The one that got away

Gymnasium Waterman, Ann Arbor, Michigan — Antes
Ivy

O ginásio é grande demais para o número de pessoas que estão aqui agora. O cheiro de madeira polida e suor parecem ter impregnado no ar, como se toda a energia das educações física estivessem grudada nas paredes. Os bancos nas laterais estão quase cheios, mas não lotados. A apresentação de boas-vindas nunca foi um evento que chamasse muita atenção.

Minhas mãos repousam no colo, os dedos distraídos brincando com a minha pulseira. Sim, aquela pulseira. Nunca tive coragem de tirá-la. Só a removo em algumas apresentações, mas, sempre que posso, faço questão de usá-las nas competições. É um gesto automático, quase reconfortante, mas hoje só serve para lembrar do peso que eu carrego.

— Dá para parar de enrolar essa pulseira? — Claire sussurra ao meu lado. Ela está sentada com as pernas cruzadas, o olhar inquieto passeando pelo ginásio. — Tá me deixando nervosa.

Solto um suspiro e largo a pulseira, largando as mãos nos joelhos.

— Desculpa.

Ela me olha de canto, como se quisesse me perguntar alguma coisa, mas desiste.

— Bom, de qualquer forma, tenta se animar. Depois daqui, a noite vai ser incrível.

— Noite? — pergunto, embora tenha uma vaga ideia do que ela está falando.

— A festa. — Ela revira os olhos, como se eu fosse a única pessoa no planeta que não sabe dos planos dela. — Dylan vai estar lá, e eu finalmente vou... dar o próximo passo. — Um sorriso malicioso surge em seus lábios.

— Boa sorte com isso. — minha voz sai mais seca do que eu pretendia, mas Claire está tão distraída que nem percebe.

— E você vai ser minha convidada especial, claro. — ela continua como se fosse óbvio.

— Claire... — começo, mas ela levanta uma mão para me silenciar.

— Sem desculpas. Você precisa sair um pouco, Ivy. Deixar o gelo de lado por algumas horas.

Meu estômago se revira. Ela não faz ideia do quanto aquele lugar significa pra mim, do quanto ele é a única coisa que me mantém estável quando tudo parece prestes a desmoronar.

— Além disso, a festa vai estar cheia de garotos do time de futebol americano... — Ela morde o lábio inferior. — Quem sabe você não conhece alguém?

— Acho difícil.

— Ah, para com isso. Você é uma gostosa, as pessoas te notam.

Desvio o olhar para o centro do ginásio, onde encontro um grupo de calouros está se apresentando ao time de basquete. O som abafada bola quicando pelo chão ecoa pelo espaço, um ruído que sempre me lembra das aulas de educação física no colégio, quando eu só pensava no momento em que poderia ir para o rinque.

Penso em recusar a festa, inventar uma desculpa qualquer e me trancar no quarto com um livro de romance e uma xícara de chocolate quente. Mas Claire me conhece bem o suficiente para não aceitar um "não" como resposta.

— Só promete que não vai me deixar sozinha. — murmuro, mas para mim do que para ela.

— Prometo. — ela diz, com um sorriso de quem sabe que já ganhou.

Eu olho para o relógio na parede do ginásio, contando os minutos para isso acabar. Talvez Claire esteja certa. Talvez eu precise de uma pausa.

Mas, ao mesmo tempo, uma parte de mim sabe que essa noite tem tudo para ser um erro.

O tempo parece se arrastar enquanto as apresentações de boas-vindas continua, mas eu mal presto atenção no que está acontecendo. Meu olhar vaga pelo ginásio, focando em nada em particular, até que um movimento perto da entrada me chama atenção.

Um grupo de rapazes entra, todos usando jaquetas com o logo da universidade estampado nas costas.
O time de futebol americano. Eles caminham com aquele ar despreocupado de quem sabe que tem o mundo em seus pés, rindo e conversando alto.

Avisto Carter, o cara o qual a Claire está ficando, ele está conversando com um garoto do time.
Eu tento desviar o olhar, mas algo — ou melhor, alguém — me faz congelar no lugar. O garoto que caminha ao lado de Carter é impossível de ignorar. Ele tem a postura relaxada de quem não se importa de chamar atenção, como se isso fosse algo natural para ele. O cabelo escuro está ligeiramente bagunçado, e o sorriso despreocupado nos lábios contrasta com os olhos intensos que parecem captar ao seu redor.

É Jace.

A porra do Jace Barrett.

Não, não, não, não...

Meu coração dispara como se quisesse me punir por reconhecê-lo tão rápido. O tempo parece desacelerar, e eu me vejo presa naquela fração de segundo em que tudo à minha vida se apaga.

Eu deveria desviar o olhar. Fingir que ele é só mais um desconhecido no meio dessa multidão. Mas é impossível.

Meu corpo congela, minha mente mergulha em um turbilhão de emoções, sinto ficar fraca por um momento. me forço a desviar o olhar para o chão, tentando me forçar a pensar que isso me acalmaria. Mas não acalmou. Todas essas emoções me atingindo em cheio, aquelas que eu pensava que tinha abandonado. Raiva, saudade, medo. Tudo de uma vez, me atingindo como uma tempestade.

Claire continua falando ao meu lado, rindo de algo que ela mesma disse, mas eu não escuto mais nada. A única coisa que existe agora é ele. O garoto que eu tentei esquecer. O garoto que eu deixei para trás.

Então, como se sentisse meu olhar queimando em sua direção, ele para de andar. Carter diz alguma coisa, mas Jace não responde. Em vez disso, seus olhos se levantam, atravessam toda a distância entre nós e me encontram.

Droga.

Desvio o olhar no mesmo momento em que ele se vira em minha direção e me viro totalmente de costas, agora de frente para minha melhor amiga. Eu me recuso a encarar ele. Qual seria a reação dele ao me ver? Ele me reconheceu ou deve ter achado que era só mais uma garota qualquer? Eu quero tanto olhar de novo para aquele rosto...

Meus dedos voltam a mexer na pulseira no meu colo, como se fosse a única coisa que pudesse me manter ancorada no presente.

— Vy, tá tudo bem? — Claire pergunta, finalmente notando minha expressão.

— Tá... tá tudo bem. — minha voz sai mais aguda do que deveria, e isso faz Claire arquear uma sobrancelha desconfiada.

— Você tá pálida. O que... — Seu olhar fica atrás de mim e sua expressão se ilumina. — Ei, é o Dylan! Vem, vamos até lá.

Antes que eu consiga impedir, ela se levanta e me puxa pelo braço.

— Claire, espera! — Tento resistir, mas é inútil.

Meus pés parecem pesar uma tonelada, mas ela me arrasta para o grupo como se fosse a coisa mais natural do mundo.

Carter nos vê primeiro e abre um sorriso largo.

Procuro por Jace ao seu lado, mas ele está de costas para Dylan conversando com um outro cara do time.
Graças a Deus.

— Ei, loirinha. — Ele se inclina para depositar um beijo em seu rosto, mas sua atenção logo se volta para mim. — E essa é...?

— Ah, é a... — Antes que ela consiga falar meu nome, dou uma leve cotovelada em seu braço o que faz ela resmungar. — Ai! Porque isso?!

Ela logo se cala quando eu afio meu olhar em sua direção.

— Ivy. — Digo mais baixo do que o normal, pensando se seu colega escutou. — Ou me chama de Vy, como quiser.

— Ivy... — Carter sorri, mas sua expressão parece pensativa, como se estivesse tentando decifrar algo. Ele percebe que ficou uns segundos calados e logo se recompõe. — Desculpe, mas é que... seu nome não me é estranho.

Ai, merda.

Não faço ideia se Jace comentou algo sobre mim ou nosso passado, e, sinceramente, isso não é da minha conta. Mas, considerando o jeito que ele falou, não parece coincidência que meu nome soe "estranho" para ele. Afinal, não existem outras Ivys na faculdade, a não ser eu.

— Ah... eu...

Antes que eu pudesse bolar uma resposta Claire se apressa notando minha expressão. Agradeço mentalmente por isso.

— Ah! Deve ser por conta da patinação. Ela compete às regionais e participou da nacional faz um tempinho. — Claire diz, segurando minha mão e apertando de leve. Se algum dia eu critiquei Claire Turner, retiro tudo agora mesmo.

Carter diz, interessado, como se estivesse encaixando as peças do quebra cabeça.

— Ah, entendi. Eu sabia que o nome não me era estranho. Você é a "garota do gelo", né?

Minhas bochechas esquentam. A garota do gelo. Adoro quando me chama assim — só que não.

— Algo assim. — murmuro, sentindo minha voz falhar no final.

Olho para atrás de Dylan e vejo Jace se despedindo do garoto do time.

Minha mente entra em pânico, começo a falar apressadamente para Carter:

— Olha, foi um prazer conhecer você, mas a gente precisa ir. — Olho para trás para dar uma conferida em Jace. — Agora.

Seguro a mão de Claire e a puxo para a saída do ginásio.

— Ah... te vejo mais tarde! — Claire grita para Dylan no exato momento em que Jace se vira para ele.

Continuo segurando seu braço a guiando para fora do ginásio. Sinto meu coração mais rápido enquanto tentamos nos afastar da cena. Meus passos são apressados, quase descoordenados, e Claire logo me puxa pelo braço fazendo-me parar.

— Ivy, calma! O que está acontecendo? — Ela pergunta, com sua voz transbordando preocupação.

Olho para o chão, tentando organizar meus pensamentos. Eu deveria estar nervosa pela tensão que ainda paira no ar, mas é como se eu estivesse em um turbilhão de emoções conflitantes. A presença de Jace me desestabiliza de uma maneira que eu não consigo me controlar.

— Eu... não sei. — murmuro, sem conseguir encontrar palavras. — Eu só... me desculpa, Claire. Eu não queria fazer você passar por isso, eu só... — Me perco nas palavras enquanto levanto o olhar marejado até seu rosto.

Claire me encara, como se percebesse o peso em minha voz, mas ela não insiste. Apenas me observa com cuidado, como se tentasse entender o que está acontecendo comigo, sem pressa de me forçar a me explicar.

Eu nunca fui boa de lidar com os sentimentos que Jace despertava em mim.

Claire respira fundo, mas ainda parece preocupada. Ela toca meu braço com delicadeza, como se tivesse medo de me quebrar.

— Vy, eu sempre vou estar aqui, tá? — diz ela, num tom mais calmo. — Seja lá o que for, você não precisa passar por isso sozinha.

Faço que sim com a cabeça, mesmo sem confiar na minha própria voz para responder. Meu olhar vagueia pelo caminho que acabamos de percorrer, mas me forço a manter os pés firmes no lugar. Não posso olhar para trás. Não posso deixar a tentação me convencer.

— Só preciso de um tempo. — murmuro finalmente — Preciso colocar a cabeça no lugar.

A loira hesita, mas assente. Ela sabe que insistir comigo agora não vai ajudar.

— Certo... mas, não se esqueça disso. — ela diz, ainda segurando meu braço como se quisesse me segurar à realidade.

Dou um sorriso fraco, tentando tranquilizá-la. Assim que Claire solta meu braço, sinto o peso do dia cair sobre mim. Cada passo até o dormitório parece mais difícil que o anterior, como se eu carregasse o peso de tudo o que deixei para trás.

Por que ele tinha que estar aqui? Por que agora? Meu peito se aperta com todas as perguntas sem respostas. A pulseira em meu pulso parece queimar minha pele, como se fosse um lembrete cruel do passado que eu tentei enterrar.

Respiro fundo, e tentando afastar o peso que ameaça me esmagar. Claire, em uma tentativa de me distrair, continua falando sobre a festa enquanto andamos de volta ao dormitório, mas as palavras dela entram por um ouvido e saem pelo outro. Meus pensamentos estão longes demais para absorver qualquer coisa.

Porém, uma coisa eu sei: ele vai estar lá. Tenho quase certeza disso.

E quer saber? Que esteja.

Hoje à noite, eu vou à festa. Vou fazer o que Claire disse: me divertir, esquecer o gelo, esquecer essa merda de passado. E amanhã, quero acordar sem lembrar de absolutamente nada.


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