𖦹 033
Era o dia. Estava vestida de noiva. Minha família — quase inexistente — estava lá. Algumas tias distantes que mal lembravam meu nome, um primo que só veio por insistência da mãe, e Celine, que fazia o papel de irmã que eu nunca tive.
Eu me olhei no espelho do quarto onde estava me arrumando. O vestido era bonito, mas parecia estranho em mim. Aquele tecido branco, os detalhes rendados… Era como se estivesse usando o disfarce de alguém que não sou. Por um momento, senti um peso no peito, como se estivesse me aprisionando dentro de um papel que eu não sabia interpretar.
Celine entrou no quarto, trazendo consigo um leve aroma de flores e perfume cítrico.
— Está pronta? — perguntou ela, sorrindo com aquele brilho nos olhos que sempre parecia esconder algo.
Eu a encarei pelo reflexo do espelho.
— Acho que sim — respondi, hesitante.
Celine inclinou a cabeça, estudando meu rosto.
— Você não parece pronta. Está tudo bem, Sarah?
Desviei o olhar. Não sabia como responder. Estava prestes a me casar com Eliot, alguém que, até pouco tempo, eu acreditava conhecer profundamente. Mas, ultimamente, um vazio estranho tinha começado a crescer entre nós. Não era culpa dele. Era minha. Tudo o que vivi nos últimos anos, tudo o que perdi e carreguei… talvez eu não fosse capaz de ser feliz, afinal.
— Só nervosa — menti, forçando um sorriso.
Celine estreitou os olhos, mas decidiu não pressionar. Ela se aproximou, segurando minha mão.
— Nervosa ou não, você merece isso, Sarah. Merece uma chance de ser feliz, de deixar o passado para trás.
Aquelas palavras eram como um lembrete cruel. Eu sabia que Celine também estava lutando com seus próprios demônios. Sophie ainda era a luz na vida dela, mas Aleric e ela mal conseguiam conversar sem discutir. Nós éramos um grupo quebrado tentando se reerguer, e eu… Eu estava tentando ser normal.
— Obrigada — sussurrei, apertando a mão dela.
Ela sorriu e me puxou para um abraço rápido antes de sair do quarto.
Quando fiquei sozinha novamente, olhei mais uma vez no espelho. Lá fora, Eliot me esperava. Ele sempre esteve ao meu lado, mesmo quando tudo desmoronava. Ele era minha âncora. Mas, enquanto ajeitava o véu sobre meu rosto, uma voz ecoou na minha mente.
“Você realmente acha que pode escapar de quem é, Charlotte?”
O nome que Adrian usava para me provocar. O nome que eu odiava. Fechei os olhos com força, tentando afastar a lembrança dele, mas não consegui. Era como se ele ainda estivesse lá, nas sombras, observando, manipulando.
Respirei fundo, ajustei o vestido e me virei para sair. Se ele estava lá, se ainda queria jogar… Bem, hoje, eu não seria uma peça no tabuleiro dele. Hoje, eu escolheria ser feliz, mesmo que só por um dia.
A música começou quando entrei no corredor. Todos os olhares estavam sobre mim, mas tudo o que eu via era Eliot, parado no altar. Ele parecia nervoso, mas quando nossos olhos se encontraram, ele sorriu. E, por um momento, tudo o que senti foi paz.
Eu andei até ele, passo a passo, enquanto os ecos do passado ficavam para trás. Ou, pelo menos, era o que eu esperava.
Eliot estava lindo. O terno perfeitamente ajustado ao corpo, o cabelo penteado de um jeito que realçava ainda mais o brilho dos olhos dele. Ele sempre teve aquela postura serena e acolhedora, mas hoje parecia diferente, como se estivesse irradiando uma confiança tranquila que fazia tudo ao meu redor parecer insignificante.
Eu nunca fui alguém que se impressionava com aparências, mas Eliot tinha algo que ia além disso. Talvez fosse a forma como ele olhava para mim, como se eu fosse o centro do universo dele, ou talvez fosse a certeza de que, em um mundo cheio de caos, ele sempre seria o meu porto seguro.
Conforme me aproximava, um leve sorriso surgia nos lábios dele. Não era apenas um sorriso de felicidade; era um sorriso de compreensão, de alguém que sabia exatamente o que significava aquele momento para mim, com tudo o que carregava.
Ao chegar ao altar, ele estendeu a mão, e, sem hesitar, eu a segurei. Seus dedos eram firmes, mas gentis, como sempre.
— Você está deslumbrante — ele sussurrou, só para mim.
Minha garganta apertou, mas eu sorri.
— E você parece um príncipe saído de um conto de fadas — respondi baixinho, e ele riu, um som leve que parecia dissipar qualquer sombra ao nosso redor.
O celebrante começou a falar, mas, para mim, as palavras pareciam um borrão. Tudo o que eu conseguia fazer era encarar Eliot, tentando guardar cada detalhe daquele momento. A forma como a luz tocava seu rosto, o som de sua respiração, o jeito como ele me olhava, como se eu fosse a única coisa que importava.
Quando chegou a hora dos votos, Eliot pegou minha mão com mais firmeza.
— Sarah, eu não sou perfeito, e acho que nenhum de nós dois é. Mas, de alguma forma, quando estamos juntos, tudo parece menos complicado, menos pesado. Você é a pessoa que me faz querer ser melhor, que me dá coragem para enfrentar qualquer coisa. Eu prometo estar ao seu lado, mesmo nos dias mais difíceis, mesmo quando o mundo parecer desabar. Porque, para mim, você é o mundo.
Minhas mãos tremiam, e as lágrimas começaram a arder nos meus olhos antes que eu pudesse evitar. Ele apertou minha mão, me encorajando.
— Sua vez — ele disse com um sorriso suave.
Respirei fundo e comecei:
— Eliot… Eu nunca fui boa com palavras, e acho que isso nunca foi segredo para ninguém. Mas, com você, eu aprendi que não preciso ser perfeita para ser amada. Você esteve comigo nos meus piores momentos, segurou minha mão quando eu só queria desistir e me mostrou que, mesmo em meio à escuridão, ainda existe luz. Eu não sei o que o futuro nos reserva, mas sei que, com você, eu consigo enfrentar qualquer coisa.
Quando terminei, vi os olhos dele brilhando, e ele soltou um leve riso emocionado.
— Eu te amo, Sarah — ele sussurrou.
— Eu também te amo, Eliot.
O resto da cerimônia passou como um borrão. Quando o celebrante nos declarou marido e mulher, Eliot segurou meu rosto com cuidado, como se eu fosse algo precioso, e me beijou. Foi um beijo suave, mas cheio de promessas.
Enquanto a música tocava e os aplausos enchiam o espaço, olhei ao redor e vi Celine chorando discretamente, Aleric a abraçando de lado. Elena sorria para mim de longe, com um aceno sutil. Por um breve instante, tudo parecia perfeito.
Mas, no fundo, eu sabia que a perfeição era passageira, e a sombra do passado não demoraria a tentar me alcançar novamente.
Os meses passaram. Já fazia três meses que Eliot e eu éramos oficialmente marido e mulher. Nosso apartamento, pequeno e aconchegante, agora tinha um cheiro permanente de café e das flores que Eliot insistia em trazer toda semana. Ele dizia que queria trazer cor para a nossa vida, e, de alguma forma, funcionava.
Era quase estranho como tudo parecia calmo. Não tínhamos notícias de Adrian desde que fui visitá-lo na enfermaria do hospital. Nenhuma carta, nenhuma provocação, nenhum sinal de que ele ainda estava puxando as cordas do jogo. Ele simplesmente... desapareceu. Para alguém como Adrian, isso não era normal.
Eu tentava me convencer de que era um presente — finalmente, uma trégua. Mas, no fundo, a ausência dele parecia o prelúdio de algo maior, algo que estava se formando no horizonte.
— Está pronta? — Eliot perguntou, entrando na sala com uma bandeja de café da manhã. O cheiro de torradas e ovos invadiu o ar, e eu sorri, tentando afastar os pensamentos sombrios.
— Para o café? Sempre — respondi, aceitando a xícara que ele me entregou.
Ele se sentou ao meu lado no sofá, observando-me com um olhar curioso.
— Você tem estado distraída ultimamente — ele comentou, sem acusação, apenas preocupação.
Desviei o olhar, encarando a xícara de café.
— Não sei, Eliot. Acho que é o silêncio. Parece... estranho.
Ele assentiu, entendendo sem precisar que eu explicasse. Ele sabia que Adrian ainda pairava sobre nós como uma sombra, mesmo quando estava ausente.
— Vamos sobreviver a isso, Sarah. Sempre sobrevivemos.
Eu queria acreditar nele. Mas, antes que pudesse responder, meu telefone vibrou em cima da mesa. Peguei o aparelho, e uma sensação de desconforto cresceu ao ver o nome de Aleric na tela.
— Alô?
— Sarah, precisamos de você no departamento agora — disse ele, sem rodeios.
— O que aconteceu?
— Sophie. Ela desapareceu.
O mundo pareceu girar por um momento. Sophie, a filha de Celine e Aleric, tinha apenas oito anos. Sempre animada, sempre cheia de energia. Desaparecida? Como isso era possível?
— Estou a caminho — respondi, já me levantando. Eliot me olhou com preocupação, mas não fez perguntas. Ele sabia que não era o momento.
No departamento
O caos reinava quando cheguei. Celine estava sentada em uma cadeira, os olhos inchados de tanto chorar. Aleric estava de pé, os punhos cerrados, enquanto Elena tentava organizar as informações com outros agentes.
— O que aconteceu? — perguntei, me aproximando de Aleric.
Ele olhou para mim, e pela primeira vez em anos, vi algo quebrado em seus olhos.
— Sophie foi levada enquanto voltava da escola. Ninguém viu nada. Nenhuma câmera capturou o momento. É como se ela simplesmente tivesse desaparecido.
Meu coração apertou, mas meu instinto logo assumiu o controle.
— Algum pedido de resgate? Alguma mensagem?
Elena se aproximou, segurando uma folha de papel.
— Isso chegou há uma hora.
Peguei o papel e li rapidamente. Era uma carta simples, mas cada palavra parecia queimar na minha mente.
"Charlotte, achei que sentiria falta de você, mas parece que você já está me esquecendo. Vamos brincar de esconde-esconde, só mais uma vez. Se você não encontrar Sophie, bem… ela terá o mesmo destino que Rosalie. O relógio está correndo. — Adrian."
O ar pareceu sair do meu corpo. Eliot tinha razão, Adrian nunca tinha realmente sumido. Ele estava apenas esperando o momento certo para atacar.
— Ele quer me puxar de volta — murmurei, minhas mãos tremendo.
Celine me olhou, os olhos vermelhos de raiva e desespero.
— Não importa o que ele quer, Sarah. Traga minha filha de volta.
Eu assenti. Era uma promessa.
O jogo havia recomeçado, e dessa vez, não havia espaço para erros.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top