Capítulo 33 | Persistência ou Morte
Em frangalhos/apuros na rebelião | 21/03/2020
Rosalie Armstrong
- Ele me esqueceu. Ele... – a voz falhou.
Tentou inspirar fundo, trazendo o oxigênio para o pulmão. Entretanto, era como se seu corpo se recusasse a viver sabendo que Kai havia sumido. O que era um tremendo absurdo, uma vez que o alfa era sua sentença de morte, não de vida.
Era a conexão, só podia ser.
Porém, não podia negar para si que ter a presença dele era algo bom. Bom demais para ser verdade. E ter alguém compartilhando dos pensamentos e percepções era tão acolhedor, que agora não podia se imaginar sem essa ligação.
Erguendo os olhos, observou o próprio reflexo no espelho quebrado da cabana. Seus cabelos se assemelhavam a algas marinhas coladas ao redor do rosto. Já seus olhos estavam fundos, como se não houvesse dormido há semanas, e a palidez do rosto era igualável a cor de um cadáver.
O que estava acontecendo?
Nos últimos minutos ela girava em torno dessa pergunta. Mas o desespero era tão latente que mal conseguia raciocinar.
Num segundo Kai estava ali, a abraçando. No outro, depois de sugerir que alguém o enganara, o alfa se tornara uma fera.
No entanto, nada era pior do que o olhar de indiferença do lobo ao vê-la. Por Deus! Ele a atacou. Tanto pelo conexão quanto fisicamente.
Foi tão real que sentiu os dentes roçarem no seu braço na primeira vez, enquanto na segunda Dom a empurrou quando Kai estava prestes a fechar a mandíbula em seu tornozelo.
Rosalie inspirou fundo.
Fechar os olhos, e reviver as lembranças recentes só a sugava cada vez mais para o buraco negro que havia se tornado seu peito. E sobre o laço... O que tanto queria se desfazer, agora tinha medo de olhar para dentro e não ter mais nada além de uma ponte quebrada.
- Rosie? – a voz de Dom veio detrás.
Ela o fitou o reflexo dele através do espelho. O macho estava tão calmo que uma esperança brilhou como chama dentro de seu estômago.
- Vocês o encontraram?!
Dom baixou o olhar e meneou a cabeça.
- Perdemos o rastro. Tudo que sabemos é que ele sumiu pelo túnel Sul.
Rosie trincou os dentes, esfregando o rosto suado.
- Vocês tem dezenas de pessoas nesse lugar! Não é possível que ninguém tenha visto um lobo gigante passar!
- O que acabou de acontecer deu vida a lenda de La bestia. – o vampiro que ela mal tinha notado dentro da cabana falou pela primeira vez. Uma criatura tatuada e com cara de poucos amigos. – Os que estavam no caminho não quiseram ver, e quem viu, não vai falar.
- Uma...lenda? – Rosie bufou, o sarcasmo evidente na voz.
- La bestia é considerado o mais forte de todos os lobisomens. A lenda diz que esse lobo tem poderes inimagináveis, e que todos que entram em seu caminho acabam morrendo violentamente. – Dom explicou com uma serenidade que só a enraiveceu ainda mais.
- É UMA MALDITA LENDA! – tinha vontade de arrancar os cabelos.
- Sim, Rosie. E estamos falando de seres sobrenaturais que acreditam em profecia, e que principalmente, a maioria do mundo não faz ideia de que existem fora da televisão e livros. Então sim, é normal que acreditemos em lendas já que somos uma.
Rosalie se virou bruscamente, ficando de frente para Dom, parado há alguns metros dela. Sua atenção foi um incentivo para que ele continuasse:
- Ele se entregou ao lado primitivo. A esqueceu.
- Percebi. – disse entredentes.
Dom abriu os braços, e depois levou uma das mãos ao próprio peitoral.
- Se eu fosse você, aproveitava a oportunidade e começava de novo. Acredite, estar perto dele só a colocaria em mais perigo...
Em um momento estava parada, no outro, estava a um palmo do rosto de Dom, segurando o pescoço dele com as duas mãos. Seu movimento fora tão rápido e inesperado que o outro vampiro presente não agira a tempo, mas se levantara com os caninos à mostra.
Dom ainda a encarava, mas ela viu que ele ergueu o braço como um sinal para que o outro vampiro não atacasse.
- Começar de novo?! – ela ralhou com sangue nos olhos. – Você ao menos tem noção do que estou sentindo?!
- É a reação biológica da ligação que há entre vocês.
- Foda-se! Biológica ou não, estou morrendo, Dom. Consigo sentir a vida se esvaindo de mim...
- Rosie...
- Você ao menos sabe o que é ser abandonado? O que é ter a sensação de ser esquecido por alguém que ama?! – gritou, sentido os dedos se apertarem ainda mais ao redor do pescoço dele. talvez pela raiva, talvez porque tivesse acabado de admitir em voz alta que amava o alfa.
Dom continuou a encarando, sem palavras. Rosie meneou a cabeça com pesar:
– Não, Dom. Você não sabe, pois é você a criatura que costuma abandonar os outros.
Ela só percebeu que o encarava por um eternidade, quando Dom fez um movimento brusco e se soltou do aperto. Os braços de Rosie caíram sem vida ao lado do próprio corpo.
Se sentia tão exausta, que até as forças para discutir com alguém como Dom se esvaíram. De qualquer forma, ele não valia o esforço. No seu íntimo, sempre soubera disso, pena que demorara tanto para ouvir sua intuição.
E dessa vez, tudo em si a dizia para encontrar o alfa. Não iria calar essa voz interior.
- Tem razão. – Dom murmurou baixo demais.
- O quê?! – ergueu os olhos que antes fitavam o chão.
- Eu realmente não sei a sensação. E você está certa sobre tudo o que disse. – a cabeça dele movia-se de cima a baixo, em concordância rítmica.
Ela o observou, atônita, esperando que Dom dissesse que era uma pegadinha. Jamais haviam concordado em nada na vida, imagina numa situação delicada como aquela.
– Vá atrás dele. – Dom apontou para a saída da cabana.
- Dom. – foi o outro vampiro quem disse. – Não podemos deixá-la ir...
Então percebeu o que havia acontecido.
Ele mudara de ideia.
Sobre o que ou quem, não sabia. Mas antes que Dom pudesse voltar atrás e mandar seus capangas a prenderem, Rosalie não pensou duas vezes ao fazer a velocidade sobrenatural funcionar com o pouco de força que restara, a levando para longe.
Suas pernas se moviam com uma destreza diferente da capacidade que o corpo apresentava, certamente um impulso derivado do desespero.
Ela passou a toda por seres chocados, cabanas, animais, plantações e quando atravessou uma espécie de membrana, finalmente percebeu que estava fora. E logo se lembrou que Dom dissera que Kai sumira pelo túnel Sul.
Mas onde seria esse maldito, e onde era este outro túnel que se encontrava?
Bufou mais uma vez, estarrecida pela burrice. Depois respirou fundo, analisando o local que estava, identificando que não era o túnel que haviam entrado, uma vez que este era menor e mais úmido, e se estendia de uma forma tão longínqua que não conseguia ver o fundo.
Disparou novamente, dessa vez receosa que alguém viesse atrás, mas com atenção suficiente ao caminho que percorria. Porém, depois do que contou serem cerca de três quilômetros, a primeira bifurcação apareceu.
Sem pensar muito, seguiu pela hipótese mais úmida ainda que o último túnel. Precisava tomar agua potável para hidratar o lado humano. A parte vampírica já estava alquebrada o suficiente.
Rosie correu e correu. Ladeando paredes rochosas, depois empedradas, e logo após, um barulho de gota há alguns metros a atraiu. Naquela altura, já não se recordava muito do quanto havia percorrido, ou como viera parar ali. A capacidade de concentração estava visivelmente comprometida.
Evitando pensar nos problemas, foi furtivamente até o som glorioso da gota. E encontrou o destino no fim de um túnel sem saída. A esperança encheu novamente seu peito enquanto se posicionava embaixo da goteira para identificar o líquido, que por ser inodoro, apostava na água potável.
A gota estava prestes a tocar sua língua quando algo saiu das sombras e captou sua atenção. Infelizmente não foi rápida o suficiente antes que fosse puxada por um par de mãos na direção da penumbra.
Com a boca tampada, Rosie se debateu contra seu captor. O coração galopante no peito, prestes a sair pela boca.
- Cadê o livro?! – a voz feminina sussurrou ao pé de seu ouvido.
Ela estava prestes a desferir uma cotovelada quando reconheceu a voz da loba que havia pedido para cuidar de Kai.
Anastácia, irmã dele.
A loba a soltou, mas ainda continuou segurando seu antebraço. E com a mão livre, estendeu um cantil de água na direção dela.
- Não acredito que está perguntando de um livro quando ele sumiu.
Mesmo no escuro, os olhos da lobisomem se tornaram órbitas negras brilhantes.
- Malakai...sumiu?
Rosie revirou os olhos, aceitando o cantil e se saciando de forma atabalhoada. Vários filetes inundaram a face, descendo pelo seu pescoço.
- Acho que me entendeu bem. – murmurou, sentindo o frescor da água sob a pele.
- Você precisa encontrá-lo!
Se não fosse o estado deplorável, Rosie provavelmente riria debochada.
-É o que estou tentando fazer! Mas não vê o meu estado?! – apontou para si mesma. – Meu corpo se recusa a viver.
- É a conexão... seu estado decrépito indica que ele está longe o bastante.
Rosie suspirou, com uma mão no peito.
- Nossa. Obrigada pela parte que me toca.
A loba ignorou, explicando:
- Quando você está perto, seu corpo se cura rápido. Mas quando está longe, a morte vem lenta e torturante.
- Era só o que me faltava...
- Me escute, sei que pode ser difícil, mas você precisa ir atrás dele e...
- Olha aqui, mulher lobisomem. – ergueu um indicador para a loba de pele pálida e cabelos negros. – Eu quero e vou encontrá-lo! Mas além de meu corpo estar morrendo, Kai me esqueceu. Então você entende que quando encontrar ele...não serei reconhecida? – falar em voz alta era ainda mais perturbador.
A loba levou a mão aos lábios entreabertos.
- Ele se entregou para pele de lobo?
- Não sei o que isso quer dizer. – Rosie começou. – Mas se significar que ele se tornou um lobisomem louco por sangue, então sim.
-Que Nuit o salve...
Rosie fez uma careta. Rogar por ajudar mística nesse momento não auxiliaria em nada quando não sabia por onde começar.
- Você pode tentar salvar ele. Por que também não o procura?
- Se ele quiser desaparecer, jamais conseguirei encontrá-lo. Mas se ele realmente se entregou a pele de lobo, pode ser que baixe a guarda e eu consiga detectá-lo.
Rosie ergueu uma sobrancelha.
Não havia entendido muita coisa, mas atribuiu ao fato de que não conseguia raciocinar de maneira correta. Ainda assim, perguntou:
- Você já o encontrou duas vezes. Tanto em Curitiba, quanto em Morretes. – asseverou, se lembrando de observar de longe o encontro de Anastásia e Kai no Parque Tingui, e logo depois em Morretes.
A loba sorriu.
- Não o encontrei... Eu localizei você. Nas vezes em que Kai quis desaparecer, nunca pude achá-lo. É como se ele nunca tivesse existido.
- Mas você veio ao Brasil atrás dele...
- Viemos atrás de você. - Anastásia meneou a cabeça. – Quando soubemos da sua promessa de sangue, a seguimos. Confiamos que poderia nos levar até ele.
- Mas como...
- O livro que Kai roubou fala sobre uma profecia, Rosalie. Sempre soubemos que Kai era parte, e que havia grandes chances dele ser uma alma dúplice. Era uma questão de tempo até que o parceiro dele o encontrasse... Você.
Rosie sentiu os lábios se entreabrirem, de tão abismada. Anastásia não a deixou digerir, só concluiu:
- Não foram somente as suas habilidades que o encontraram, foi o destino que os uniu.
De perplexa, a meia vampira rapidamente passou para descrente.
- Nunca imaginei que nós seres sobrenaturais fossemos tão apegados a essas ladainhas de deuses, destinos, lendas e profecias.
A expressão da loba se contorceu, como se tivesse sido magoada por aquele comentário.
- Creio que não foi criada da maneira correta, Rosalie.
- E algum meio vampiro é? - ergueu uma das sobrancelhas, em desafio. - Então me desculpe se precisei por contra própria me responsabilizar pelos meus atos para sobreviver. – deu uma pausa, sorrindo sarcástica. – E adivinhe, nenhuma misericórdia ou profecia jamais me salvou.
Não queria ser rude. Mas estava cansada de viver como marginal em uma sociedade que a excluía intencionalmente, para depois cobrá-la que soubesse acerca da educação, história e religião do clubinho glorioso deles.
Ademais, estava morrendo. Kai havia sumindo. E seu prazo se encontrava cada vez mais curto. E pior de tudo, o coração estava tão apertado no peito que se não fosse um ser sobrenatural, poderia jurar que estava prestes a ter um infarto fulminante.
O olhar da loba faiscou.
- E aqui está você, se fruto de misericórdia ou destino... nunca saberemos.
- Sabemos sim. Minhas pernas me trouxeram até aqui. – esclareceu com sarcasmo. – Isso é locomoção bípede. Ciência.
- Suas pernas? Sim... mas eu é quem a fiz vir até aqui.– Anastácia a encarou, o pesar na expressão. - Não acredito que a profecia escolheu alguém que pisoteia em nossa cultura.
Rosalie gargalhou. O eco brandindo pelo túnel.
- Não faço ideia do que está dizendo. Mas se sou realmente a escolhida dessa tal profecia, talvez haja uma porquê. – ela asseverou entredentes. – Talvez tudo deve ser reformulado.
- Você não faz ideia do que fala, meio-sangue.
Ah, aí estava o bendito preconceito que guiou a existência de Rosalie. E somente aquela palavra foi capaz de incendiar seu interior.
Ainda assim, não tinha tempo a perder.
- Então dona sabe-tudo, me conta. Pra que exatamente me puxou. Sua intenção era me ofender?
- A verdade não é ofensa.
- A sua verdade é restrita ao seu mundo, lobisomem. – Rosalie estava a um passo de perder o restante da paciência. - Tudo bem, eu sei a realidade em que vivemos. Mas se pensa que repetir seu preconceito revestido de opinião me fará mudar a minha verdade, está muito enganada.
Anastásia a encarou, mas não com pesar. Rosalie, ainda impregnada de raiva, não conseguiu discernir. Porém, no fundo daqueles olhos lupinos havia orgulho, e talvez uma pontinha de inveja.
- Eu vou te ajudar a encontrá-lo, Rosalie. Você me permite?
A meia vampira arregalou os olhos.
- Claro que sim. De sangue ou não, ele é seu irmão. Não vou e nem posso te proibir só por não gostar de você. – murmurou, afastando os cabelos da lateral do rosto e prendendo-os atrás das orelhas.
Anastásia ergueu a mão em sua direção:
- Estou propondo uma trégua até que encontremos Kai. Depois, cada uma segue seu caminho e missão.
Rosalie encarou a palma da loba por mais tempo do que o necessário. Tentando calcular os prós e contras numa mente anuviada pela fraqueza e confusa pelo desespero. Quando desistiu, e observou que mal sabia por onde começar, aceitou.
- Fechado. – as palmas estavam seladas em um acordo superficial e ao mesmo tempo profundo. – Para que possamos começar... – olhou de um lado a outro do túnel onde estavam. – Sabe me dizer se estamos perto do túnel Sul?
Uma ruga fina se fincou na testa da loba.
- Não entendi.
Rosalie arquejou.
- E eu aqui imaginando que duas cabeças pensariam melhor que uma.
oooi gente!! Voltamos com Coração de Sangue!!
prox cap segunda que vem <3
Está acompanhando? Não esquece da estrelinha pra eu saber que esteve aqui;*
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