Capítulo 19 | Parabéns, Dacian
Há alguns quilometro da praia da Guarita, RS. 21/03/2020, 19:36 - Corte Sul.
Dacian Ivanov
- Como assim perderam eles?! – sua voz saiu num fio áspero e cortante, e o gosto amargo do fracasso pela incompetência de seus guardas, se tornara um nó na garganta.
O comandante da guarda real, de quem não se recordava o nome, tentou se manter ereto. Mas Dacian viu quando o maxilar tremeu. Aquele era o quê? O Terceiro ou quarto comandante em um ano? Não fazia ideia.
Porém sua mente não aceitava que a Corte sul, que perpassara vitoriosa em tantas guerras, produzisse uma armada real tão incompetente.
Ele nem conseguia imaginar o que seu pai diria acerca do que estavam se tornando. Cada ano mais fracos, cada década mais decadentes. Tudo estava ruindo, e se não fosse os seus esforços de esconder as rachaduras de outras Cortes, com certeza já estariam arruinados.
No fim, tudo ficava em suas costas.
Prova de que Damien, responsável pela guarnição militar, estava cada vez mais ausente. É claro que ele tinha diferenças irreconciliáveis com o irmão. E eram tantas que nem poderia contar nos dedos.
Mas desde o assassinato de Mirian, era como se qualquer tipo de misericórdia, perdão ou consideração que pudesse ter, morresse para sempre assim que o caixão de sua amada fora enterrado sob o olhar orgulhoso de Damien e seus capangas, à quem ele apelidara como Corte de Hades.
Por Hellus! Ele se deteve em frente à grande mesa de mogno, fechando os punhos e os brandindo na madeira. Depois, respirou fundo e abotoou novamente o terno ônix que revestia seu corpo. Em seu peito, o brasão dos Ivanov parecia pesar uma tonelada para um simples broche.
- Majestade, nós... – o comandante tentou novamente, os dedos brancos de tanto apertar o punho da espada de prata embainhada na cintura.
Dacian revirou os olhos, ajeitando o topete que ameaçava se desfazer com a rudeza que balançava a cabeça, meneando-a.
– DESCULPAS?! Não há como justificar essa falha! Um alfa e uma meia vampira não somem sem deixar rastros! Ainda mais na Corte Sul! – ele ia de um lado para o outro.
Todos os guardas presentes estavam em absoluto silêncio. O cheiro de medo era tão pungente como uma entidade palpável rastejando pelo piso de pedra negro.
Sua cabeça era um redemoinho de caos. Tanta, mas tanta raiva que seria possível liberar todo seu poder para invadir a mente de cada um, e descobrir seus piores medos para fazê-los realidade.
- Não. – disse em voz alta, tentando conter os impulsos. E depois do que parecera um milênio, inspirou fundo, perguntando: - O que sabemos?
Hesitante, o comandante deu um passo a frente, e empertigou o ombro que carregava a faixa vermelha com o brasão e as insígnias da corte Sul. O traje de couro delineava precisamente o corpo musculoso e esguio. A pistola prateada brilhou na luz incandescente, e algumas outras armas poderiam ser deliciosamente encontradas naquele corpo, caso aquele comandante não fosse mais um desgosto para seu reino.
O vampiro o encarou, e ainda que o rosto estivesse impassível, os olhos castanhos não mentiam. Muito menos o vinco de preocupação formado entre as sobrancelhas.
- Encontramos uma caverna escondida atrás da cachoeira véu de noiva. Tanto a meia vampira quanto o alfa estiveram lá em pelo menos vinte e quatro horas. Depois, eles foram vistos no centro de Morretes. O alfa estava ferido, e a meia vampira o protegia e lutava contra lobisomens, além...
- O protegia e lutava contra?! – Dacian o cortou, franzindo o cenho.
- Majestade, temos fortes indícios de que a meia vampira é aliada do alfa.
Estava tão absorto e em choque por aquela informação, que o puxão mental que avisava sobre a chegada de Damien, ladeado por Lucy, foi um desagrado menos latente.
- Comandante Pakson, está me dizendo que Rosalie esta associada aos lobisomens?! – a pergunta de seu irmão sobrevoou o salão como um cobertor menos pesado à tensão anterior.
Pakson, o incompetente, meneou a cabeça, balançando os cachos negros.
- Não dos lobisomens. Somente do alfa.
Surpreendentemente, ele e seu gêmeo só conseguiram piscar atônitos. Mas as vibrações mentais exaladas por Damien eram tão fortes que estremeciam seu muro, e a ponte entre eles se balançou como plástico ao vento.
Dacian devolveu lufadas de ar, fortes e densas como um ciclone. Apenas um prévia para que seu irmão se lembrasse de quem tinha prevalência entre eles.
Damien lhe deu um olhar ferino, e o supercilio e a bochecha cortados por uma cicatriz – cortesia dele, antes que se transformassem por completo – se ergueram, em um sorriso de desafio.
Todos os presentes pareceram se retrair, sentindo o clima do salão adensar como creme. Espesso e grudento.
- Majestades. – a voz de Lucy saiu num silvo suave quando se pôs estre eles. – Sugiro que discutam suas diferenças em um local mais... particular.
Mais particular que o forte deles? Onde deveriam reinar juntos, como sangue e mentes?
Damien bufou de forma ruidosa, pouco se importando para a imagem que aquele gesto perpassaria aos seus militares.
Como se tudo protagonizado já não fora o suficiente.
Dacian passou a língua pelos lábios secos e a estalou alto. Lucy lhe mirou o olho escondido através do tapa olho, como se de alguma maneira, mesmo que neutralizado pela superfície do pano, o dom pudesse atravessá-lo a fim de que, com o olhar da verdade, ela pudesse estudar o laço mental, identificando se sua prevalência ainda era forte o bastante para segurar Damien.
Porque sabia que era exatamente isso que ela faria se pudesse mirá-lo com aquele dom asqueroso: procurar todas as falhas para fazer Damien mais forte e invisível à conexão.
Depois, ela desviou o olhar para os guardas, e perpassou a mão pela trança longa de fios negros, como a bela fêmea distraída que não era e nem nunca seria.
Ele suspirou e puxou a barra do terno, se realinhando. Depois, deu um sorriso comedido e virou-se ao comandante:
- E sobre a ''reunião'' interespécie? – disse com nojo exalando na voz.
Jamais imaginaria que em seus mais de quinhentos anos de vida, convocaria lobisomens e vampiros em um único lugar. E caçadores de ambas as espécies... um convite ocultado do irmão, lógico.
O comandante assentiu, mas somente pelo tremular da sobrancelha direita, Dacian previu mais um fracasso. Porém, deu a oportunidade do vampiro externar, para que Damien pudesse observar a falta que seu poder e força provia à eles:
- Uma... Carnificina. – o comandante não conseguiu evitar a hesitação e o peso que aquela palavra conferia ao resultado.
- Como?! - Damien arqueou uma das sobrancelhas.
- Nossos batedores disseram que na primeira meia hora tudo transcorria bem. Mas então, um assobio alto cortou a noite e iniciou um massacre. Havia alguns sobreviventes, porém quando o alfa apareceu...
- Makalai esteve lá?! – foi Dacian que perguntou, com entusiasmo.
No mínimo, saber que a solução dada por Damien para reaver Rosalie não dera certo, era... revigorante. E uma faísca de bom humor crepitou nele sob os olhos inquisidores do irmão.
Que a assassina meio sangue estivesse bem longe. E que, de quebra, sofresse bastante. Era seu pedido à Hellus, o Deus da Morte, Vingança e Boa passagem.
Era pedir demais?
Com certeza, seria um sofrimento pequeno ao qual ele perpassaria ao viver mais centenas de anos sem a sua Mirian, que Rosalie assassinara. E claro, seu irmão também não teria a sua prometida para se ver livre dele e reinar sozinho na corte Sul.
- Sim. – o comandante respondeu. – E matou todos os restantes.
A boca de Damien se tornou uma linha fina antes que assentisse a derrota, e proclamasse ao comandante e os outros guardas restantes:
- Dispensados.
Dacian esperou até que todos saíssem do salão de inverno, e só restasse ele, Lucy e Damien. E quando o olhar desse último pousou nele, murmurou ironicamente, apesar da decepção quanto sua armada real:
- Seu plano de reaver Rosalie está indo de vento em popa!
Damien sacudiu a cabeça, passando a mão calejada por cima do manto vermelho que levava no ombro com o broche, e disse:
- Está feliz, Dacian?
- Feliz...não. - A excitação brilhou no âmago dele. – Animado!
Damien caminhou para o meio do salão sob o olhar vigilante de Lucy, e o vislumbrou por cima do ombro:
- Algo me diz que esse sentimento não vai durar muito.
Em resposta, Dacian deu um sorriso torto.
Seu poder se remexia ruidoso, pensando sobre todas as possibilidades que a meia vampira poderia estar vivenciado. Ah... ele esperava que a vida provesse o pior.
Damien continuou de costas, e então se virou para ele. As vestes do irmão, eram uma nebulosa negra. E ele não sabia qual parte era o couro preto da armadura, e qual era sujeira.
Por que Damien só andava maltrapilho?
Sua cara de desgosto, evidente, tirou um meio sorriso do irmão. No entanto, os olhos dele logo tomaram um tom preocupante.
- Algo está acontecendo.
- Algo sempre está acontecendo, Damien. – Dacian salientou.
- Dessa vez é diferente. – o irmão agora vinha na direção dele, até que os punhos pousassem na mesa de mogno. – O alfa dos alfas deixa seu cargo e vem logo para o nosso território. Depois, você coloca Rosalie numa caçada impossível só para vê-la sofrendo. E agora, de alguma maneira, eles agem juntos com um objetivo até então desconhecido. Enquanto isso, os portos e aeroportos brasileiros chovem mais lobisomens a cada dia. E a Corte Norte continua em guerra e traição. As outras Cortes continuam neutras, porém agindo cada qual em seus próprios planos.
Com a escuta extremamente seletiva, Dacian pendeu a cabeça, e avaliou:
- Não parece tão ruim, se quer saber. Rosalie e Malakai juntos são uma afronta ao tratado interespécie. – se referiu a lei magna que geria as três raças na terra. – Será uma questão de tempo até pegá-los.
Se fossem pegos, não haveria julgamentos. Somente morte.
Malakai poderia não morrer – o que ele ainda se recusava a acreditar -, mas a meia vampira... Essa já ia tarde. E o planos do seu irmão para reaver sua prometida estariam para sempre fadados ao fracasso.
Dois coelhos numa cajadada só.
O olhar azul gélido do gêmeo o mirou, como duas adagas. Por dentro, Dacian riu.
- Esse é o seu plano?! Matá-los?
- Justiça. – retrucou - De acordo com o tratado interespécie.
E depois que essas duas ameaças fossem extintas, ele poderia voltar a caçada primordial, um objetivo que sempre passara despercebido pelo gêmeo.
- Por isso convidou caçadores para a reunião que pedi para você convocar?
Pego de surpresa, Dacian não respondeu. Só arqueou uma sobrancelha. Damien...riu. A gargalhada preencheu o ar do pequeno salão, ladeado por estatuetas de Hellus e flores invernais, que brotavam de vasos e pediam do teto.
- Não me surpreende que tenha sido um fracasso. - Damien disse.
- Você diz como se a convocação de Raviel também não fosse um. - O maxilar de Dacian endureceu quando soube que pegaria pesado: - Ou que, a sua caçada por Outroso não fosse um desserviço à nossa corte.
Todo o divertimento se exauriu de Damien.
- Desserviço?! - Os olhos do irmão estavam incrédulos. - Encontrar nosso lar e nossos pais é um desserviço para você?!
- Veja onde estamos, Damien! - Dacian abriu os braços. – Não se esqueça que foram os nossos pais que encabeçaram o motim para abrir as portas desta dimensão!
- Isso foi antes deles ficarem presos em Outroso e as chaves dos portões não terem sido encontradas!
Dacian sacudiu a cabeça.
- Temos ciência do que disse Hellus! – se referiu ao Deus que serviam, um dos símbolos mais importantes da Corte Sul, junto do Brasão.
Hellus era propagado como um vampiro esguio e musculoso, trajado em armadura de couro, carregando uma lança com ponta de obsidiana. Os cabelos eram tão negros quanto as grandes asas que lhe surgiam das costas, o revestindo como um véu.
Era aquele Deus que os deram mais força para prosseguir o legado de seus pais. Era aquele Deus que os guiavam em momentos como aquele, que os sustentavam, que o povo vampiro da Corte Sul cultuava. E era o mesmo Deus que dissera, para que enfim eles traçassem o próprio caminho independente da ancestralidade:
– Esse foi o preço pago pela ambição de nossos pais e daqueles que o seguiram.
- Foda-se Hellus! – brandiu Damien, deixando-o boquiaberto. – Você sabe que podemos consertar as coisas, Dacian! Essa sempre foi uma possibilidade para nós e todas as Cortes.
Dacian fechou os olhos por um segundo, pedindo clemência a Hellus. Então situou o irmão:
- Sabe por que as outras Cortes não o fazem?! Porque a profecia é uma poesia inútil que em milênios ninguém nunca conseguiu decifrar uma palavra! - mais uma vez socou a mesa de mogno com os punhos. – Meu Deus, Damien! Olhe para você: pregando contra o nosso Deus, enfraquecendo nossa Corte. E pior, rejeitando o mundo onde estamos, que nos dá paz e muito mais possibilidades do que as que tínhamos em Outroso.
- Não é verdade, Dacian. – Com um sorriso triste, seu irmão meneou a cabeça. – Este lugar mingua a nossa raça a cada década que passa: os raros nascidos não tem poderes e são fracos, e aqueles que ainda o possuem, como nós, estão ficando velhos... É uma questão de tempo para que somente os lobisomens e os humanos coexistam nesse mundo.
- E é exatamente por isso que os deveres de nossa Corte são mais importantes! Precisamos nos fortificar, continuar a colonizar e pesquisar para que tenhamos mais perspectiva de vida, e mais filhos puros. – argumentou, olhando através dos olhos do irmão. Tentando se conectar com qualquer fio de bom senso que restasse. – Sem você aqui comigo, nossa armada militar é um...enfim. – fechou os olhos por um momento, fazendo uma anotação mental para encontrar Pakson e demiti-lo. - Eles precisam do seu poder para sermos a Corte mais forte de toda a terra. Como antigamente.
- Isso não vai acontecer, Dacian. – a voz de Damien foi firme. – A maioria dos vampiros puros desejam voltar a Outroso, e as outras Cortes também estão nessa caçada. – o irmão parou por um segundo, observando o mapa do Brasil estampado na grande mesa de mogno. Um desenho grande, detalhado e em auto relevo. Território deles. Entretanto, Damien levantou os olhos, dizendo convicto – Porque sabem que este mundo jamais será o nosso lar, e que separados de nossa raça, jamais seremos tão fortes.
- Damien... – suspirou. – Eu realmente não sei como a busca por Outroso pode urgir mais que as necessidades atuais do nosso reino.
- Não urgem. E é por isso que estou aqui para recuperar Rosalie e reverter esse teatro que você arquitetou. – o gêmeo apontou para o seu peito.
- Não há como consertar, Damien! - Ele devolveu. Ocultando o fato de que também não queria. - Eu fiz uma promessa de Sangue, mas foi Rosalie quem assinou a própria sentença de morte ao se aliar com o alfa. E...
Um bipe cortou o ambiente, o interrompendo. Lucy tirou um smartphone da calça de couro que usava, e aceitou a ligação. Um segundo depois, a voz de alguém ecoou no viva voz, avisando:
- Os lobisomens declararam guerra à Corte Sul.
O olhos de Dacian se arregalaram brevemente, ato que não passou despercebido de Damien, que agora batia palmas com uma expressão acusatória no rosto:
- Parabéns, Dacian.
Mais um capítulo, gente! <3 Grande né? Estou tentando diminui-los.
Aqui temos mais informações sobre os irmãos, e outra surpreendente: uma guerra está prestes a eclodir.
Enquanto isso, nossa dupla está no submundo, à caça de alguém para ajudá-los a entender a conexão que vivem.
O próximo capitulo vem com ação, mais divertimento e descobertas, e claro, nosso casal se aproximando ainda mais.
Não está revisado. :(
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