Capítulo 21 | Profecia
Nos Túneis da Rebelião. Em algum lugar no subterrâneo do Paraná. 23/03/2020 - Corte Sul
Malakai Arsov
Os olhos verdes piscaram em sua direção.
- Do que você está falando?!
Ele grunhiu, sentindo o coração bater mais rápido dentro do peitoral. A mente lupina juntava todas as peças, e a parte primitiva lhe devolveu uma raiva que o fez retesar os músculos.
- Quase tudo se encaixa. – disse mentalmente, ainda que pra si. Depois, levantou os olhos, encontrando a meia vampira com uma expressão confusa. Ele resolveu explicar: - Antes de te encontrar, minha irmã apareceu e avisou que minha família me caçaria. Mas você disse que já havia lobisomens atrás de mim há pelo menos um mês. – Rosalie concordou com um aceno rápido, concentrada nele. – E a última vez que Ren surgiu, ele disse que roubou algo de nosso pai fazendo parecer que foi eu.
Ela estalou a língua, pensativa. Kai concluiu:
- Acredito que meu pai colocou minha cabeça à prêmio quando percebeu que foi ''roubado por mim''.
– Eu bem que senti que talvez ele fosse importante... - Rosie fez uma careta, levantando o livro de couro com uma das mãos. – Mas... Tudo isso por causa de um livro? Ele não podia, sei lá... perdoar você e combinar um dia para pegar de volta?
Se Kai não estivesse na pele de lobo, com certeza teria sorrido.
- Não acho que ele está disposto a perdões, ainda mais por mim, que joguei todo o esforço e legado da família Arsov no lixo.
E tudo bem. Não faria nada diferente.
- Quando seu irmão morreu?
- Quando eu o matei? – corrigiu, sem receio. – Pouco mais de seis meses.
6 meses, duas semanas e um dia.
A meia vampira suspirou, os dedos dela tateando o auto relevo do título na capa.
- E esse tempo todo o livro ficou desaparecido?
- Como? - não estava acompanhando.
- Se foi seu irmão que roubou, ele o fez enquanto ainda estava vivo. Por quê?
Kai queria responder. Mas a voz de Rosie era um som baixo e perdido dentro de sua cabeça, pois agora somente a morte de Ren perpassava na tela mental feito um disco arranhado.
O sangue. As tripas entre suas garras. O chão da Arena enlameado. A dor pungente dentro dele. O ódio crescente por aquele cargo e si mesmo.
- Pare! – Rosalie soltou, as duas mãos na cabeça. Um pânico cresceu dentro dele – Eu... – a voz dela se esvaiu.
Como um reflexo, o laço entre eles devolveu um sentimento agonizante. O lobo fechou os olhos com força, parando o ciclo anterior, e retendo a dor emanada como uma esponja.
E quando a meia vampira inspirou alto, os enchendo de alívio e oxigênio, percebeu com preocupação: de alguma maneira havia conseguido fazer parar.
E havia feito por ela.
Em outra ocasião, certamente se deixaria levar pela dor e culpa, até que os sentimentos o levassem para um poço tão fundo, que sua única alternativa de sair fosse tentar tirar a própria vida... outra vez.
- É a lua negra. – explicou depois que Rosalie respirava de forma mais cadenciada. – Minhas emoções vão ficar mais intensas, confusas...
- A dor e a culpa que você guarda pela morte do seu irmão é tão grande que me sufoca. – a ouviu balbuciar, com uma das mãos no peito. – Nunca senti algo assim.
De repente, o lado primitivo de lobo junto a lua negra não eram mais bons aliados, ainda mais se tudo o que sentisse fosse refletido em Rosalie.
Se continuasse assim, em pouco tempo ela perceberia que se desfazer da conexão seria um objetivo muito maior do que matá-lo.
E por mais que quisesse aquele laço, não pensaria duas vezes em abrir mão se fosse para preservar a saúde mental da fêmea.
- Kai. – a voz de Rosalie soou suave, como um acalento. – Não foi sua culpa.
Ele piscou, sustentando o olhar solidário dela.
De sua família, escutou dia após dia, ''foi um esforço necessário'', ''depois passa, você tem outras coisas a pensar'', e cacete... como matar seu irmão – o único que se importava com ele – pudesse ser algo fácil de esquecer ou um esforço necessário ao trono?
Que os lobisomens e seu pai se danassem tentando encontrá-lo.
As palavras de Rosalie ainda pareciam brincar em seus ouvidos, e mesmo que a dor ainda fosse gigante, a surpresa por ter escutado aquilo pela primeira vez, o fez refletir nos motivos.
De certo, um alfa dos alfas precisaria depor o antigo por meio da morte ou rendição. Mas essa última alternativa feria o legado dos Arsov. Todos esperavam a morte honrada de Ren, sabendo que, como mão do alfa, ela prevaleceria em detrimento da rendição e covardia de Aleksey.
Sim. A política era uma merda. Isso já havia sido obrigado a engolir.
Porém, a cada vez que as lembranças vinham em sua mente, outra coisa ficava evidente.
- Eu gostei. – se viu revelando com pesar. – O poder. A força... Me senti invencível. – um gosto amargo subia por sua bile. – Ficou claro que não seria um bom alfa para meu povo.
Quando ergueu os olhos, empertigou a postura do peitoral do lobo, pronto para reagir ao horror da meia vampira. Entretanto, não foi o que aconteceu:
- Não concordo com você. – as mãos dela estavam entrelaçadas em cima do livro. – Acredito que conhecer a si mesmo seja uma característica fundamental que os líderes devam ter.
- Acho que não entendeu, Rosalie. - Uma risada fria escapou dele. – Meu... ''apetite'' por sangue é descontrolado.
- Você quase pareceu um vampiro dizendo isso – ela observou, um dos cantos dos lábios se erguendo num sorriso torto – Ainda assim, isso mostra que você conhece seus limites e sabe exatamente o que evitar.
- Mas o tipo de Alfa dos alfas que tenho de ser, não é o que meu povo deseja. E quando tentassem me tirar do trono... - Ele suspirou – O ciclo de violência recomeçaria.
- Ou não... – Rosalie pendeu a cabeça. – Era só se render.
Ele já tinha pensado nessa possibilidade. Em todas, na verdade.
Porém, depois que estivesse no trono, a única maneira de sair seria por duelo ou sucessão, e esse último somente ocorria após 300 anos de governo, ou assim que seu herdeiro mais forte passasse pela transição em uma lua de Sangue. Uma alternativa que não se encaixava no caso dele.
Já no duelo, a única forma de sair da luta, era vencer ou morrer.
E Kai não morria. O que significava que a cada duelo alfa após alfa morreria, e ainda assim estaria na merda daquele trono.
- Mas... – Rosalie começou, o fazendo perceber que na realidade, ele havia explicado as possibilidades pelo laço mental. – Essa lua de Sangue, é certo de ocorrer a transição dos que ainda não passaram por ela?
- Não. Alguns dizem que dá para perceber se um lobisomem esta prestes a passar pela transição, observando características como força e agilidade. – ele disse o que seu irmão uma vez explicara. – Comigo foi diferente. Demorei quatrocentos anos para passar pela transição, ainda que minha força e agilidade sempre fossem superiores à dos meus irmãos.
O comum era que a transição ocorre por volta dos 25 anos.
Mas com ele, nada acontecera como o esperado. O relógio do envelhecimento parara aos 26 anos. Mas a transição em lobisomem demorara centenas.
Ele fez uma pausa, se lembrando de como a paciência do pai se esvaia a cada lua de sangue que Kai não se transformava.
- Depois disso, somos guiados pela lua. A lua cheia nos transforma, e a lua negra mexe com nossas emoções mais primitivas.
- Não estamos na lua cheia, e você está transformado. – Rosalie constatou, os olhos brilhando em atenção.
- Sim. Os lobisomens que fazem a transição completa para lobo podem controlar. Mas a maioria de nós se transforma na lua cheia ou pela necessidade.
Rosalie colocou um das mexas atrás da orelha, murmurando enquanto balançava a cabeça:
- É tão...complexo.
Ele deu de ombros.
- Vocês também.
- Não, os vampiros são mais simples. – ela falava convicta. - Passam pela transição em qualquer estágio da vida, não podem andar no sol, ingerem sangue, e alguns derivados dos originais têm poderes... Só isso.
- Não quis dizer eles. Falei sobre você. – disse, e logo emendou: – Meios vampiros.
Ela piscou.
- Ah... Nossa reprodução é mais fácil, e vivemos com uma dieta mista de sangue e comida humana. – as mãos dela gesticulavam suavemente. Kai observou como vez ou outra uma das sobrancelhas dela se arqueavam, como se estivesse desafiando-o a acreditar no que dizia. - E... não somos tão fortes quanto os vampiros puros, é claro.
Rosalie pigarreou, as maças do rosto coradas. Foi então que Kai desviou o olhar, se dando conta que a olhara por tempo demais.
- Vamos abrir? – ela mudou de assunto, se referindo ao livro que tinha em mãos. Kai o encarou, e com um dar de ombros, disse:
- Pode abrir, se quiser. Mas não conseguirá ler nada, está no antigo idioma.
- É só me dizer o que está escrito, então. – ela o fitou através dos cílios espessos – Vocês não aprendem o antigo idioma da academia? Ou você também não estudou como eu?
Uma pontada atingiu o peito dele.
- Você não passou pela academia?
- Os estudos não são acessíveis aos meios vampiros. – Rosalie fez uma aspas no ar, mas o sorriso triste estava no rosto. – Ravi foi um ótimo professor, mas infelizmente não tínhamos muito tempo para ele me ensinar o velho idioma. Eu tinha que treinar e treinar... enfim. – ela gesticulou, como se não tivesse importância o fato de que sua prioridade era sobreviver, e não ser ensinada a encontrar um macho para procriar, como a maioria das fêmeas vampiras.
Aliás, a procriação era algo que os lobisomens se vangloriam. Suas fêmeas tinham cios a cada dois anos, com uma gestação de dez meses. A maioria dos bebes nasciam saudáveis e fortes.
Ao contrário do que soubera dos vampiros, que as fêmeas ficavam no cio a cada oito anos, ainda que tivessem gestação de sete meses. E o ato de parir é extremamente perigoso, uma vez que na maioria das vezes a fêmea e o bebê faleciam.
Kai suspirou, baixando as orelhas em respeito ao sofrimento inconsciente dela. E depois, respondeu:
- Eu sei o antigo idioma sim. Mas esse livro... – se lembrou como El conto de la Bestia estava sempre na mesa do escritório de seu pai. E Kai tentara não só uma, mas várias vezes lê-lo. – Não consigo.
Sabia identificar o antigo idioma, porém quando perpassava os olhos pelas páginas, simplesmente não assimilava uma só palavra.
Rosalie franziu o cenho, abrindo o livro com cuidado. As páginas eram amareladas e exibiam marcas de mofo nas bordas. As letras pareciam feitas por canetas-tinteiro.
Kai passou os olhos pelo título, observando-a virar a página. E quando a vampira o fez, ele se sobressaltou.
Um estalo de dedos pipocou na frente de seu fofinho.
- Kai?!
O lobo piscou.
- O que houve?!
- Rosalie.
- O quê?! – ela o encarou de volta, uma ruga de preocupação em torno das sobrancelhas.
- Consigo ler.
Os pontinhos verdes dos olhos de Rosalie se dilataram junto com a pupila. A excitação da meia vampira era tão grande que foi compartilhada pelo laço.
- O que está dizendo? – ela indagou, atenta.
Quando os portões se fecharem e o medo e saudade restarem
Guerras serão instauradas e a fé resgatada
Do caos a esperança ressurgirá
Mas somente o sangue dos escolhidos vos libertará
Kai apertou os olhos, tentando entender.
- É uma profecia.
Algumas rabiscos do pai com setas e perguntas como ''quem serão os escolhidos'' ou ''guerras vampíricas'' e ainda, o desenho torto de criaturas que ele não conseguiu identificar, espalhavam-se em volta da estrofe.
- Parecem...monstros. – Rosalie tirou as palavras de sua boca, e Kai observou quando um calafrio a sobressaltou sutilmente.
As batidas de seu coração ficaram aceleradas.
- Vire a página.
Rosalie engoliu em seco, virando-a.
A natureza há de se equilibrar
E para encontrá-los, basta esperar
A Besta e a...
Todo o resto - três frases ao total - estavam riscadas. Tão bem riscadas que ele não conseguia ver vestígio das palavras por baixo.
- Kai?! – ela o chamou, tendo sua atenção. A expressão da meia vampira estava alarmada – Tá sentindo?
Ele parou, olhando em volta. Tudo tão normal quanto antes.
- Nã... – um tremor leve formigou embaixo de suas patas. E quando foi concluir, um ruído atingiu sua audição como uma adaga. Logo após, uma lufada de ar forte os atingiu. Os cabelos de Rosalie se revoltaram feito fúria vermelha.
O lobo se pôs de pé num pulo.
- O que é...
- Rosalie, CORRA!
A meia vampira demorou um segundo para atendê-lo. Talvez os milésimos de segundos que eles precisariam para fugir com mais segurança.
Porque quando seus olhos se viraram pra esquerda, uma luz forte laranja e vermelha vinha rápido.
Fogo.
Rosalie abafou um grito. Eles correram, correram rápido, com o sobrenatural a favor. Mas não era o bastante. O fogo vinha mais rápido, e atrás deles, os túneis explodiam de dentro para fora. A terra rangia, desmoronando sob suas patas. O vento quente os seguia como uma víbora, prestes a atacar.
E não parava. Eram quilômetros com o fogo a espreita. Com a vida por um fio.
Ela gritou quando um buraco se abriu sob os pés. Kai pulou sobre o buraco, a afastando com seu corpanzil, e se não fosse as patas longas, o buraco o sugaria. Rosalie levou um segundo para se reequilibrar.
Mais a frente, o túnel se dividia em três.
Kai olhou de esguelha para ela, entendendo com apenas um acenar de cabeça, que a o túnel da ponta esquerda seria o destino.
Quando entraram no próximo túnel, destroços surgiram como obstáculos. Pareciam restos de ferramentas, e por um segundo, Kai pensou ter visto uma boneca de pano encardida. Atrás deles, a explosão passou pelo meio, numa rajada de fagulhas de fogo.
Kai parou, expirando fundo. Rosalie engoliu em seco, a respiração esbaforida. As mãos prontas para descansar sobre os joelhos, se não fosse... bom. Senão fosse o buraco gigante que se abriu embaixo deles.
- KAI!
Enquanto caia, ele procurou por Rosie, mas sua visão era bombardeada por terra e pedras, que colidiam contra seu corpo, enterrando-o.
E quando foi checar a conexão...tudo ficou escuro.
Oi oi genteee <3 O que vocês estão achando da história? Tem várias pistas ao longo dos capítulos, e a profecia vai fornecer ainda mais rs Vocês já tem teorias?
O próximo capitulo será narrado por um outro personagem que terá seu destino mudado drasticamente -palpites? - ... tá imperdível!
Não está revisado :(
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