Capítulo 32 | Começo do Fim
Em algum ponto do pacifico| Corte Norte | 27/03/2020
Dacian Ivanov
Dacian se recostou na cadeira de ferro, olhando para o que restava do vampiro à sua frente.
O corpo meio torto, meio molenga. O terno outrora impecável, agora tão rasgado que parecia puído. A boca entreaberta, babando. A mão com as unhas arrancadas e os dedos tortos. Os olhos inexpressivos, como dois grandes buracos negros, refletindo o vazio da alma.
Tinha de admitir. Havia um quê de arte e beleza naquela pobre alma. E por mais que estivesse extremamente esgotado mentalmente por usar sua técnica mental mais complexa - denominada carinhosamente de apagão -, estava satisfeito.
Mas antes, claro, brincou um pouco. E para tal, plantou na mente do vampiro que a pele estava coberto por sanguessugas. Depois de observá-lo se auto infligir arranhões, socos e beliscos desesperados, Dacian elevou o grau diversão, inserindo na mente da criatura que os sanguessugas finalmente havia sido retirados da pele, e agora estavam nos dedos.
De fato, foi um pouco apavorante vê-lo arrancar as unhas com os caninos longos. Porém se provou uma experiência que mexeu com sua adrenalina. Um pico alto e nada mais, pois no próximo segundo... tédio. Momento que enfim se deu conta que era a hora de fazer o apagão.
Dacian respirou fundo novamente, contemplando o resultado da sua obra de arte.
Agora aquele vampiro era uma criatura alquebrada por dentro, destinada a viver para todo o sempre em estado vegetativo, sem conseguir se lembrar o quê ou quem era. Se tornou um vislumbre decrépito do que um dia foi o Rei Aidan, da Corte Vampírica mais forte atualmente, a Norte.
- Majestade... – a pergunta veio de Constantini, agora a única criatura a saber de seus planos. – Era realmente necessário? – Dacian sentiu o receio na voz do vampiro cientista. – Seu irmão saberá que foi você assim que ver o estado em que deixou o Rei Aidan.
Os olhos de Dacian deslizaram pelo porão do Navio. No caminho até seu velho amigo, havia pingos de sangue seco no chão e nas paredes, misturado a redes de pesca e algas mortas. O ar estava carregado do cheiro de morte e maresia, e ele adora ambos.
Porém, quando seus olhos tocaram Costantini, com os olhos esbugalhados sentado atrás da mesa de plástico, se deteve em suas contemplações.
Esperava sentir... raiva daquela expressão facial ou do cheiro de morte que seu amigo exalava? Não, talvez um simples incômodo ou vergonha. Mas não. Dacian gargalhou, e som de sua risada reverberou pelo casco da fortaleza marítima e secreta onde estavam escondidos do resto do mundo, em algum ponto turbulento e chuvoso do pacífico.
Finalmente respondeu:
- Não me importo com Damien e o que ele pode fazer, Constantini. Eu... não me importo com nada. – respirou fundo, como se dependesse do ar para sobreviver. E depois que expirou lentamente, concluiu - Há uma estranha liberdade na insensibilidade.
- Você não era assim. – as palavras pairaram no ar.
- Sempre soubemos que esse era o meu destino. Não há mais nada para mim neste mundo a não ser a vingança. – Dacian se levantou, afrouxando a gravata do colarinho. – Rosie, por ter matado Mirian, e ser a esperança de Damien. E claro, meu querido irmão por ser meu único oponente neste mundo miserável, que vai sempre contra todos os meus planos, e quer encontrar a vampira odiosa que é nossa mãe. – ele baixou os olhos, para o antigo rei nortenho.– E Aidan, por ter tentado passar a perna na Corte Sul, e ter me feito adiantar nossos planos antes do momento correto.
- E o alfa dos alfas? Porque quer vingança contra ele?
Dacian engoliu em seco quando a raiva subiu pela bile.
- Malakai está caminhando para o mesmo destino que o meu.
- Por que, majestade?! - Constantini ergueu a sobrancelha, o analisando. – E... do quê exatamente está falando?
- Você não sabe, querido amigo?! - Ele ajeitou o topete, caminhando em direção a cadeira à frente de Constantini. – Ren foi descoberto.
- Warren, não...
- É o ponto crítico de todo o plano. Por causa disso temos que adiantar nossos objetivos. – fez um gesto como se o fato de seu amado morrer não fosse nada. – Tudo bem, a ordem dos fatores irá alterar, mas continuaremos...
Constantini se levantou bruscamente, fazendo a cadeira em que estava sentado, cair.
- Isso vai matar o Ren! Majestade... – os olhos castanhos estavam arregalados. – Vai matar você!
Dacian deu de ombros.
- Eu já estou morto, Constantini.
- Isso não é verdade, Senhor. – Constantini abriu os braços. – Ren era seu parceiro de alma, a conexão que vocês tinham era maior do que a que você divide com seu irmão! Perdê-lo será a sua ruína.
- Eu sei, amigo. É por isso que eu disse que Malakai terá o mesmo destino que o meu: matar a própria parceira... – fitou as próprias mãos. – Porque, a verdade é que eu matei o meu amor.
Constantini colocou as mãos nas têmporas, consternado. Mas ele... bom, pra ele já não tinha esperança. Sempre soube que o jeito como as coisas caminhavam, e as escolhas que fazia ao longo dos anos, o levaria para um único fim: a destruição.
Era o preço a se pagar pelo uso do powermind. A insensibilidade foi um caminho sem volta, e conforme a trilhou mal percebeu como seu gosto viciou. Um dia o que era normal, se torna comum, e nos outros, nada mais o surpreendeu. E quando finalmente tentou abrir os olhos, percebeu que não importava o quanto ele esteja arregalado, já está cego.
Havia se afogado dentro de si a muito tempo, quando em um dia inspecionando o antigo portal, se deparou com Warren acabando de atravessá-lo.
Era um tempo longínquo, onde a bobagem de separação das espécies na terra, acabara de ser sedimentada, uma vez que a ramificação do poderio interespécie fora a destruição de Élyunn.
Naquele dia de invernal em Curitiba, quando Ren jogou uma piada de mal gosto sobre vampiros e lobos, Dacian sentiu o peito esquentar. E ver o sorriso debochado do macho lupino só o fez ter certeza que se apaixonara por um lobisomem em uma maldita nova era separatista.
Estava condenado.
Devia ter escutado seu pai. ''Viver amores impossíveis não nos impulsiona, nos destrói.'' Mas o amor não escuta a razão. E tão logo se conheceram, se vinculando como almas gêmeas, souberam que não poderiam ignorar a conexão. Então fizeram um plano: colocariam Malakai, o irmão bastardo, como Alfa dos Alfas.
Só queriam um novo governo para afrouxar ou derrubar as leis magnas que regiam as relações interespécies. Algo que somente alguém desposado do conservadorismo e com raiva suficiente do governo dos lobisomens poderia fazer, já que o poder de influência desse cargo é muito maior do que o governo fracionado pelas cortes vampíricas.
Era um plano perfeito e sem vítimas. Bem... até descobrirem que Aleksey, pai de Ren, e seu pai haviam feito um acordo para unificar o poder entre lobisomens e vampiros na terra.
Aleksey prometera sua filha, irmã de Malakai, ao filho mais velho dos Ivanov, ele. E quando passasse da transformação completa com Mirian, se casariam, juntando lobisomens e vampiros da Corte Sul em um só exercito que levaria a destruição às outras Cortes, e unificaria o poder.
Entretanto, seu pai não jogava para perder. Motivo pelo qual, secretamente, fez um acordo com a linhagem Alabron, prometendo Rosie à Damien, filho mais novo.
Ele descobrira tarde demais que seus pais estavam, na realidade, criando os filhos gêmeos como rivais até a batalha final, onde o mais forte se casaria e herdaria o trono. Para o perdedor? morte.
Entretanto, tudo deu errado, e graças à Fallon, por diversos fatores. O primeiro deles, a mãe ficara perdida quando todos os portais para Elyunn se fecharam. O segundo, o pai havia se matado quando descobrira o terceiro e pior dos motivos: Aleksey, na época o alfa dos alfas, é quem havia arquitetado um plano majestosamente falso.
Mirian não era uma Arsov, muito menos uma lobisomem. Era, na realidade, meia irmã de Malakai, filho mais novo de seu próprio pai, que acasalara com uma Rainha lobisomem das Terras altas de Élyunn.
Malakai era um Ivanov. Portanto, irmão mais novo dele e Damien. E claro, a única criatura na terra dotado dos genes licantropos e vampíricos.
E seu amado e parceiro Ren só tivera Malakai como irmão bastardo porque Aleksey o sequestrara de Elyunn quando descobriu que o filho Sebastian havia sido levado pela linhagem vampírica dos Ivanov.
Porém, a maior ironia foi que, mesmo sabendo de toda a verdade através de Dacian, Ren ainda conseguiu amar Malakai como um verdadeiro irmão. E posteriormente, quando descobrira as chances reais de Malakai ser detentor do powerghost, não pensara duas vezes ao se sacrificar para colocar o irmão no poder.
Para Warren, mesmo com todas as adversidades, o plano deles ainda continuava válido. Mas não para Dacian, cansado das mentiras e perversidades de sua família, capazes de colocar os próprios filhos nas manobras abusivas pelo poder, e simplesmente desaparecerem quando tudo ao redor deles começou ruir.
E...amigo, depois que você se encontra vulnerável a dor, e os acontecimentos se sedimentam em seu peito feito mágoa. Tudo é revivido dez vezes, e em cada uma delas, mais uma parte sua se quebra.
Por isso que, por mais que buscasse se ater a nobreza do sacrifício de Ren pelo amor deles, Dacian simplesmente não conseguia. Uma vez que, pelo laço ele era perturbado pelo o que Ren sentira ao ser assassinado por Kai.
E conseguia reviver exatamente como foi, dos gritos do parceiro, a dor aguda despontando em cada parte do corpo, ao último suspiro de vida.
Foi quando notou que, na realidade, o laço de parceria seria sua destruição, atestando o que seu pai havia dito. Pois, por mais que Ren agora vivesse dentro de Kai, e a conexão continuasse entre eles, a dor compartilhada pelo laço o envenenava todos os dias.
Isso, aliado a cegueira do irmão por Rosie e a Morte de Mirian, - a lobisomem que era sua amiga, e uma esperança de unificar a Corte Sul em uma só mente -, o impregnaram de um ressentimento profundo.
Um abismo maior do que ele mesmo.
- Odeio quando pensa nessas coisas. – a voz trêmula de Ren veio do laço. – Esqueça essas coisas, meu amor.
- Não posso...não quando você está me deixando. – respondeu através da conexão.
Seu parceiro deu um riso triste.
- Nunca vou te deixar, meu bem. Até mesmo quando eu não tiver mais aqui.
-Sua morte vai me enlouquecer, Warren. E os sentimentos que você está tendo agora... eu posso sentir.
- A culpa está me corroendo. – Ren admitiu, surgindo no outro lado da ponte já trêmula. – Eu não devia ter feito isso com meu irmão.
- Ele não era seu irmão!
- Era sim. – a visão de Ren se apagou, e ressurgiu. Instantes que o seu coração já natimorto pareceu quebrar. – Dacian, por favor, não quero passar meus últimos momentos brigando com a única criatura que mais amei na vida.
- Eu... – sua voz sumiu.
Onde fora parar a insensibilidade?
- Sim, você não é insensível para o amor, meu bem. Não é e nem nunca foi insensível para mim. – Ren deu um primeiro passo em direção a ponte, que tremulava cada vez mais. – A raiva de Kai o descontrolou, estou sendo esquecido. E agora que o laço dele com Rosie amadureceu, ele está usando os poderes dela sem notar.
- Mas... co-mo?
- Kai sempre foi poderoso. E mesmo guiado pelos instintos, está usando tudo o que pode para me esquecer. Você se esqueceu que o fogo também era usado no poder arcano como condutor de esquecimento? Kai queimou nossas memórias...
- E quando ele te apagar, nossa conexão se quebrará aqui também. Ele não pode...
- Já está acontecendo. – Ren parecia caminhar com mais dificuldade, ainda que mais rápido. Dacian começou a correr em direção a ponte, em direção ao seu amor.
Atrás de Ren, as memórias sofriam combustão, e faíscas estalavam através do laço. Uma das pernas espectrais de seu parceiro estavam se apagando, como papel sendo queimado. Sumindo vagarosamente no ar.
- Warren, não!
Usou a velocidade sobrenatural para segurar o que restava de Ren, com a outra perna quase extinta, e um dos braços também.
- Por favor, não me deixe. – o abraçou forte, enquanto lágrimas irrompiam sem cessar, e o desespero o dilacerava por dentro. – Por favor!
- Sh....- o indicador de Ren parou sobre seus lábios. – O que é, o que é? Doí sem machucar, arde sem queimar...
- Não, não, não.... – cortou Ren, segurando o rosto de seu amado, estalando um beijo salgado de lágrimas na boca dele.
Os olhos de Ren brilharam, marejados, antes de enfim concluir:
- E temos lealdade, ainda que nos mate?
- Amor.
- Sim...Prometa para mim, meu bem: não deixe que isso o destrua. - A mão espectral deu um leve aperto sobre a sua antes de evaporar. - Estou sendo consumido pela culpa pois as escolhas que fizemos estavam erradas, e tive certeza disso quando provei do sofrimento de meu irmão.
- Por favor, nã-o....
- Prometa para mim, Dacian. Prometa que não deixará que a sede de vingança destrua você. Ainda dá tempo de se reconciliar com todos. Prometa para mim...que não deixará morrer o que resta do amor em você.
Dacian fechou os olhos, o abraçando com força, como se isso fosse impedi-lo de se ir. De deixá-lo.
- Não se esqueça que eu te a....
Quando Dacian abriu os olhos, Ren havia desaparecido. E a ponte que antes existira como o selamento da conexão com o amor de sua vida, acabara de se quebrar.
Estava em queda livre, num poço sem fim de nada e tudo. Caindo sem parar em direção a um limbo desconhecido. E mesmo que alguma parte dele quisesse ter prometido e seguir os conselhos de Ren, não poderia.
Não quando sabia que o plano tinha chances reais de custar a vida de Warren. Ele o havia matado.
E Dacian nunca tivera certeza em sua vida, a não ser aquela: se por algum motivo, um dia caísse no limbo daquela ponte de conexão, jamais retornaria. Havia visto exemplos suficientes de conexão quebradas, para saber que quando uma parte deixa de existir, o laço se rompe. E a pessoa deixada viva se perde nela mesma.
Pra ele, que já estava perdido, aquela era a sentença da ausência de esperança.
Tudo o que sentia era raiva, culpa, abandono, ódio, sede de vingança. Então, se fosse continuar existindo nessa terra que tirara tudo dele... seria para atear fogo no mundo.
Quando voltou a si e encarou Constantini, disse:
- Vamos começar a última fase do nosso plano.
- Ainda estamos em testes, Majestade. E caso algo dê errado, podemos acabar transformando os humanos em vampiros.
Dacian, agora uma casca oca e sem vida, sorriu cruel:
- Que assim seja. Viveremos todos num inferno.
Gente... esse capítulo foi dificil T-T . Mas saberemos ainda mais sobre o passado de Dacian e também de Damien. O próximo será a nossa Rosie e sua saga para resgatar Kai dele mesmo.
Obrigado por não abandonarem<3 E se você chegou até aqui, deixe sua estrelinha. É bom saber que alguém esta acompanhando (mesmo com minhas idas e vindas). Obrigada!
não está revisado!
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