Fase 3: Conto Relâmpago II

        Eduardo Silva perfilava-se na janela do seu gabinete no jornal a "Batalha", um edifício ainda com cheiro a novo, e observa uma jovem que saia a correr de um carro em direção ao rio Tejo.

        Ele olhou novamente para o bilhete que tinha na mão, entregue minutos antes por um estafeta. E franziu o sobrolho. 

               "Menino Eduardo a menina Lília, regressou a Lisboa. Ela vai ter consigo ao jornal. Não me atrevo a dizer à sua mãezinha, que a menina está em casa."

       Voltou a olhar para a jovem e resolveu ir ao seu encontro.

       Ela parecia exausta, debruçada sobre o rio, com o seu longo pescoço pálido iluminado pelo pôr do sol. O seu peito subia e descia enquanto descansava a mão sobre a pele por cima do vestido amarrotado, como se pudesse acalmar a respiração entrecortada.

        Quando Eduardo chegou perto dela, já parecia mais calma.

        Ela suspirou e os seus ombros ficaram descontraídos.

        — Não está a pensar atirar-se ao rio, pois não?

        Ela pareceu chocada pela pergunta repentina, claro que não estava, mas pareceu-lhe a melhor forma de meter conversa. Afinal no jornal, onde trabalhava não faltavam artigos de jovens que tinham tentado por termo à própria vida.

       Ele notou um ligeiro sotaque na sua voz, quando ela falou, como se tivesse estado um longo período fora de Portugal.

        Ele sorriu. Eduardo teve a certeza que só podia ser ela...

        Algo desagradável o percorreu ao pensar que ela fugira anos antes, mesmo debaixo do seu olhar, tudo por causa da sua mãe que metera o nariz nas coisas dele. Tinha inventado algo ridículo, para afasta-la de forma cruel. E o homem com quem casara, preferia acreditar na nova mulher do que na própria filha. Lamentável. Eduardo endireitou-se, com os músculos dos ombros tensos.

        Tentou desviar os pensamentos e perguntou-lhe porquê ela estava ali.

           — Venho ver um ogre! — Disse ela com um olhar divertido.

        Eduardo ficou surpreendido com a sua resposta, e deu por si a prolongar aquele jogo, queria que ela confessa-se que era a filha retornada. Então convidou-a para tomar chá. Ele percebeu que ela ficou admirada, e sem saber se deveria aceitar um convite de um estranho.     


***


        Lília olhava para o gabinete de Eduardo à procura de alguma evidencia, que ele era o filho da madrasta. Mas para sua surpresa, a sala não tinha nenhuma fotografia de família ou objetos pessoais. Apenas uma secretaria com artigos de jornal e maquinas de escrita. 

        — Não tem fotografias de família?

        — Ainda não tive tempo, menina. O meu tempo é absorvido pelo trabalho.

        Ela assentiu.

       — A sua mãe deve estar muito orgulhosa.

       Ela pareceu-lhe ter visto um vislumbre de um sorriso, mas rapidamente desapareceu.

       — Acho que sim. A minha mãe não é muito apegada.

       Lili pensou no significado daquelas palavras, talvez ele e a mãe não fossem muito chegados, por isso D. Ana tinha-lhe dito que ele iria ajuda-la. Ela lembrou-se que apenas tinha visto o filho da madrasta uma vez, durante um almoço de família. Pois o rapaz estava a ser educado pelo tio paterno.

        Ele serviu-lhe um xícara de chá e perguntou-lhe.

        — Então quem é esse ogre, que veio ver?

       Ela sentiu-se a ficar vermelha e respondeu.

       — Acho que é o Senhor. — Disse com um sorriso nervoso.

       Ele olhou-a perplexo. Já era a segunda vez daquele dia, que ela o conseguia surpreender com as suas respostas.

       —  Desculpe?

        Ela deixou-se cair na poltrona de veludo vermelho, perto da secretária dele.

       — Se lhe disser que venho encontrar com alguém chamado Eduardo, filho de Amélia Alenquer, diz-lhe alguma coisa?

        Ele fez um gesto de concordância. — A menina é a Lília, filha do falecido Artur Alenquer?

        — Sim sou eu.

        Ele sorriu satisfeito.

        — O seu pai antes de morrer, fez-me prometer que lhe trazia de volta. Ele procurou por perdão... no fim...

        Ela sentiu lagrimas a queimarem os olhos, mas fez força para não chorar novamente. 

        — Não sei se sabe, mas a sua mãe foi a causa de ter fugido de casa. Agora quero a minha casa de volta.  — Disse Lili, num tom firme.

        — Não sei da historia toda, mas sei que a minha mãe consegue ser bastante cruel.  — Ele fez um pausa, como se procura-se as palavras certas.  — Temos que conversar com calma. Agora vamos voltar para casa. Peço só que me dê algum tempo, em relação à minha mãe, sei que não merece, mas está muito doente... assim que puder vou leva-la para outro lugar. 

        Ela ia dar-lhe um gesto de bondade.  — Vou esperar, como pede.


***


        A viagem de regresso tinha sido um pouco desconfortável, mas Eduardo mostrava ser uma pessoa afável, talvez por ter sido criado pelo tio. D. Ana tinha razão quando disse que ele não era nada parecido com a mãe.

        Quando eles chegaram a casa D. Ana esperava-os com um sorriso doce e uma refeição quente.

        Lili não viu mais Eduardo naquela noite, esteve o tempo todo no quarto com a mãe. Ocasionalmente, Lili conseguia ouvir vozes a discutir. Felizmente o seu quarto ficava na ponta oposta ao da madrasta.

        Ela acabou por adormecer, vencida pelo cansaço.

        A chuva batia contra a janela do quarto de Lili, despertando-a do sono inquieto.

        Um trovão ruidoso assustou-a. Lili deu um pequeno grito abafado ao mesmo tempo que jogou as mãos à boca, nesse instante viu uma silhueta junto à porta que não conseguia distinguir, devido à pouco luz que entrava no quarto.

        Uma voz débil e arrastada fez-se ouvir. — Tola, não devias ter regressado. Ele agora vai atrás de ti.

        Lili deu um grito, assustada.  — Quem está ai?  — Tentou acender a luz do candeeiro que estava na cabeceira da cama, as suas mãos tremiam, quando finalmente conseguiu aceder a luz, não viu ninguém no quarto, a porta continuava trancada como ela tinha deixado.












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