Capítulo 6 | Conexão
Caverna do Kai - Morretes, 20/03/20, 23:50 - Corte Sul
Malakai Arzov
- Não a subestime, lobinho. – Ren assobiou. – Ela é esperta...
Ele balançou a cabeça levemente, tentando fazer Ren entender que não era uma boa hora. Mas o irmão era insistente, e continuou:
- Seria mais sábio fazê-la de escrava. Pense bem! Estamos na lua negra e Rosalie poderá ajudá-lo a descarregar....se é que me entende. – sugestionou novamente, balançando as sobrancelhas na direção da meia vampira.
Kai cerrou a mandíbula em descontentamento com o irmão, e se agachou na frente de Rosalie, tomando os pulsos presos.
- Onde estão as cha... – ela começou a pergunta, mas não precisou terminar. Kai quebrou as correntes com as mãos. – Puta merda! Como fez isso? Essas correntes são de que material?
- Está livre, Rosalie. - Malakai estendeu a mão.
- Na verdade, me chame de Rosie. Só a minha mãe me chamava de Rosalie, e eu não gosto de lembrar dela. – a meia vampira murmurou, massageando os pulsos enquanto se levantava com a ajuda da mão dele. – Você não é como imaginei.
O toque dela sobre sua pele foi quente, e por um segundo pareceu entrar em combustão. Sentindo o mesmo, Rosie o soltou rapidamente e passou por ele, se sentando aos pés da fogueira.
- Rosalie, vá embora.
- Mas eu acabei de chegar! - a meia vampira disse esfregando as mãos e as esquentando na fogueira novamente.
- Persistente! - Foi Ren que murmurou com um sorriso. - Estou gostando cada vez mais dela!
Kai bufou, sem paciência. A meia vampira esfregou uma mão na outra e depois as colocou sobre a quentura da fogueira. Ele foi na direção oposta, para entrada da caverna, buscando o cheiro de noite e o som ritmado das águas da cachoeira.
Mesmo assim podia notar a forma como os olhos dela vasculhavam o local, e logo depois retornavam ligeiramente para ele, analisando-o. Não com medo ou respeito como a maioria de sua família, mas curiosidade, quase fascínio.
- Como conseguiu sobreviver aqui por tanto tempo? – Ela indagou, tirando-o de sua paz.
Kai ignorou e girou nos calcanhares, retornando para perto da fogueira. Depois, se sentou no tronco oco posicionado no outro lado das chamas, na frente da meia vampira.
- Tenho uma ideia melhor. Por que não me conta a quanto tempo está me seguindo, Rosie? - mencionou o apelido que ela sugeriu a fim de tentar retirar a informação amigavelmente.
Rosalie arqueou uma das sobrancelhas, encarando-o.
- Bem, já que não sou mais uma prisioneira, acho justo eu só responder as suas perguntas se você responder as minhas.
Kai não respondeu, mas a olhou de esguelha, ponderando por um momento. Ren lhe deu um olhar duro em aviso. Contrariando o irmão morto, murmurou:
– Na maioria das vezes estou como lobo. Na pele animal é mais fácil viver aqui – respondeu a pergunta anterior dela, passando a mão pelos cabelos ainda molhados. Rosie assentiu, abraçando o próprio corpo.
- Isso é inabitável... – a fêmea soltou. Ren apontou para a meia vampira, dando razão a ela. – É frio e sujo... – os olhos de Kai recaíram sobre Rosie, que de repente ficou corada. – Desculpe! Mas não parece ser algo digno de um... alfa. Mas já está bem claro que sei pouca coisa sobre você.
- Não, você tem razão. Não é digno de alfas... Mas acho que nunca me reconheci realmente como um. - Deu de ombros. - E de qualquer forma, não sinto frio.
A cabeça da fêmea pendeu, parecendo analisar o que ele disse. Kai voltou os olhos para a fogueira, lembrando vagamente da família, suas manias e tradições cultas e refinadas.
- Você sempre foi um plebeu! – Ren o acusou, um sorriso brincalhão nos lábios. Kai bufou em resposta.
Rosie cortou o pensamento dele, respondendo:
- 1 mês e duas semanas.
- O quê? - Kai pareceu não entender direito, mesmo ciente que Rosalie também respondia a pergunta anterior dele.
– 1 mês e duas semanas. - Repetiu ela - Esse é o tempo pelo qual venho o seguindo e estudando. Satisfeito?
Aquilo era preocupante, e o deixava tudo, menos satisfeito.
Por cerca de 1 mês e meio ela o havia seguido e ele não se dera conta. Na verdade, a fêmea precisou estar a menos de dez metros para que pudesse notá-la.
Quem era Rosalie?
- Lobinho, eu achei que nunca iria dizer isso. Mas estou decepcionado por saber o quanto você está vulnerável. – o irmão notou, fazendo-o cerrar os punhos.
- Como conseguiu? – Kai ousou perguntar, o rosto de Rosie virou na direção dele.
- Quer que eu revele minhas técnicas, Malakai? – ela perguntou, meneando a cabeça de forma orgulhosa. – Não. E de todo modo, eu fracassei. Meu resultado final não interfere no meio.
Aproveitando o orgulho dela, ele engatou outra pergunta:
- O que descobriu sobre mim?
Rosie pegou o graveto que ele outrora usara, e atiçou o fogo. Algumas labaredas se eriçaram, estalando com o atrito.
- Hum... você é solitário, come no mesmo restaurante barato e gosta de correr... Cara, eu cansei de o observar dar voltas pelo parque Tingui! E bom... – ela jogou o graveto pro lado e se virou pra ele com um sorriso. – Têm um pessoal tatuado e com cheiro de cachorro molhado se comunicando com vampiros pra saber de você, passei a vê-los depois da primeira semana.
Lobisomens.
Se a irmã havia avisado que seria caçado somente hoje, a resposta de Rosalie indicava que na verdade, já estavam em seu encalço a mais tempo. Antes mesmo do que também pudesse prever.
Mas, por quê?
- Como eram as tatuagens?
Saber os símbolos tatuados o faria identificar qual alcateia o perseguia. Rosalie juntou o indicador e o polegar, passando-os sobre a boca para simular um zíper.
É. Ele não iria conseguir tirar mais nada relevante dela. Pelo menos, não somente através da conversa.
- Malakai, Malakai. – Ren murmurou, mas até a expressão do irmão transparecia certa angústia.
Kai levantou-se de supetão, sentindo uma certa ira irromper pelas veias. O descontentamento acerca da descoberta daquelas informações aliada à lua negra estava o afetando. E Rosie e seu temperamento insubordinado, aliado às chatices de Ren não estavam ajudando.
Sua mente borbulhava, e quanto mais pensava sobre qual alcateia decidira trair seu legado e de sua família, a instabilidade aumentava. Ele sentiu as garras formigarem na ponta dos dedos, brigando para surgirem.
- Eles estão perto?
- Eles quem? – ela rebateu a pergunta com um sorriso. Kai grunhiu em resposta. Maldição! Aquela não era hora pra brincar com ele.
Rosie detectou seu estado, e levantou as mãos em rendições.
– Calma, Malakai! Eles estão...
Kai a olhou por cima do ombro, sem paciência. Rosie previu a próxima atitude do alfa, mas não foi rápida o bastante. A fêmea parecia fraca demais para ter reflexos.
Ele a segurou pela jugular, a levantando e empurrando para a parede ao lado. Seu corpo a imprensou na parede úmida.
- Responda... - exigiu, observando dentro dos olhos dela com o maxilar cerrado. – Perto ou longe?
Rosie engasgou, lutando para respirar. Porém devolveu-lhe um olhar, parecendo balbuciar algo. Kai maneirou na força com que a asfixiava e aproximou o ouvido da boca dela.
- Quen-te ou fr-io? – Rosie perguntou como se fosse uma brincadeira.
Ren explodiu em uma gargalhada ao lado. Kai fechou os olhos, prendendo a respiração por alguns segundos. O cheiro de Rose estava embriagando-o, tirando-o mais rápido dos eixos.
- Não me faça arrancar a resposta de você, Rosie! – ameaçou, fazendo uma garra surgir no indicador que roçava a nuca dela.
Realmente estava se esforçando para não machucar mais ninguém. E ainda que Rosie tivesse uma natureza meia vampira, saber que parte dela era humana, atenuava a situação pra ele.
- Nã-o vou te con-tar os segredin-hos que tirem o mo-tivo pelo qual sou vali-osa, Mala-kai. – Ela murmurou entre engasgos, encarando-o sem medo algum. Kai afrouxou mais o aperto.
- Não sei se sabe, mas posso arrancar tudo o que quiser de você.
Sua voz saiu lenta e cortante, numa ameaça de algo que sempre odiara fazer: a inserção.
Os lobisomens diziam que essa mecânica era um dom raríssimo da raça, comparável ao que alguns vampiros puros sangue dotados de Power Mind podiam fazer. E Kai era o segundo alfa na história com esse ''dom'', que a sua vista, estava mais para maldição.
Ele vira com os próprios olhos o que alfa Colin Vonwood fizera com um espião desertor da alcateia. Em um momento as garras surgiam, e no outro, eram enterradas dentro da cabeça da vítima, que imediatamente ficava num torpor. Os olhos revirados, o corpo em espasmos e trêmulo, a saliva descendo pelos cantos da boca.
Rosie tossiu novamente, tirando-o de seus pensamentos, para então dizer com pura arrogância:
- Vá em frente e tente tirar o que quer de mim. Posso ser uma meia vampira, mas ainda assim sei me resguardar contra invasores mentais... Passei por muitas torturas na minha vida.
Kai a imprensou contra a parede com mais força, sentindo raiva por ela ter razão.
Seria muito inocente da parte dele não prever que ela construiria muros contra vampiros que podiam ler mentes. Ele até poderia tentar enfiar a garra no cérebro dela e derrubar os obstáculos à força.
Mas tal ato exigiria muita concentração, tudo o que uma lua negra não permitia que tivesse. Se arriscasse agora, o procedimento poderia matá-la.
Kai levantou os olhos.
- Por que acha que é valiosa, Rosalie?
- Bom... posso não ter te matado ainda, mas sou uma ótima mercenária. Sei aprender com meus inimigos, e apesar de não saber muito sobre você, estou no caminho.
Um riso incontrolado de escárnio saiu de Kai, o som ecoando pela parede da caverna. A cada segundo que se passava, seu corpo ondulava ao mesmo tempo que tencionava.
Estava perdendo o controle.
- Vocês vampiros acham que sabem de tudo. Mas a arrogância não o deixam ver nem a metade.
Os olhos ferinos da meia vampira disparam para ele como duas adagas. Porém, a expressão contrariada se transformou, de repente.
– Malakai... – Rosie balbuciou, o rosto ficando vermelho.
- O que foi?! - rosnou.
- Se não vai arrancar a verdade de mim...Não tente arrancar outras coisas. – Avisou Rosie, com um cheiro diferente exalando dela.
Constrangimento?
Kai franziu o cenho, sem entender. Mas quando a meia vampira tentou se esgueirar pra longe dele, percebeu. O membro dele estava duro feito pedra, e o modo como estava a imprensando contra parede agravava ainda mais a situação.
Rosie mordeu os lábios, as maçãs altas do rosto se avermelhando. Kai a soltou de supetão, fazendo-a cair de joelhos em meios a tosses e soluços. Era o cheiro que sobrevoava a caverna, o sufocando.
A respiração de Kai se entrecortou, quando ele baixou os olhos observando a si próprio.
Aquele não era ele.
E seja lá o que estivesse acontecendo, era culpa dela.
- É o cheiro, lobinho. Sabe o que significa, né? – Ren indagou, agora estirado sobre a cama. – O cio de Rosie está mexendo com você.
- Isso é impossível! – Ele ralhou para Ren.
O cio da meia vampira jamais poderia lhe perturbar porque não havia reprodução entre as espécies. Ou seja, ele não poderia se sentir perturbado pelos encantos de Rosie.
- O que é impossível?! – ela perguntou, ainda se recuperando.
Ren propôs:
- Se não acredita... continue perto dela.
O alfa encarou a meia vampira, unindo as sobrancelhas. Rosalie lhe dirigiu o mesmo olhar, tentando entender o que estava acontecendo.
Se Ren estivesse certo, Kai não iria aguentar muito tempo ao lado dela, e quando chegasse a hora... Que a grande mãe o ajudasse se ele estivesse por perto.
- Rosalie, vá embora!
- Não. – Rosie respondeu já em pé, cruzando os braços. – Não vou sair daqui. Lá fora está congelando e eu estou molhada. Não vou conseguir chegar à cidade sem morrer de hipotermia.
Kai a encarou, trincando os dentes. O cheiro de Rosie parecia ainda mais forte.
- Você não vê? – perguntou com um grunhido de raiva. Rosie franziu o cenho, alheia.
A montoeira de emoções e cheiros estavam o levando à loucura. Teria de se transformar para apaziguá-la.
O olhar de Rosalie o perscrutou, como se estivesse curiosa. A expressão facial subitamente se clareando:
- Vejo. Na verdade, estive me perguntando... Por que a sua forma lupina é tão diferente da sua forma humana? - Ela coçou o queixo, pensativa sobre um assunto totalmente irrelevante e perigoso para aquele momento em que buscava controle.
Kai soltou um suspiro exasperado.
Aquela não era hora de perguntas, mas de qualquer forma ele jamais iria responder. Não tinha explicação para o que ele mesmo não sabia. Porém, de fato aquela era uma indagação que sempre havia passado por sua cabeça.
Kai era moreno, de cabelos negros e olhos cinzentos. Mas quando se transformava, a única coisa que permanecia igual eram os olhos, uma vez que sua forma lupina era um grande lobo branco.
Uma pelagem igual ao de sua alcateia que, paradoxalmente, não correspondia as características físicas e humanas dele: os Arsov eram magricelos e brancos feito cera.
Um dos motivos para que ele fosse chamado de bastardo. O primeiro alfa dos alfas renegado por sua própria alcateia e nação.
A simples lembrança do preconceito sofrido durante toda a vida o fez cerrar os punhos, desferindo um soco na parede da caverna. Sua mão queimou, e filetes de sangue lhe desceram dos nós dos dedos.
Ele ergueu os olhos pra meia vampira:
– Vou me transformar. Se continuar aqui correrá o risco de morrer.
- Todo mundo morre algum dia. Prefiro ficar e lutar.
Kai fechou os olhos, marchando para a entrada da caverna. Pelos passos de Rosie, ela havia se juntado novamente à fogueira.
- Retiro o que eu disse. Essa meia vampira não é assim tão inteligente. – Ren riu, e depois murmurou com ironia. - Ah, eu também vou ficar. Já estou morto mesmo...
O único jeito de se livrar dos dois era se transformar e ir pra bem longe. Então Kai bufou para o irmão e tirou a toalha, começando a modificar-se. Quando a forma lupina apareceu, ele se virou pra trás, encontrando Rosie em pé ao lado da fogueira.
Kai esperava ter de lutar contra à ânsia sanguinária assim que a primeira troca de olhares entre a meia vampira o lobo acontecesse.
Mas não.
Os olhos verdes de Rosie piscaram tranquilos na sua direção, como se emanasse ondas calmantes pra ele, como se todo aquele inferno que era a sua vida, se atenuasse para algo leve de ser carregado.
A conexão visual os conectou por um longo momento, onde cada segundo tornava mais difícil quebrar o contato. Ele podia sentir algo acontecendo, ali bem na cara deles, mas ao mesmo tempo, imperceptível.
- Malakai! - Era Ren.
Kai piscou, desfazendo a ligação.
Aquela sensação incomum o assustou, eriçando todos os pelos do lobo. Até Rosie dera um passo para trás, ficando em posição de ataque.
O lobo cerrou a mandíbula para meia vampira, rugindo. Seus olhos a encararam uma última vez antes que pulasse para fora da caverna, e desaparecesse do próprio lar improvisado.
Esperava que fosse uma despedida definitiva. Pra sempre.
Quão inocente ele era...
Eita que mais um cap foi postado! Segunda (no mais tardar, terça) vem outro cap. E já adianto, terá ação!! hehe
Tem mais surpresas vindo por aí...
Continuem com esses dois <3
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