirvo de uma boa quantidade, suspirando ao saborear os temperos. A qualidade impecável da refeição traz lágrimas ao olhos. Quero esquecer as boas maneiras e virar a tigela de uma vez, mas a sensação de segurar o hashi pela primeira vez em anos era tão indescritível quanto o sabor. Mal posso esperar para aprender a fazer refeições tão boas assim, mas duvido que eu possa superá-los. Por isso, eu quero ter a experiência completa, e como até não sobrar uma migalha. Suspiro completamente satisfeita e feliz. Meus tios terminavam de organizar o cozinha e logo vieram se sentar ao meu lado.
— O que achou? — tio Dumpling caça elogios.
— Ah você sabe, divino, maravilhoso, incrível... — rio feliz e de barriga cheia.
— Foi uma surpresa você ter aparecido hoje! — Tio Linguini comenta.
— Não que isso seja ruim, só não estávamos esperando — tio Ho acrescenta — Achávamos que só chegaria de manhã.
— Eu tentei ficar no hotel mas eu estava tão empolgada que entrei no primeiro táxi que encontrei. O cara ficou uma fera depois de uma hora de viagem, e eu tive que prometer uma boa gorjeta... Faz tanto tempo que fui embora que não me lembrava o quanto demorava para chegar. — beberico o chá gelado ao notar o quanto eu havia tagarelado, acho que é um efeito colateral após passar dois anos sem falar nada, eu acabava falando demais.
— Bom, ficamos felizes que esteja aqui — tio Linguini sorri, ele ainda possuía a mesma aparência de sempre. A careca brilhante e a trança no meio da nuca. Felizmente, algumas coisas nunca mudam.
Quero ir lavar o prato mas meus tios insistem para que eu descanse. Agradeço a refeição e após mais alguns abraços de boas-vindas, subo para o meu antigo quarto. Acendo as luzes e ando pelo ambiente. A janela com vista para o bosque de bambus despertava boas lembranças.
Tomo um banho relaxante na banheira, com direito a velas perfumadas que trouxe e música suave. Termino de gastar meu hidratante, cumprindo o ritual que me ajudava a colocar a cabeça no lugar e ter uma boa noite de sono. Eu havia aprendido a cuidar mais de mim durante o processo de recuperação. E afinal, eu precisava disso depois de sete horas de viagem. Ao abrir a mala para pegar roupas, vejo os presentes que esqueci de entregar, mas tudo bem, eu teria muito tempo para isso amanhã.
Me jogo na cama após colocar o pijama. Olho para o teto e vejo as marcas de fita adesiva de onde costumava ficar as fotos do garoto que eu admirava. Lembro com pesar do dia em que sai, do dia que tive que ir embora. Chorei tanto que parecia ter uma nuvem de chuva me perseguindo, e de fato choveu naquele dia. Lembro também da única foto que não levei comigo, deixei escondida no lugar secreto. Levanto e caminho até a cômoda, curiosa para saber se ainda estava lá. Afasto o móvel com cuidado, levanto o tapete e dou uma batidinha no chão até achar o som oco. Retiro a tábua e pego a caixinha lá dentro. Lá estava a única foto restante dele.
Meu coração se aperta só de olhar para o rosto dele, mas já não causa o mesmo efeito que antes, e eu posso respirar aliviada. Caminho de volta para o banheiro, onde uma pequena vela ainda queimava. Uso os últimos segundos de chama para encostar a pontinha da foto nela. Sem remorso algum, eu a vejo queimar diante dos meus olhos. O rosto de Garu se desintegra rapidamente. Sorrio, sabendo que agora, eu não precisava realmente do amor de ninguém, a não ser de mim mesma.
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