𖦹 002
A luz forte daquela sala de espera hospitalar me irritava mais do que a cantoria desafinada de Eliot que estava com a cabeça encostada na cadeira. Ao lado dele, uma senhora comia biscoitos de chocolate meio amargo. Uma habilidade muito útil que eu tinha era diferenciar uma coisa pela cor e a textura mesmo sem tocá-la, por exemplo: sangue e cocaína.
A senhora olhou para Eliot, se afastou, indo para um banco bem longe e segurou no seu terço pendurado na bolsa.
Ele era alto e talvez isso tivesse a amedrontado, mas vi que ele se sentiu desconfortável.
Vimos Ryo Takashi com sua aparência oriental e luvas nas mãos e uma pasta azul escrito "Adrian Ambrose".
Então me lembrei dele, lembrei do rosto jovem e bonito que Adrian tinha. Ele havia sido meu cirurgiao na época.
— O Doutor Ambrose disse que seria um prazer conversar com vocês.
Pude sentir os olhos de Eliot brilhando sem eu olhar para ele. Ele era incrivelmente fácil de decifrar.
— Então vamos, Ross — Disse despertando Eliot do transe em que ele estava.
Ele levantou, mas ainda estava em silêncio. Minhas opiniões sobre ele não estavam formadas cem por cento.
— Infelizmente, não poderei acompanhá-los, pois tenho uma reunião agora, mas é só pegar o elevador e se direcionar ao quarto andar. Lá terá um mapa de onde ficam os consultórios.
— Certo, obrigada.
Eu e Eliot seguimos o corredor claro e bem largo, vendo crianças em cadeiras de rodas e adultos em macas azuis.
— Qual era o andar que ele disse, Sarah?
Tentei não revirar os olhos para ele.
— Quarto.
Ele olhou para baixo meio sem graça, mas eu sabia que não era por isso.
— O que houve? Você está estranho desde que aquela senhora sentou do seu lado.
— É muito comum isso acontecer comigo e eu acho estranho você perguntar… — A porta do elevador abriu com um "blim" e nós entramos — Ela saiu de perto de mim por conta do meu tom de pele, Sarah. Aquela mulher já foi minha professora.
Eliot olhou para o chão do elevador por um momento antes de continuar, como se estivesse escolhendo cuidadosamente suas palavras.
— Não é a primeira vez que ela faz isso acontecer, Sarah. Mesmo depois de tantos anos, ainda me surpreendo com a ignorância e a intolerância das pessoas.
Eu assenti, entendendo o peso das suas palavras. Era uma realidade triste.
Quando as portas do elevador se abriram no quarto andar, seguimos o mapa até o consultório de Adrian Ambrose.
Tinha uma planilha rosa pequena em uma das janelas do corredor e, Eliot parou de andar para vê-la.
— Essa é a flor-da-fortuna, sabia?
— Então, além de cozinheiro, você também é biólogo?
— Eu sou tipo a Barbie, mil profissões!
Seguimos o caminho para o consultório, era o último do corredor. Passamos por uma sala de cirurgia estranha e uma sala com crianças chorando. Me lembrei de que precisava cuidar de Sophie no dia seguinte. Que merda.
A sala era espaçosa, com móveis modernos e quadros abstratos nas paredes.
Olho e vejo o homem mais bonito que já tinha avistado em toda minha vida. De acordo com minha investigação que eu sempre faço para ter uma prévia do perfil da pessoa interrogada, consegui os seguintes dados: Adrian Ambrose, cirurgião, trinta anos, solteiro, nascido em Oregon, mora em uma casa chique no sul da cidade e não tem antecedentes criminais. Ele ainda tinha o mesmo cheiro. Cheiro de Hospital.
— Sejam bem-vindos. Por favor, sintam-se à vontade — Os olhos azuis dele pareciam o mar — É um prazer conhecê-los, eu sou o Dr. Adrian Ambrose.
Ele estendeu a mão, eu e Eliot o cumprimentamos de volta.
— Eu sou a delegada Sarah Bloom e esse é meu parceiro. Nós já nos conhecemos, realizei uma cirurgia com o senhor há uns sete anos.
— Me lembro de você. Era tumor na barriga?
— Exatamente.
— Sou Eliot Ross, Senhor — Eliot parecia um pouco nervoso e ansioso.
Sentamos enquanto ele folheava alguns papéis em sua mesa.
— Então, como posso ajudá-los hoje?
Eliot respirou fundo antes de começar a explicar a situação de Ryo Takashi, o porquê de estarmos ali.
— Bem… Você era o doutor que estava responsável pela cirurgia plástica que a Senhora Diana Peterson iria fazer no dia dezessete da semana passada, certo?
O Dr. Ambrose ouviu atentamente, fazendo perguntas pontuais e demonstrando interesse genuíno.
— Sim, Ross. Mas o que vocês desejam comigo? É uma pena ela não ter chegado.
— Vimos um carro nas câmeras de segurança. Um carro que havia sido mandado pelo senhor para buscá-la. — Afirmei, olhando para ele, sentindo minha alma ser perfurada.
Ele abriu os olhos e cada vez mais o azul parecia mais claro e mais azul.
— Eu não mandei carro nenhum para buscá-la. Estava realizando um parto naquela manhã, Ryo estava comigo — Ele disse com uma voz forte como se estivesse sendo avaliado e ele estava mesmo.
Olhei para Eliot que estava meio desconfiado. Adrian não havia coçado o nariz nem tremia: nenhum sinal que seria mentira.
— Você é muito respeitado, não é? Você é daqui de Vancouver? — Perguntei tentando amenizar o clima.
— Nasci em Portland, Oregon — Respondeu ainda sem dar abertura — Vocês estão acostumados com desaparecimentos sem pistas?
— Como sabe que estamos sem pistas? — Eliot indagou com um timbre afiado como a lâmina de uma adaga.
— Se vocês vieram até mim, um homem respeitado, devem estar sem pistas. Eu estava ocupado nesse dia. Não existem dois Adrian Ambrose, pelo menos não no mesmo hospital — Suspirou e me olhou fundo — Sabe, quando eu estava no parto pedi para que confirmassem a chegada da Peterson, pode ter acontecido alguma coisa que ela pode não ter conseguido vir só.
— Você está sendo sincero? Realmente, não tinha nenhum envolvimento com o carro que a buscou? — Eliot indagou, ele provavelmente estava achando muito legal interrogar um suspeito.
— Nenhum — Ele mexeu o dedo mindinho, mas Eliot não percebeu — Acho que estão equivocados.
Levantei da cadeira e caminhei até as fotos que tinham no hospital. Havia a foto de uma paciente dele, que morreu há três anos. Uma das minhas antigas amigas.
— Essa é Rita Connor? A filha do dono da rede Mercados Sunshine? — Perguntei tirando o alfinete da foto.
— Sim, mas você não é muito nova para ter pegado esse caso?
— Eu que achei a Connor, sua morte foi um choque — Olhei para Eliot e ele abria as gavetas enquanto Adrian vinha por trás de mim.
— Soube que o corpo dela foi encontrado no barco do pai dela com as varas de pesca perfurando o corpo dela. Ela era uma boa paciente.
Não era só isso que havia acontecido com a Rita. O corpo dela estava totalmente deformado. Os olhos estavam sendo usados na beira da isca de pesca e tinha um peixe morto no lugar de um rim. Nunca acharam o outro rim.
— Você foi o médico que fez a rinoplastia dela?
— Fui sim. Ela estava perfeita como a Senhorita. Vocês se pareciam, mas faltava carisma na Connor — ele disse calmamente, mas fui interrompido por uma tosse forçada de Eliot. — Você foi uma paciente melhor.
Senti um arrepio com a voz dele, quase um sussurro.
Depois de conversarmos sobre tudo, ele anotou algumas coisas e deu sua opinião profissional.
— Acredito que podemos trabalhar juntos para encontrar uma solução adequada para o caso. Analisarei mais a fundo as informações que você trouxer, Dr. Ambrose, e entrarei em contato em breve. — Disse-me direcionando para uma porta de vidro, típica de hospitais.
Saímos do consultório com um sentimento de esperança, mesmo com os desafios que ainda enfrentaríamos. Eliot parecia mais aliviado, e eu sabia que, independentemente do que acontecesse, estávamos juntos nessa jornada.
— Ele deu em cima de você, Senhorita Bloom — Ross riu — Mas é um homem gostoso mesmo!
— Eliot! Ainda estamos no hospital, deixa suas colocações para o caminho de volta — Olhei para ele — Porque aí eu posso concordar.
Ele deu mais uma risadinha e fizemos um high-five.
A luz forte da sala de espera hospitalar agora parecia menos irritante, pois estávamos um passo mais perto de ajudar alguém que precisava.
Saímos do hospital e alguns pacientes pareciam não gostar de ter dois policiais com armas na cintura em um hospital.
Fomos até a viatura estacionada na parte de trás do ambiente e entramos, Eliot estava dirigindo.
Enquanto Eliot dirigia de volta para a delegacia, eu não pude deixar de fazer algumas piadinhas sobre o Dr. Ambrose.
— Você notou como os olhos dele brilhavam? Acho que entendi por que você ficou tão quietinho na presença dele. Está apaixonadinho, Eliot?
Eliot revirou os olhos, mas não pôde esconder um sorriso.
— Ah, vai me dizer que você não notou, Sarah? Ele é tipo um modelo da capa de uma revista médica.
— Claro que notei. Não posso negar que ele é um homem bonito.
— Achei que você tinha me achado bonito mas estou vendo que seu tipo sao os galas de Hollywood! — Eliot brincou.
— Não se preocupe, você ainda é o meu estagiário favorito, mesmo que não tenha a mesma aparência de um galã de Hollywood.
Eliot fingiu um ar de ofendido, mas era evidente que ele estava se divertindo com a situação.
— Acho que vou ter que superar essa, afinal, sou só um simples estagiário perdido no mundo dos belos médicos.
Rimos juntos enquanto continuávamos a nossa viagem de volta. No fundo, eu sabia que Eliot se tornaria bem mais que meu estagiário. Ele era um bom amigo, mesmo com suas brincadeiras.
Quando finalmente chegamos à delegacia, deixamos o carro e nos dirigimos para dentro. A investigação estava apenas começando, e agora tínhamos mais informações para trabalhar.
— Vamos ver o que mais conseguimos descobrir sobre o Dr. Ambrose e o caso da Senhora Peterson. Quem sabe não encontramos mais algumas pistas interessantes? — Comentei enquanto subíamos as escadas.
Eliot assentiu, recuperando seu tom sério de investigador.
— Com certeza, Senhorita Bloom. Se não foi o gala de Hollywood que mandou o carro precisamos saber quem foi!
Eliot estava determinado, e eu podia ver a chama da investigação queimando em seus olhos.
— Vamos desvendar esse mistério, Eliot. Se o Dr. Ambrose não está envolvido, precisamos descobrir quem está por trás disso tudo.
Nosso escritório na delegacia era um emaranhado de papéis, evidências e mapas. Sentamos juntos e começamos a revisar tudo o que sabíamos até agora.
— Temos o registro do carro que buscava a Senhora Peterson, certo? — Perguntei enquanto organizava alguns documentos.
— Sim, já enviei para análise de digital. Vamos ver se encontramos alguma correspondência com possíveis suspeitos — Eliot respondeu, focado em sua tarefa.
Enquanto trabalhávamos, a imagem do Dr. Ambrose continuava a surgir em minha mente. Ele era um enigma, um homem bonito e respeitado, mas algo nele ainda parecia não se encaixar perfeitamente na equação.
— Sarah, olha só o que encontrei! — Eliot chamou minha atenção para a tela do computador. Ele havia encontrado uma correspondência entre o carro que buscava a Senhora Peterson e um antigo funcionário do hospital.
— Isso é interessante. Vamos investigar mais a fundo esse funcionário. Quero saber tudo o que pudermos sobre ele e seu relacionamento com o Dr. Ambrose — disse, animada com a nova pista que tínhamos.
Passamos horas mergulhados em relatórios, entrevistas e investigações online. Cada peça que encontrávamos parecia se encaixar em um quebra-cabeça complexo.
— Encontrei algo sobre o funcionário, Sarah. Ele teve problemas no passado com o Dr. Ambrose, parecia haver uma rivalidade entre eles. Ele foi preso por agredir o Adrian — Eliot compartilhou a descoberta, sua expressão séria.
Aquilo era uma revelação interessante. Parecia que estávamos chegando mais perto da verdade por trás do desaparecimento da Senhora Peterson.
— Vamos confrontar o Dr. Ambrose com essa informação. Quero ver como ele reage. Amanhã quero você aqui bem cedo, não temos tempo a perder! — decidi, determinada a não deixar nenhum detalhe passar despercebido — Tenha uma boa noite, Eliot Ross.
— Durma bem, Sarah Bloom.
Sai do escritório e deixei a delegacia indo em direção ao estacionamento. Eu só queria ir para casa.
Cheguei ao estacionamento e entrei na minha HB20 branca, dando uma última olhada para o prédio da delegacia antes de partir. Liguei o carro e dirigi pelas ruas movimentadas de Vancouver em direção ao meu apartamento no centro da cidade. O dia tinha sido intenso, cheio de revelações e novas pistas, e eu precisava de um momento de descanso antes de retomar a investigação no dia seguinte.
Ao chegar em casa, cumprimentei Vitor, meu cachorro de pequeno porte, desejando-lhe boa noite enquanto acariciava sua cabeça. Ele sempre trazia um conforto reconfortante após um longo dia de trabalho. Entrei no apartamento e me deparei com a tranquilidade do ambiente, o silêncio quebrado apenas pelo som suave da música ambiente.
Tomei um banho relaxante e preparei um jantar leve para mim mesma. Enquanto comia, refleti sobre os acontecimentos do dia e as novas pistas que tínhamos descoberto. A figura do Dr. Ambrose ainda pairava em minha mente, e eu sabia que ainda tínhamos muito a descobrir sobre ele e sua possível ligação com o caso da Senhora Peterson.
Depois do jantar, sentei-me no sofá com um copo de vinho tinto, folheando alguns documentos relacionados ao caso. A lua brilhava suavemente através da janela, criando uma atmosfera serena e contemplativa. A investigação estava longe de acabar, mas eu estava determinada a desvendar todos os mistérios que envolviam aquele caso.
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