Capítulo Seis
Ângelo Lima
Quando Maju e eu terminamos as "aulas", já está na hora do almoço. Então apenas tomamos um banho rápido e nos juntamos as mulheres da família para o almoço, já que Enzo é uma presença nula nessas refeições. Mas deixo Enzo para depois, pois sempre que penso nele, passo horas em meio a pensamentos bem loucos, tentando descobrir o porquê dele ser assim.
- Está se adaptando bem, Ângelo? - Dona Emília pergunta, enquanto estamos todos à mesa.
- Sim, é diferente estar aqui e me acostumar, mas estou no caminho. - Respondo, sorrindo um pouco para ela.
- Acho que precisa de algo para se distrair. - Maísa fala, olhando para mim.
- Também acho. Você já terminou a escola, não? Podia começar a fazer faculdade junto comigo. - Maju diz de forma animada.
- Realmente, você deveria focar nos seus estudos. - Maísa concorda com a filha.
- Eu até queria, mas acho que não será possível por enquanto. - Respondo meio envergonhado.
- Por que não? - Dona Emília pergunta, me olhando com mais atenção.
- Hum... Eu não tenho dinheiro para pagar a faculdade e ela é bem cara. Meu pai me deixou uma quantia em dinheiro, mas não posso usá-lo ainda. - Respondo e volto minha atenção para o prato.
- Mas isso não é problema, querido, eu posso pagar sua faculdade. - Dona Emília fala, mas balanço minha cabeça em negação.
- Não dona Emília, a senhora e sua família já estão fazendo muito por mim. Não posso aceitar isso, eu vou tentar uma faculdade pública, não se preocupe. - Falo, não querendo estender o assunto.
- Tudo bem, não vou insistir. - Ela diz, mas me lança um sorriso de quem vai aprontar.
Voltamos a comer em silêncio, bem, pelo menos eu estava em silêncio com meus pensamentos. Apesar das pessoas aqui serem hospitaleiras e gentis, eu sinto uma falta enorme da minha vida como era antes, com meu pai. Acho que jamais vou me acostumar com a falta que ele me faz, é impossível não sentir um aperto grande no peito quando me lembro dele. Faz mais de uma semana desde que ele se foi, e ainda é bem difícil. Às vezes eu tenho a esperança de abrir meus olhos e ver que tudo não passa de um pesadelo. Tudo o que eu mais queria, é poder abraçar ele mais uma vez, dizer o quanto eu o amo, o quanto ele é importante para mim. Mas infelizmente isso não será mais possível e isso me destrói por dentro.
De repente, uma tristeza muito grande toma conta de mim e tudo o que eu quero agora é ficar sozinho. Deixo o resto da comida ainda no prato e peço licença as mulheres, me retirando da sala de jantar em seguida.
Penso em ir para meu quarto, mas mudo de ideia, saindo para o quintal. Sinto as lágrimas começarem a descer por meu rosto e ando em passos lentos até uma grande árvore, que fica de frente para o jardim enorme que há em volta da casa. Me sento na grama e encosto meu corpo no tronco da árvore.
Eu me sinto tão sozinho no momento, me sinto frágil, precisando de alguém. Eu só queria que tudo fosse diferente, só queria a minha vida de volta. É bem difícil perder alguém que se ama, ainda mais quando essa pessoa é a única que você tem.
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Enzo Miller
Solto um suspiro frustrado, ao perceber que novamente estou pensando naquele menino. Desde que ele chegou, eu me sinto diferente e ele só está aqui tem dois dias, mas esses dias já foram suficientes para me confundir.
Ele é diferente de tudo e de todos. Eu nunca vi alguém tão sincero na minha vida. Conforme os anos se passaram, eu aprendi a ler as pessoas, não confio mais nelas como antes. Depois de ser enganado e traído, você aprende a ser mais atento e seletivo quanto as pessoas em quem deposita sua confiança. E para ser bem sincero, não confio de verdade em mais ninguém além de mim mesmo. Você vê que sua vida se tornou um caos, quando percebe que não pode mais confiar. E a minha vida já se tornou esse caos há muitos anos. Mas, quando eu conversei com Ângelo pela primeira vez, eu senti confiança em suas palavras, em seus gestos.
Balançando a cabeça, desisto momentaneamente de trabalhar e me levanto da cadeira, onde estava sentado. Pego minha bengala e em passos lentos, sigo até a grande janela do escritório. Olho para a paisagem lá fora, mas logo meus olhos se conectam a figura de um garoto sentado na grama. Fico alguns minutos olhando para ele e noto o movimento leve de seus ombros, indicando que ele está chorando. Não sei porquê, mas nesse momento eu sinto um sentimento de angústia. Vendo ele agora, me parece um garoto solitário e que precisa de direção. Exatamente como eu me sentia estando na idade dele e na realidade, eu nunca encontrei a minha direção.
Penso por alguns minutos, até tomar a decisão de ir até ele. Não sei o que me motiva a fazer isso, mas quando me dou conta dos meus atos, já estou fora do escritório, caminhando em passos lentos até o quintal. Sinto os olhares de surpresa dos funcionários sobre mim, já que é bem raro eu caminhar livremente pela casa durante o dia. Não vejo ninguém da minha família enquanto caminho e me sinto satisfeito com isso, não estou com paciência para falar com ninguém agora.
Assim que saio pela porta que dá para o grande quintal de casa, paro por um tempo ao sentir o sol sobre minha pele. Faz tanto tempo que não saio de dentro de casa, que a sensação do sol penetrando minha pele, me é um pouco estranha. Olho ao meu redor e vejo o quanto as coisas se tornaram estranhas para mim. Parece que eu me tornei parte da casa, uma sombra que paira sobre esse local e não uma pessoa.
Deixo esses pensamentos de lado e volto a caminhar em direção a Ângelo. Demoro alguns minutos até chegar a ele, mas parece que ele não nota minha presença.
- Será que posso me sentar com você? - Pergunto, chamando sua atenção para mim.
Ele levanta sua cabeça e quando foca seus olhos em mim, vejo eles inundados de lágrimas, assim como seus olhos inchados pelo choro.
- Pensei que não gostasse de fazer companhia para ninguém. - Ele responde após um tempo, com a voz rouca por estar chorando.
- Acho que às vezes posso mudar de ideia. - Falo, mas não olho diretamente para ele.
- Tudo bem então, pode se sentar senhor Miller. - Ele diz e vejo um pequeno sorriso em seus lábios.
- Obrigado! - Agradeço e com um pouco de dificuldade, me sento no chão ao seu lado.
Me sinto um pouco estranho por estar sentado no chão. Não por frescura, mas por falta de costume, faz anos que não faço coisas simples como essa. Na verdade, já faz anos que não faço qualquer coisa que não seja ficar em um estado vegetativo.
- Acho que não está acostumado a ficar aqui fora, não é? - Ângelo pergunta, após alguns minutos em absoluto silêncio.
- Sim, já faz muito tempo que não venho para cá. Acho que me acostumei a ficar em casa. - Respondo e me sento de uma maneira mais ereta, sentindo minhas costas doer.
Faço uma careta de dor quando me encosto na árvore e sinto uma mão em mim, me deixando surpreso.
- Está sentindo dor? - Ele pergunta preocupado, mas minha atenção vai para a sua mão, que está apoiada em minha perna. Sinto um arrepio percorrer meu corpo e olho para ele, fitando seus olhos, que não param de me encarar.
- Já me acostumei a sentir dor, não precisa se preocupar. - Respondo e ao ver meu olhar voltar para sua mão em mim, ele afasta ela aos poucos.
- Acho que não precisamos nos acostumar com a dor, devemos lutar contra ela. - Ele diz, após um tempo.
- Chega em um momento em que desistimos de lutar e apenas aceitamos. Assim é mais fácil. - Falo, deixando minha mente vagar um pouco para longe.
- Por que estava chorando? - Pergunto, olhando rapidamente para ele.
- Saudades do meu pai, não é fácil saber que ele não está mais comigo. Estou tentando superar essa dor que estou sentindo. - Ele responde e sinto seu olhar queimar sobre mim.
- Eu te entendo, quando perdi meu avô foi um dos momentos mais difíceis da minha vida. Acho que ele era a única pessoa que me entendia e depois que perdi ele, acho que desisti de vez. - Falo sem pensar.
- Não acho que desistir seja a solução para os problemas, é apenas uma forma de nos proteger. Mas isso não é bom, perdemos tantas coisas ao desistir de fazer aquilo que nos faria bem. Você deveria voltar a lutar pelas coisas que acredita. Eu não te conheço de verdade, mas sei que tem muitas coisas por trás da sua história. - Ele diz, me deixando um pouco surpreso com suas palavras.
- O problema é que eu não acredito em mais nada. - Falo por fim.
Já acreditei em coisas boas, já fiz planos para o futuro, já quis coisas simples. Mas tudo mudou quando de uma forma cruel, tudo foi tirado de mim pela pessoa que eu acreditava me amar.
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Olá jujubas, espero que tenham gostado do capítulo de hoje. 🥰
Ps: Já li algumas teorias dos leitores e estou adorando saber o que se passa por suas cabeças. Alguém mais com uma teoria sobre o que aconteceu com Enzo??
Bjs da Juh 😘😘
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