Capítulo 10, tocada pelo fogo.
Nota: Este é um capítulo especial, pois a história já está encerrada.
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Seus gemidos preenchiam o aposento, eu junto de mais três enfermeiras se revesavam para cuidar da febre da mulher agonizando na cama.
Não sabia o seu nome, tudo que eu sabia sobre ela é que um dia, antes dessa doença estranha lhe atingir fora bela. Com seus longos cabelos negros e grandes olhos verdes, ela também tinha uma filha, franzina e ruiva.
As enfermeiras fofoqueiras diziam que a menina era filha do faxineiro, e tenho que admitir que a semelhança é enorme. Contudo isso não é da minha conta, ao menos quando a mulher morrer a menina terá um pai para cuidar dela.
Me aproximo de seu leito e coloco um pano úmido em sua testa. Ela segura meu pulso e o aperta, seus olhos arregalados, não sei o que ela está sentindo, ninguém sabe na verdade, talvez fosse melhor simplesmente acabar com esse sofrimento, eu certamente teria preferido assim. Com uma habilidade profissional sorrio fingindo que não estou sentindo o sangue da minha mão parar de circular. Minha tortura acaba quando ela parece cair no sono, por um momento tenho a esperança de que ela tenha morrido, entretanto sua mão amolece e solta o meu pulso.
Aproveito que está dormindo e penteio seus cabelos cacheados, quando estou finalizando uma longa trança ela abre os olhos. Ela abre a boca mas nenhum som sai, lhe dou água por um canudo e após um tempo ela pergunta:
— Minha... filha... eu quero ve-la.— A voz tão rouca que parece querer deixa-la.
— Está dormindo senhora.— Respondo lhe dando mais água.— Deveria acorda-la?
Ela balança negativamente a cabeça e encara o teto. Penso que dormiu então toco em seu ombro para vira-la mas a sinto estremecer sob meu toque.
— Estou morta não estou?— Concluí, voltando seus olhos para mim.
Nada respondo, afinal aquela foi uma pergunta feita para não ser respondida. A cubro com os edredons ao notar que ainda queimava de febre, eu não fui chamada para cura-la eu vim cuidar para que ela tivesse uma morte confortável.
— Sou cruel o bastante para ir sem que minha filha esteja preparada para o mundo.— Continua, rindo.
— Vocês não tem parentes?— Pergunto casualmente.
— Minha única família é essa escola.— Admite parecendo frustrada.— Onde esta Luna?— Questiona como se lembra-se de algo.
— Dormindo.— A lembro franzindo o senho. Está delirando, percebo tocando sua testa. Bom, não vai demorar muito agora.
— Feche os olhos senhora, está muita cansada.— Digo acariciando seu cabelo e ela assente fechando os olhos.
Quando sua respiração fica mais leve me levanto pegando a luminária. Troco o pano em sua testa e limpo as lágrimas, que seus olhos deixaram escapar.
Já no corredor cruzo com um homem que carrega um boné junto ao peito, mesmo no escuro consegui notar seus cabelos avermelhados. Ele estava indo para o aposento que eu tinha acabado de deixar, coisa que se repetia toda noite.
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— Talvez ela só não tenha certeza de quem é o pai.— Diz uma das enfermeiras, uma longa trança loura brilhando em suas costas.
— Ele estava brincando com a menina ontem à tarde, não tem como disfarçar.— Fofoca outra se juntando a roda. Reviro os olhos, dividir o quarto com essas três não era nada fácil.
— Sem contar as visitas noturnas...— Completa Luciana, o restante das moças fazem caras surpresas.
Término de vestir meu uniforme e encaro o relógio redondo que ficava acima da porta, dez para as oito.
— Lucy, você não devia estar com a paciente?— Pergunto ajeitando meu broche de enfermeira chefe.
— Ela está dormindo, além do mais ele está lá.— Responde entediada a morena.
— Pobre homem.— Suspira a loira.
— Ele não é médico nem enfermeiro, e vocês não vão ficar aqui matando tempo.— Informo impaciente.— Preparem lençóis limpos.
Sinto prazer ao ve-las se lembrar que eu sou a chefe aqui. Nosso quarto é no mesmo corredor que o dela, as três rumam a lavanderia e eu me dirijo ao quarto dela. A porta está entreaberta, o faxineiro está ajoelhando a cabeceira da cama segurando a mão da mulher, ela diz alguma coisa para ele, mas ele nega com veemência.
Bato na porta, e quando ele se vira para mim parece irritado, beija a testa da moribunda e passa por mim sem dizer uma palavra. Finjo não ter me ofendido com sua falta de educação e entro dizendo:
— Vim trocar suas cobertas.
— Não, por favor estou com muito frio.— Pede apertando a colcha contra si.
— Será rápido.— Asseguro e ela cede.
Disfarçadamente enquanto coloco os cobertores na cesta ao pé da cama a observo. Seus olhos estão amarelados e desfocados, a pele coberta de suor. Não sei se a dor parou ou se ela apenas se acostumou, embora sempre trema quando alguém a toca.
— Onde está Antônio? Ele disse que me visitaria.— Pergunta tentando levantar mas a impeço gentilmente.
— Ainda está muito cedo senhora.— Respondo.
Quando fui contratada me surpreendi ao notar o quanto ela era querida, sempre recebe ao menos duas visitas toda tarde. Nunca os vejo, pois não é o meu turno, entretanto como divido o quarto com três fofoqueiras...
Meus pensamentos são interrompidos pela entrada delas, Luciana com seus cabelos castanhos presos em um coque, Sandra com sua trança loura e Emily também de coque cabelos cor de mel como os meus. Com suas habilidades profissionais terminam de ajeitar a cama em segundos e saem novamente.
Ajeito sua cabeça no travesseiro e noto como sua respiração está fraca, não é atoa que nem mesmo consegue reagir a dor, não tem mais forças pra isso.
Antes que suas pálpebras se fechem por completo a escuto murmurar obrigada, seu peito subia e descia tão lentamente que era difícil saber se ela estava respirando. Que diferença faria tampar seu nariz agora? Nem precisaria de um travesseiro para isso, todos já esperam por isso, ela também.
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Por educação fiquei para o enterro que ocorreu naquela mesma tarde. Para que não fosse enterrada como indigente, a escola lhe preparou um túmulo nas grutas. Em meio aos cumprimentos e pêsames conheci o famoso Antônio, e entendi porque era tão estimado, era culto e bonito além de educado.
O faxineiro apareceu no final da cerimônia, não falou com ninguém, nem mesmo com o professor Antônio. Depois disso nunca mais foi visto, acho que ele só trabalhou aqui para ficar próximo da mulher, entretanto... Se a garota era sua filha, por quê deixa-la?
No dia seguinte bem cedo voltei com as outras enfermeiras para o hospital que trabalhávamos, faltava bastante para a colheita mas era melhor não arriscar.
Meus pensamentos daquele dia me levaram a fazer uma coisa, considerada horrível pela sociedade. Eu me perdoei, contudo desde então não consigo mais ter paz, nenhum paciente vive mais quando deixado aos meus cuidados. Os Deuses tem formas cruéis de se vingar.
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Nota: Para os amantes do yaoi (boyXboy) estou preparando uma história desse gênero ;)
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