Capítulo 1 | Coração de Sangue

Virginia, USA - Acampamento militar da Horda Infernal  - 23/12/2019 - Corte Norte

Rosalie Armstrong

- O quê?! – Raviel perguntou, as sobrancelhas arqueadas. O amigo não parecia acreditar no que ela dissera. – Vai embora?

- Sim. Como Julian morreu, estou livre.

- E o que vai fazer, sair por aí com a cabeça a prêmio? – O vampiro riu, voltando a atenção para a faca que amolava. – Rosie, acho que nunca ouvi decisão mais absurda.

Ela virou de costas, escondendo o sorriso que tinha nos lábios. O barulho da prata sendo amolada era a única coisa que rompia da cabana deles. Lá fora, murmúrios e tilintar de espadas em treinamento eclodiam alto. Mas Rosie sabia que, por mais que Raviel não falasse nada, a cabeça dele borbulhava.

- Diga o que tem para dizer, Ravi. – Ela deu o ultimato, escolhendo uma pistola acobreada do pequeno arsenal deles, dentro de um baú.

- Você não me engana, Rosie. – Ele parou o trabalho, e apontou o indicador pra ela, balançando-o. – Sei que há segredos por trás da sua decisão. Não precisa me contar, mas quero te lembrar que meios vampiros não são livres, e sim repudiados...Sem um rei, você é uma presa fácil.

E contando os crimes que cometera a mando de Julian, não demoraria muito tempo para que viessem atrás de vingança. Quer dizer...novamente. Já que a Corte dos pesadelos já tinha a pego com antecedência. 

Rosie podia evitar ser caçada, bastava que se submetesse a outro rei através de uma promessa de sangue, ou se vinculasse a um macho (humanos, porque vampiros jamais iriam a querer). E não, obrigada.

 Uma promessa de sangue para proteção não estava nos planos. Estava fora de questão voltar a ser uma capanga. E se vincular à uma macho humano para viver uma vida mundana... Argh.

Mas tudo bem, a promessa de sangue feita a Dacian lhe dava imunidade parcial, pelo menos para viver na Corte Sul por seis meses atrás do lobo. E qualquer pessoa que sentisse a promessa real no sangue dela a deixaria em paz....por hora.

É claro que ela não contaria para Raviel que Dacian Ivanov a tinha sequestrado para propor-lhe uma promessa de sangue. O amigo era um boca aberta, e se o ato daquele gêmeo do mal chegasse até Aidan, novo Rei do Norte, não seria nada bom.

Não que o novo rei fosse se importar tanto com ela. Aidan era tradicional demais para renovar a promessa de Sangue que Julian tinha feito com uma meia vampira.

O problema era que Aidan era mais territorialista que Julian, o que significava que um sequestro de um residente de sua corte a mando de outro rei poderia desencadear uma guerra.

- Eu sei. – Rosie respondeu, carregando a pistola com balas de pratas, e a escondendo sobre a barra da calça de couro.

- Sabe mesmo? – ele perguntou, olhando-a  de esguelha. – Só espero que esta não tenha sido uma última visita sua...

- Na verdade, é sim. – comentou com um sorriso largo no rosto.

 Ravi parou tudo o que fazia  para encará-la.

- Que tipo de criatura fala da sua própria morte com tamanha alegria?

- O tipo que esta arquitetando uma... – colocou a mão ao redor dos lábios, como quem conta um segredo. – morte fictícia.

- Sério, Rosie? Isso me parece mais uma péssima ideia. – ele ralhou, massageando as têmporas. – Você está sempre procurando os piores modos de morrer...

- Eu já estou morta, Ravi... meio morta, né. – riu. Raviel revirou os olhos. – Mas não se preocupe, você vai me ajudar a colocar essa ideia em prática.

E por falar em ideia...os olhos dela brilharam com a lembrança repentina. Raviel já matara um lobisomem uma vez quando trabalhava na corte europeia. O amigo fez uma careta, prevendo o desastre.

- O que é? Outra ideia absurda acabou de nascer? 

Rosie soltou uma risadinha.

- Mais ou menos... Na verdade, uma lembrança sem conexão com o assunto acabou de vir na minha mente. – Ela soltou um estalo com a língua, ganhando tempo para formular a pergunta. – Como conseguiu matar um lobisomem enquanto trabalhava pra Katiusca¹?

Raviel colocou a faca amolada de lado, e entrelaçou os dedos, encarando Rosie com uma expressão feroz.

- Que merda você tem na cabeça, Rosie?! Isso com certeza tem algo a ver com seu sumiço... – ele se levantou, consternado, indo até a pia improvisada e abrindo-a, para que a água caísse e escondesse a conversa de enxeridos. – Caralho! Tem ideia de como é difícil?! Eles são mais fortes que nós!

Ela tinha algumas... Porém, infelizmente estava muito inserida no mundo vampirico para saber sobre lobisomens. Mas como dizem, a ignorância as vezes é uma dádiva. Se ela soubesse a raiz das pretensões de Dacian, talvez nem tivesse aceito a Promessa de Sangue.

De qualquer maneira, não importava agora. Rosie tinha uma promessa a cumprir e sua liberdade dependia disso. Ela não ia virar uma meretriz meio sangue para os gostos exóticos dos gêmeos do mal. Não importava qual obsessão Damien Ivanov pudesse ter por ela ou que raiva o sádico do Dacian pudesse nutrir. Se tinha uma mísera chance de ser livre, lutaria até os confins do inferno.

Raviel passou duas vezes por ela, perambulando sem rumo dentro da cabana. Rosie observava o espanto no rosto aquilino dele.

- Mais um pouco e você vai fazer um buraco no chão. 

Ele parou e abriu os braços.

- Quem você precisa matar?! - Perguntou, exigindo a franqueza dela através dos olhos negros. - Sei que não quer me contar por inúmeras razões... 

- Você é um joão fifi -  o cortou, cantarolando o apelido que criara para o amigo fofoqueiro. Raviel revirou os olhos, e continuou:

 - Eu posso ajudar. 

- Não precisa...

- Rosalie!

- Não acho que... - perdeu a voz, tentando ganhar tempo. 

- Não.minta.para.mim

Ela arquejou. Era uma péssima mentirosa quando se tratava de mentir para Ravi.

- Malakai... Malakai Arsov.

Rosie imaginou que Raviel fosse se descabelar ou a chacoalhar pelos ombros. Mas não, ele...riu. E uma gargalhada melodiosa preencheu a cabana.

- Qual é a graça? – perguntou, os braços cruzados na frente do corpo. Raviel não parava de rir, quando disse:

- Você não pode matá-lo, Rosie. 

- Por quê?

- Malakai Arsov não é um lobisomem qualquer, é um alfa. 

Rosie deu de ombros. Já escutara algumas histórias de alfas assassinados. Nada disso era novo, ela poderia fazer. Perplexo com a indiferença dela, Raviel completou, a segurando pelos ombros:

– Rosie, ele é o alfa dos alfas.

Ela piscou algumas vezes, não acreditando na informação. É óbvio que não sabia muito, mas todo vampiro tinha um ligeiro conhecimento de que a organização dos lobisomens era diferente.

Enquanto o mundo vampírico era controlado por oligarquias familiares de seis cortes (Europa, Ásia, Austrália, África, América do Sul e Norte), os lobisomens separavam-se em alcateias lideradas por alfas, instaladas nas mais diversas áreas do globo terrestre.

Porém só tomavam decisões aprovadas pelo grande alfa, e sua própria alcateia de alfas. Como um tipo de federação e união que passava longe de qualquer senso individualista vampírico, com seus próprios reis e reinados, guiados pela soberba e poder.

- Coloca juízo nessa sua cabecinha. – Raviel apontou para a cabeleira avermelhada dela. – Além do mais, é uma missão suicida. Vampiros não podem entrar no território dos lobisomens, e Malakai vive na Bulgária.

- Mas ele não está lá. – soltou, mordendo os lábios logo em seguida. Raviel fez uma careta de deboche.

- É claro que está.  

Rosie o encarou, obstinada.

- Então por que eu soube que Malakai está aqui? – a perguntou dela sobrevoou agudamente a cabana. Raviel levou o indicador aos lábios e depois ao ouvido, chegando mais perto dela.

- Malakai está aqui?! – ele perguntou num sussurro, apontando para o solo da Corte Norte onde estavam pisando.

- Corte Sul. – devolveu a resposta, assustando o vampiro. Raviel meneou a cabeça repetidas vezes, como se finalmente estivesse entendendo tudo sobre o paradeiro de Rosie.

- Foi por isso que você sumiu durante uma semana, não foi? 

 Rosie balançou a cabeça, indicando um "mais ou menos". Raviel pousou uma mão sobre o ombro dela, o olhar em tom de súplica.

– Esquece isso, Rosie. Se Malakai esta aqui é porque algo muito errado deve ter acontecido entre os lobisomens. Você não entende?! Não podemos nos meter! Já temos muitos problemas aqui... A suspeita de que Aidan assassinou Julian está nos deixando a beira de uma guerra com o novo rei, que pode ser um Regicida, se condenado. E já estamos em Guerra com a Corte Sul por causa dos territórios latinos. 

O amigo parou, encarando-a firme:

- Sei que não tem mais um trabalho agora que Julian morreu, mas se precisar, sempre terá lugar aqui na horda infernal.

Ela sabia que sempre teria um lugar na ala de infantaria do exército real. Mas não seria um boa opção. Provavelmente enfrentaria tanto preconceito que desencadearia uma guerra contra si.

Rosie suspirou e colocou a palma da mão na face dele, tentando fazer uma sorriso tomar forma no rosto. 

- Não posso, Ravi. –  declarou, permitindo que o amigo sentisse o odor fétido de seu medo. No mesmo instante, a expressão de Raviel se fechou. A entonação do medo dela era tamanha, que poderia alarmar um acampamento de dezenas de vampiros.

Só se sente tanto medo assim quando a própria vida está em jogo. Uma sombra que só poderia ser causada por uma Promessa de Sangue. Raviel murmurou um xingamento e a puxou para os braços, num abraço de desespero.

- Por que fez isso, Rosie?

O abraço do amigo era tão sincero que Rosie sentiu vontade de chorar. Só com ele se sentia à vontade para externar quem era a verdadeira Rosalie Armstrong, ou Rosie, como era conhecida.

- Era isso ou se entregar à Corte dos Pesadelos. – ela brincou com o apelido, mas sua voz saiu extremamente triste. – Talvez tentar matar Malakai me dê uma morte de presente...um alívio que espero ser rápido.

- Não, não. – Raviel a soltou e a segurou pelos ombros. – Não podemos desistir ainda.

- Mas foi você quem disse que era suicídio, Ravi!

- Foi antes de saber que você não tinha escolha. Droga...Me conte tudo! – Raviel ordenou. – Tenho que tentar te ajudar.

- Não, Ravi. – ela já tinha revelado muito.

- Se não me contar vou até o general e conto o que sei. – Ele murmurou rápido demais. 

Rosie o olhou de esguelha, avaliando se era verdade ou não. A maneira como ele sustentou seu olhar falou por si. Tentou argumentar:

- Se fizer isso serei presa, e depois que meu prazo terminar estarei morta!

- Vai ser morta de qualquer jeito se não pedir ajuda a ninguém. Somos amigos, e eu quero que me conte.

Rosie se xingou mentalmente.

- Tudo bem... 

A meia vampira contou tudo: o sequestro da Corte Sul, a Promessa de Sangue feita com Dacian e por fim, o quase nada que sabia sobre Malakai Arzov. No fim, Raviel parecia mais consternado e perdido que antes, mas ainda assim, esperançoso.

- Faz sentido a Promessa de Sangue... – Raviel balbuciou em voz alta o que parecera ser um pensamento, e se virou para ela. – Sim, faz sentido! Os gêmeos não podem matar Malakai porque assim desencadeariam uma guerra entre raças, mas você... Agora que Julian morreu levando junto a promessa que tinham, você é como uma apátrida. Se conseguisse matá-lo, os lobisomens só poderiam declarar guerra contra você, não contra os vampiros.

- Se eu conseguisse... 

O "se" era uma probabilidade muito remota, se tratando de quem era o alvo. Afinal, nem uma vampira pura era. Mas sim uma meio sangue, que diferente dos vampiros tinha 50% de sangue humano sob as veias. E se para os puros-sangue já era difícil matar lobisomens.... 

– Como uma meia vampira poderia conseguir?

Se deu conta de que havia pensado alto. Ravi se sobressaltou ao olhar para Rosie, como se estivesse vendo-a pela primeira vez.

- Só precisa ser você mesma.

- Muito engraçado, Ravi... – Rosie prendeu os lábios, segurando um riso. Era a coisa mais ridícula que havia ouvido.

- Sério, Rosie! Um vampiro jamais conseguiria chegar tão perto de um lobisomem sem que ele percebesse, mas você... – ele apontou para ela. Rosie franziu o cenho, sem saber onde Raviel tanto queria chegar.

- Eu...?

- Rosie! – ele pegou a mão dela e guiou para o lado esquerdo do peitoral, sob a armadura, onde deveria bater o coração. – Sente?

- Isso é alguma brincadeira, Raviel?!

É claro que ela não sentia. Os vampiros puros nasciam como humanos normais até que em determinada idade adulta (diferente para cada um) o relógio biológico paralisava. Se tornavam mortos vivos, e no peito, o coração que antes batia se tornava um órgão sem função.

Raviel tirou a mão dela do peitoral, e levou ao ponto onde seu coração humano batia, bombeando sangue para todo o corpo. Rosie finalmente entendeu:

- Meu coração.


Katiusca¹: Rainha da corte europeia. 

Olá minha gente!

Esse capitulo apresentou Rosie e o universo vampiro em que ela vive, mostrando a realidade difícil para um meio sangue. Mas, como podem ver, a nossa mocinha é dura na queda, e não está disposta a perder a vida sem lutar. 

 Então, o que me dizem desse primeiro capítulo? O próximo será narrado por Malakai, e se passará aqui no Brasil (assim como grande parte da história), prometendo muitas surpresas!! 

Conto com vocês!! E não se esqueçam da estrelinha e dos comentáriosss <3 



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