Capítulo 7, a morte tem asas parte II.
Estendo minha mão e ela a pega sorrindo, noto que limpa seus olhos na manga do casaco antes de olhar para mim e dizer:
— Obrigado por aparecer, pensei que ficaria sozinho.
Dou um beijo em sua testa e sinto medo, medo de me apegar, medo de perder. Por que os Deuses são tão cruéis?
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O corredor inteiro estava coberto de fogo, suas paredes antes cinzas agora cintilavam. Não avia muita coisa para queimar alí de modo que quase não se encontrava fumaça, o mais difícil era enxergar usando apenas as chamas como guia.
Tirei meu casaco e cobri o rosto de Benjamin com ele, o pequeno pareceu não gostar mas não falou nada apenas o apertou contra o nariz. Com esforço o peguei no colo e correndo atravessei aquele mar de fogo, a sola dos meus sapatos derretendo, pude sentir o leve cheiro de borracha queimada.
Quando em fim o cheiro de fumaça foi deixado para trás o coloquei no chão, ele me estendeu o casaco, contudo pedi que ficasse com ele.
— Não está com frio?— Questionou tocando os pelos arrepiados do meu braço.
— Talvez, não consigo sentir nada.
Olhei ao redor, aquele corredor parecia com qualquer outro, porém estava vazio, sem nenhum corpo. Devo estar perto. Mas eu não me lembro qual direção tomar, suspiro frustrada.
— Vamos caminhando, seria horrível nos perdermos agora.— Digo segurando sua mão e me pondo a andar, ele me acompanha.
— Uma vez eu me perdi, mas a minha irmã me achou rapidinho.— Comenta Benjamin rindo com a lembrança.
— Jura? Ná escola?— Pergunto fingindo duvidar.
— Sério, só que não foi na escola, foi antes. Quando ainda morávamos com os nossos pais.
Seu rostinho adotou uma expressão triste e até cansada, o ouvi fungar entretanto não comentei esse fato, apenas acariciei a mãozinha que eu segurava e disse:
— Se lembra deles?
— Minha mãe amava piqueniques, e o meu pai pescar, costumávamos lanchar perto dos lagos da cidade. Eu me lembro bem.— Concluí voltando a sorrir.
— Isso significa que eles ainda estão vivos, com você, e em sua memória.— Garanto.
Ele parece ficar mais tranquilo com essa informação, e por um tempo apenas seguimos andando em silêncio pelo corredor escuro. Mas então fomos obrigados a parar, apareceu outra rota em nosso caminho, assim como a que estamos seguindo não consigo ver o fim desse corredor. Benjamin e eu nos encaramos e ficamos estagnados entre os dois corredores que juntos formavam um V.
Com o silêncio que avia se instalado logo ouvi o som de passos, passos apressados vindos do corredor da esquerda. Quando pude enfim ver seus rostos, puxei Benjamin para o meu colo. Era uma multidão que corria desesperada em nossa direção. Não conseguiria sair dali correndo, ainda mais com o pequeno em meu colo que me segurava com força.
Fiz a única coisa que passou pela minha cabeça no momento. Me virei de costas e agachei, deixando Benjamin embaixo de mim. Quando começaram a passar por cima das minhas costas, não consegui conter um gemido de dor.
— Parem! Parem! Estão machucando ela!— Grita o pequeno tentando sair do meu abraço.
— Se acalmem! Aqui não tem janelas!— Escuto alguém gritar e abro os olhos imediatamente, essa voz...
— Professor Antônio?— Pergunto me levantando com dificuldade ao ver que todos a minha volta pararam. Olho em sua direção e sou segada pela mesma lanterna que avia visto em sua mão no dia da fuga.
— Luna!— Diz correndo em minha direção me abraçando, me solta ao notar o meu desconforto quando aperta as minhas costas.— Desculpe.
— E quem é esse?— Pergunta ao ver o garoto agarrado a minha mão, seus olhinhos lacrimejando.
Me abaixo a sua frente e ergo seu rosto para que me olhe.
— Ei pequeno, estou bem.— Digo baixinho. Ele balança a cabeça afirmativamente e olhando para Antônio responde:
— Sou Benjamin.
Ele acaricia seus cabelos o reconhecendo, e pergunta se queremos o acompanhar até o abrigo. Lugar para aonde estava levando aquele rebanho de crianças e jovens que se desesperaram ao ver o dragão os encarar por uma das janelas do outro corredor.
Obviamente os acompanhamos. Antônio tinha um corte acima da sobrancelha, estava vermelho e inchado embora estivesse estancado, provavelmente ele queimou o próprio ferimento. Ainda carregava a lanterna que mirava em vão nos corpos jogados aos nossos pés.
Após conferir todos eles, nos mandou segui-lo com um assento de cabeça.
— Temi que isso acontecesse. Que quando chegasse a hora, estivessem todos espalhados.— Disse quando me pus a caminhar ao seu lado, novamente com Benjamin no colo.
— O senhor viu meus amigos?— Pergunto temerosa.
— E a minha irmã?— O embrulho em meus braços emenda.
— Sai do abrigo a muito, se chegaram não vi. Sinto muito, mas veja chegamos.
Disse o professor ao no depararmos com um enorme buraco no chão, ele bateu na porta improvisada e eu ouvi um quem vem lá antes que Antônio se pronuncia-se e o deixassem entrar.
Primeiro ele ajudou todos a descerem, o ajudei com os menores e quando não restava mais ninguém desso Benjamin e eu, o professor é o último a passar fechando a porta.
O lugar parece ser exatamente como é, um buraco no chão, um enorme buraco no chão iluminado por velas. Professores corriam de um lado para o outro ajudando as crianças feridas, em um canto da sala vi corpos enrolados por sacos plásticos e cobertores, imediatamente desvio o olhar.
E então levo minha mão a boca em surpresa. De costas para mim está uma garota morena sentada em uma cadeira de plástico, ao seu lado um jovem de cabelos loiros está deitado em duas cadeiras, com a cabeça repousada no colo da... Zoe.
Caminho com passos apressados em sua direção, e ela se vira para trás ao ouvir meus passos.
— Luna?— Diz abrindo um sorriso.
Contorno a fileira de cadeiras e lhe dou um abraço apertado, com o cuidado de não acordar Dante que parece ter um sério ferimento na cabeça. Olhando meus braços em suas costas percebo que devo estar irreconhecível, quase não via a minha pele por baixo da fuligem.
— O que aconteceu? Onde estão os outros? Ele vai ficar bem?— Disparo a perguntar me ajoelhando ao seu lado.
— Eu vim me arrastando até aqui com ele.— Começa alisando os fios dourados do jovem em seus colo.— Não vi mais ninguém, esperava que estivessem com você. E ele vai ficar bem, só precisa descansar.
Conversamos por mais um tempo sobre em que lugares os outros poderiam ter ficado presos. Mas notei que ela estava cansada, então a deixei com a desculpa de que iria dormir.
Procurei Benjamin e o vi interrogar todos os professores a procura de sua irmã. Não pude deixar de sentir pena, contudo ninguém poderia tirar dele a esperança que sentia.
Ao caminhar pelo local encontrei um mural de fotografias, identifiquei o professor Dick mais novo e até o Antônio que em lugar dos cabelos brancos, portava um volumoso cabelo castanho escuro. Não fiquei surpresa ao distinguir minha mãe ao seu lado, mas então me lembrei atordoada, que era ainda muito pequena quando ela morreu.
— Vocês são muito parecidas.— Comenta Antônio se aproximando, ele me estendeu uma garrafa de água.
— Professor... Por que eles fazem isso conosco?— Pergunto pegando a garrafa. Estava com raiva e confusa, sabia que se alguém poderia me esclarecer algo, seria ele.
— Os Deuses?— Questiona e eu balanço a cabeça afirmativamente.— Não creio que tenham sido eles, embora seja essa a imagem que passem.
— Quem, se não um Deus poderia nos atormentar com um dragão?— Duvido rindo.
— Hades é um Deus, porém não é amigo. Todos os Deuses tem um dom, o dom de abençoar um humano com poder, Selene gostava de espalhar o seu, através de seus descendentes.— Esclarece o professor, e eu me sento como se estivéssemos em aula. Ele se senta ao meu lado.
— O que isso tem a ver?— Pergunto.
— Hades também tinha um dom, o dom da maldição. Diz uma certa lenda que ele tinha inveja de Selene. Então de trinta em trinta anos amaldiçoava um homem para que perseguisse os filhos da Deusa.— Responde.
— Por que nunca a ouvi antes? Ela explica tanto...
— Eu a estava traduzindo.— Riu Antônio.— Terminei ontem, acredita?
— Quando tudo isso terminar, o senhor ficará famoso.— Digo admirada.
— Isso nunca vai acabar. É quase impossível para o amaldiçoado saber para quem Selene passou a benção.
Minha visão embaça, e então me lembro do sonho que tive com minha mãe. Você foi beijada pela lua.
Eu chorava, as lágrimas me impediam de ver com clareza. Mas eu juro ter visto naquela noite, na noite em que minha mãe morreu, uma mulher, uma linda mulher com cabelos prateados e rosto cansado entrar pela minha janela. A lua estava cheia atrás dela.
Ela se aproximou da minha cama, e acariciando meu rosto vermelho, depositando um leve beijo em minha testa.
— Você é a minha última chance.— Disse antes que eu caísse no sono.
— Você está bem?— Escuto a voz de Antônio.— Deve estar cansada, e eu aqui te atormentando.
Ele me guia até um lugar coberto por lençóis, ha várias pessoas dormindo ali, me deito também.
— Te vejo pela manhã, quando o sol se por, ele vai embora.— Diz me cobrindo, sorrio ainda um pouco atordoada.— Obrigado por me ouvir, sabe se eu morresse, gostaria de ter passado isso para alguém.
E sai me deixando sozinha com meus pensamentos. Fico atordoada, ele não faz ideia do que acabei de ver. O que foi isso? Um delírio? Não, foi claro demais para ser um.
Para receber uma benção dessas minha mãe teria que ser filha direta de Selene... E eu neta.
Se isso for verdade, as mortes de hoje foram consequências de uma busca. Ele busca realmente pelo último resíduo do sangue da Deusa? Será que está realmente comigo? Ou estou como sempre me precipitando? Não, eu sinto como nunca senti antes que isso é verdade, meu coração dói pelo peso dessas mortes. E agora, meus amigos podem estar mortos também... Por minha causa.
Me levanto rapidamente, todos ao meu redor estão dormindo. Usando as sombras do aposento ao meu favor caminho em direção a saída. Minha cabeça dói como uma súplica para que eu fique. Mãe se é você, peço que entenda, não posso deixar que morram por minha causa.
Um jovem moreno que aparenta ter quase vinte anos está dormindo na entrada, passo por ele o mais silenciosamente possível e saio.
Nem mesmo me questiono sobre o que vou fazer, apenas me deixo levar. Sigo pelo corredor e assim que encontro às escadas para o terraço subo, não paro para descansar nem por um minuto, apenas continuo subindo e por momentos juro ver minha mãe me esperando a minha frente.
Quando enfim os degraus acabam não me demoro um minuto sequer em frente à porta. A empurro e saio, sendo invadida pela vento gélido da tarde. O sol está se pondo mas se eu acabar com isso hoje, ele não vai precisar voltar.
Fico ali parada, limpo meus olhos com minhas mãos sujas de fuligem ao perceber que estava chorando. O amaldiçoava mentalmente pela demora, aquilo me atormentava como a própria morte.
— Apareça maldito!— Grito sem temer, porém minha voz treme em um súplica para que não venha.
O edifício balança e eu sei que ele se aproxima. Nunca em toda a minha vida teria imaginado que iria de livre e espontânea vontade em direção a morte. Mas a vida nunca perguntou o que eu queria, e estava na hora de devolver a minha.
Quando aquela besta negra surge a minha frente não consigo evitar sorrir, torcendo para que meus minutos de coragem não acabassem.
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Este capítulo ficou mais longo que os demais, mas era muita informação.^-^
Não se esqueça de votar. Obrigado por ler até aqui.
Até o próximo capítulo. :)
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