Capítulo Dezoito

Enzo Miller

Continuo olhando para o homem em minha frente. O homem que compartilha do mesmo sangue que o meu, mas que não possuo nenhum laço afetivo. Apolo, meu meio-irmão, alguém que um dia já teve a minha confiança, mas que hoje só desperta meu ódio.

- Já que você veio se juntar a nós, sente-se e participe. - Falo, tentando manter a calma e uma máscara fria em meu rosto.

- Obrigado, meu querido irmão. - Ele diz de forma debochada e se senta em uma das cadeiras vagas que há na mesa.

- Voltando ao que eu dizia... Estou feliz de estar de volta, pois meu avô deixou isso aqui para mim e eu vou fazer de tudo para continuar o que ele sempre fez. - Falo e olho diretamente para Apolo, que também me encara sem desviar o olhar. - Eu já estou a par da situação da empresa e sei que há um traidor entre nós, mas garanto que essa pessoa não vai sair impune. Bem, é isso, qualquer coisa a mais eu convoco outra reunião. Tenham um bom dia. - Termino de falar e me levanto, seguindo em direção à porta.

Deixo à sala e sigo até o escritório que pertencia ao meu avô.

- Bom dia senhor Miller, sua sala já está pronta. - Diz a secretária, que está na recepção.

- Obrigado, qual o seu nome? Não conheço os funcionários novos. - Falo olhando para ela.

- Solange Queiróz. - Ela responde de forma profissional, me olhando nos olhos. Gostei do jeito dela, pelo menos me olha com respeito.

- Bom conhecer você, senhorita Queiróz, espero que possamos ter uma boa relação profissional. - Falo e sigo para o meu escritório.

Abro a porta e quando olho pelo cômodo, sinto meu peito se encher de saudade. Automaticamente me lembro do meu avô e das horas que passei aqui junto com ele, quando ainda era um adolescente. Aqueles momentos eram tão bons e felizes, que tenho muita saudade daquele tempo.

Fecho a porta atrás de mim e sigo a passos lentos até a cadeira de couro atrás da mesa de mogno e vidro. Me sento na cadeira e olho todos os detalhes do local, que eu fiz questão de manter tudo igual a quando meu avô ainda estava vivo.

Escuto a porta se abrir sem aviso e quando levanto meu olhar, vejo Apolo  entrando.

- Quem te deixou entrar na minha sala? - Pergunto de forma dura.

- Olha ele, já se achando o grande chefe. Isso é patético. - Ele diz com um sorriso provocante.

- Me desculpe senhor Miller, ele foi entrando sem autorização e não pude fazer nada. - Solange aparece desesperada atrás de Apolo, e esse solta uma risada olhando para a mulher.

- Tudo bem senhorita Queiróz, pode voltar ao seu trabalho. - Falo olhando para ela e depois de um aceno, ela sai da sala, fechando a porta em seguida.

- Sabe, acho que eu ficaria muito melhor sentado nessa cadeira. - Ele diz depois de um tempo, enquanto avalia o lugar ao seu redor.

- Não era isso que meu avô pensava, tanto é que me deixou noventa por cento de tudo o que era dele. - Respondo e vejo que consegui acertar ele de certa forma.

- Você sempre foi um idiota, Enzo, não sei como o nosso avô deixou quase tudo para você. Nem para ser um homem direito você serve. Ficou anos preso em casa, pois tem medo da opinião das pessoas. Você é um fraco. - Ele diz e aperto minha mão envolta da bengala que estou segurando.

- Oh! Isso te incomoda, querido irmão? Não gosta de ouvir a verdade, mas ela é necessária. Aposto que sofre até hoje por Camilo, isso é tão sua cara. Mas você queria o quê? Quem iria querer ficar com um homem deformado? Era engraçado ver o quanto você acreditava no amor dele e na verdade ele só queria seu dinheiro. Linda história de amor, não? - Ele pergunta e sorri, se aproximando da mesa.

Eu me levanto da cadeira e me aproximo dele, ficando na sua frente.

- Saia daqui agora e não volte mais nessa empresa. - Falo baixo, olhando para ele.

- Eu ainda possuo ações aqui. - Ele responde de forma firme.

- Mas eu sou sócio majoritário e eu não te quero por aqui. Você vai receber seus lucros, mas vai ficar bem longe daqui. Ou pode dar adeus ao dinheiro fácil que você ganha. - Falo de forma firme.

- Tudo bem, não vou estar aqui sempre, mas pode contar com minhas visitas. E quem sabe eu traga nosso pai junto. - Ele diz com um sorriso cínico e eu não me aguento. Soco sua cara com toda a força que tenho na mão direita e vejo ele cambalear para trás, segurando seu nariz sangrando.

- Sai daqui, antes que eu chame a segurança! - Grito com raiva, apontando para a porta.

- Você não vai se livrar de mim... Nem do seu passado! - Ele diz, antes de sair.

Fecho meus olhos e respiro com força, fazendo uma promessa silenciosa.

Eu não vou deixar que mais ninguém estrague a minha vida. Ninguém mais vai acabar com as minhas chances de ser feliz outra vez.

* * *

Me sinto bem cansado no final do dia, depois de passar horas lendo relatórios e mais relatórios, para me inteirar melhor sobre a empresa. Apesar de todos esses anos eu ter feito parte da administração, não foi uma participação tão grande para estar a par de tudo. Eu acabei por deixar tudo nas mãos de Cláudio, em quem eu confio muito, mas na realidade não era ele quem deveria cuidar de tudo. Meu avô deixou essa responsabilidade para mim e eu acabei não cumprindo a promessa que fiz para ele antes de morrer. Mas agora será diferente, eu vou honrar a confiança que ele depositou em mim e não vou decepcionar ele como fiz em todos esses anos em que me escondi do mundo, por puro medo.

Arrumo todos os papéis que já li, em uma pilha, e desligo o computador. Me levanto e sinto uma fisgada na perna por ficar tanto tempo sentado. Pego minha pasta e saio do meu escritório. Me despeço de Solange e entro no elevador, onde já estão mais duas pessoas. Eles me olham, mas permanecem em silêncio, como se estivessem com medo de falar. Desde que cheguei aqui na empresa mais cedo, senti olhares em mim. Alguns surpresos, outros de desprezo e alguns neutros. Eu tento não ligar para isso, mas ainda me incomoda muito. Acho que ainda vai levar um tempo para eu me acostumar e parar de me importar. Afinal, ninguém muda seu modo de ser do dia para a noite... Tudo requer um tempo.

Chego à garagem subterrânea e vejo Lucio parado ao lado do carro. Ele me dá um aceno de cabeça e abre a porta traseira para mim. Não gosto muito de andar com motorista, mas já faz anos que não dirijo e acho que devo voltar aos poucos. Ainda não sei se minha perna machucada irá me permitir isso por enquanto.

Ficamos em silêncio durante todo o percurso para casa, que demorou um pouco mais por causa do trânsito lento. Sei que minha casa é longe de muitas coisas, inclusive da empresa, mas eu agradeço ao meu avô pela sua escolha. Sempre gostei de estar em um lugar mais tranquilo, como a casa na fazenda. Aquele lugar me permitiu ter boas memórias, mesmo que boa parte delas tenham sido camufladas pelas ruins.

Assim que chegamos, não espero por Lucio abrir minha porta e faço isso eu mesmo. Antes de poder chegar até à porta de casa, meus olhos se desviam para o jardim, onde vejo Ângelo sentado em uma das mesas, com vários livros ao seu redor. Abro um sorriso automático ao vê-lo e mudo meu rumo, indo até ele.

- Posso me juntar a você? - Pergunto quando chego ao seu lado.

- Enzo! Claro que pode né seu bobo, estava com saudades. Meu dia foi tão entediante, aí resolvi estudar um pouco, mesmo que já tenha passado no vestibular, conhecimento nunca é demais, não é mesmo? - Me sento e escuto ele falar do seu jeito tão característico. 

- Sim, conhecimento nunca é demais. - Confirmo com um pequeno sorriso.

Paro para observar ele por alguns segundos e me lembro de tudo o que Apolo me disse. Não posso mentir e dizer que não fiquei abalado com suas palavras, pois fiquei e muito. Mas eu prometi para mim mesmo ser diferente e não deixar mais eles estragarem a minha vida. E é isso que eu vou fazer a partir de agora.

- Enzo, por que está me olhando desse jeito? Estou com a cara suja? Mas eu nem comi nada. - Ele diz e começa a passar a mão no rosto.

- Namora comigo? - Pergunto e vejo seus movimentos parando aos poucos.

- O que disse? - Ele pergunta baixo, me olhando com olhos atentos.

- Estou pedindo você em namoro. Nós já nos declaramos um para o outro e não quero mais perder tempo, já perdi muitos anos da minha vida por me achar insuficiente para mim mesmo. Eu não te prometo nada, pois não sei se posso cumprir promessas e te peço paciência comigo, pois ainda tenho muitas coisas para deixar para trás. Mas eu quero muito ser feliz de novo, quero muito me dar uma nova chance. Eu disse a mim mesmo que nunca mais iria me apaixonar, mas você me fez quebrar essa essa promessa, mas eu não estou triste por isso. Eu quero tentar e quero que você me ajude a encontrar o verdadeiro Enzo novamente. - Sou sincero em minhas palavras e vejo que elas tocam ele.

- Isso é tudo o que eu quero. - Ele diz com um sorriso e se levanta, chegando até mim. - Eu prometo que não vou te decepcionar. - Ele diz e me beija.

Coloco ele sentado em meu colo e passo meus braços pelo seu corpo. Me sinto mais confiante sentindo seus lábios nos meus e percebo que estou no caminho certo.

Eu quero e vou viver essa nova fase que começou em minha vida quando Ângelo chegou nela.

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Alguém feliz aí? Porque eu estou surtando de felicidade com esse casal 😍❤🎉

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