Lovely
Student Apartment, Ann Arbor, Michigan — Agora
Ivy
A luz do sol parecia perfurar minha cabeça como se fosse feita de agulhas. Eu acordei com uma dor de cabeça tão forte que o simples ato de abrir os olhos parecia uma tortura. O cheiro de álcool ainda estava nos meus poros, e meu corpo doía como se eu tivesse sido atropelada. Por que eu fui naquela maldita festa? A pergunta martelava na minha cabeça, mas eu sabia que a resposta era simples: Claire.
Ela não me deixou em paz até que eu fosse. "Vai, Ivy, você precisa relaxar um pouco!" Ela havia dito, e lá estava eu, jogada na cama, com a sensação que o chão ia engolir tudo ao meu redor, tentando lembrar o que aconteceu no final da noite. Mas tudo o que restava era uma névoa espessa, misturada com a lembrança de rostos distantes e o eco das vozes. A única coisa que parecia real era a dor.
Suspirei, apertando a testa com as mãos, tentando afastar a sensação que o mundo estava prestes a desmoronar sobre mim.
O som do meu celular vibrou na mesa da cabeceira, mas eu demorei para pegar. A dor de cabeça estava insurportável, e até a ideia de olhar para a tela me parecia um esforço enorme. Quando finalmente atendi, a voz de Claire ecoou do outro lado da linha, animada, como sempre
— Você está viva? — ela riu, e eu a ouvi trocando de posição no sofá. — Eu e o Dylan passamos a noite inteira esperando por você. Eu não entendo, Ivy, você pode ser a melhor patinadora do mundo, mas tem que aprender a se divertir um pouco!
Claro, ela estava empolgada, sem nenhuma sombra de dúvidas. Ela e Carter, o par perfeito de quem se joga em tudo sem pensar nas consequências. Não me surpreendia que eles tivessem ficados juntos. Sempre foi assim entre eles. — brincadeiras, diversão, e se as coisas ficassem sérias, eles simplesmente seguiam em frente.
— Eu não preciso de diversão, Claire. — minha voz saiu mais áspera do que eu esperava, mas era a única resposta que eu consegui formar.
Ela faz uma pausa notando meu tom de voz, mas logo voltou ser a Claire, como se nada tivesse acontecido.
— Aham, claro. Agora vai dormir mais um pouco, resmungona. Acho que você vai precisar de um milagre para a próxima festa, viu?
— Vai à merda, Claire. — Resmunguei tentando forçar um sorriso.
Desliguei a chamada e afundei a cabeça no travesseiro, querendo me esconder do mundo. Mas ali mesmo, sozinha, eu sabia o que eu temia não era a ressaca, mas o que estava acontecendo com meu próprio coração. Algo estava mudando em mim, e eu não sabia como lidar com isso.
Eu me virei de lado tentando bloquear os pensamentos, mas a lembrança de algo que Dylan havia dito na festa foi como um tapa na cara. No meio de uma conversa com o grupo, eu o ouvi comentar casualmente sobre Jace.
— Jace é um cara complicado, mas ninguém dúvida do que ele pode fazer em campo... Eu só fico imaginado o que ele faria se tivesse a mesma vontade de conquistar algo fora disso.
Meu coração parou por um segundo ao ouvir aquele nome. Jace? Eu só conhecia um Jace na minha vida, e era um nome que eu não ouvia a anos. Meu amigo de infância, aquele que um dia foi tudo para mim — e que eu havia deixado para trás. Não podia ser o mesmo, não aqui, não agora.
De repente, todo o ar da festa parecia pesado. Eu me forcei a sorrir, a não deixar transparecer quando aquele comentário me afetou. Mas enquanto Carter continuava falando, a única coisa que eu conseguia pensar era no que ele tinha dito. "Complicado." "Fora do campo." Eram palavras que ficavam rodeando na minha cabeça como um eco interminável.
Era o início do bimestre, e, até então, tudo parecia normal. Eu tinha minha rotina de treinos e as aulas começando. Mas agora, aquele nome tinha bagunçado tudo. Jace Barrett. Será que era mesmo ele? Ou minha mente estava pregando peças?
Tentei me concentrar na na dor de cabeça, no ardor do meu estômago, no peso de ser quem eu era. Eu não tinha tempo para sentimentos, para confusões. Eu tinha que ser a melhor, a mais forte, a mais focada. Não havia espaço para mais nada.
Levantei-me com dificuldade e me arrastei até o banheiro. A água fria no rosto ajudou a aliviar um pouco a dor, mas a sensação de vazio continuava ali. O nome dele não saia da minha cabeça. Jace Barrett. Não podia ser coincidência, certo?
"Respira, Ivy. Deve ser outra pessoa com o mesmo nome", murmurei para mim mesma, olhando para o meu reflexo no espelho. Mas no fundo eu sabia. A sensação de culpa e arrependimento que surgira com aquele nome não era algo que eu podia ignorar.
Lembrei-me das poucas vezes em que pensei em encontrá-lo nos últimos anos. Talvez para explicar o por que sumi sem me despedir de verdade. Talvez para tentar voltar a ser algo na vida dele. Mas sempre desistia. Ele provavelmente me odiava. E com razão.
— Ivy, você vai morar aí dentro ou o quê? — Claire virou do quarto , me arrancando dos meus pensamentos.
Abri a porta do banheiro, ainda sentindo o peso das lembranças, e a encontrei jogada na cama, com o celular na mão e um sorriso travesso no rosto.
— Nem tenta, Claire. Se for sobre outra festa, eu tô fora.
— Relaxa, não é sobre festa. — Ela riu, mas logo me encarou com um olhar sério. — Você tá bem? Parece que viu um fantasma.
"Vi." Ou melhor, ouvi o nome de um. Mas como explicaria isso para Claire? Que, o garoto que eu deixei para trás, aquele que eu prometi nunca abandonar, podia estar na mesma universidade que eu?
— Eu tô bem. Só cansada, sabe? Ressaca e tudo mais. — Forcei um sorriso e fui até a mesa, fingindo procurar algo para comer
Claire me observou por um momento, como se tentasse decifrar o que estava acontecendo, mas não insistiu.
— Ok, se você diz... Ah, só para avisar, amanhã tem apresentação do grupo de patinação às dez.
— Amanhã, já? — Franzi a testa tentando lembrar se já tinha falado disso antes.
— Sim, início de bimestre. Vai ser no ginásio. Todo mundo tem que ir, é o combinado.
O ginásio. O mesmo lugar onde o time de futebol americano treinava.
Um frio percorreu minha espinha. Eu não tinha certeza se queria descobrir a resposta para a pergunta que ecoava na minha cabeça desde a noite passada. Mas algo me diz que o destino não ia me dar escolha.
As horas seguintes se passaram em um borrão. Claire tagarelava sobre Carter, eu acho, enquanto eu tentava ignorar a dor latejante na minha cabeça. Entre cochilos interrompidos e garrafas d'água que pareciam nunca esvaziar, o dia se arrastou lentamente.
Quando finalmente tomo coragem para me levantar, Claire não está mais aqui. Deve estar enrolando Carter em alguma conversa que só ela consegue conduzir. E eu? Bem, estava pensando no nome que me atormenta desde a noite anterior.
Jace Barrett
Eu tenho que parar de pensar nele, ou, vou acabar ficando maluca. Não importa o quanto tentasse me convencer que era apenas uma coincidência, algo dentro de mim diz o contrário. E, a ideia de encontrar ele depois de tantos anos me assombra o resto do dia.
Quando eu vejo, já estou agasalhada indo em direção a pista de patinação. Lá é o lugar onde eu não penso, eu só sou eu. Desde menor, quando perdi meu porto seguro, Jace, eu comecei a procurar uma nova forma de me acalmar, que me faça pensar nele. Me lembrei dele indo a cada treino meu, dele me olhando das arquibancadas ou até mesmo patinando junto comigo, ele era péssimo, mas se esforçava por mim. Desde então, meu lugar de paz virou a pista de patinação. Me faz lembrar dos velhos tempos onde eu era feliz. Até tudo virar de cabeça para baixo.
Ao chegar na entrada, sou cumprimentada pelo recepcionista do local, ele sempre está lá, sentado atrás do balcão jogando paciência no computador. Ele sempre me cumprimenta com um breve sorriso antes de voltar para o jogo. Passo por ele e sigo em direção ao vestiário feminino. Por conta de hoje ser o último dia antes das aulas da universidade voltarem oficialmente, todos os adolescentes estão curtindo o último segundo do dia para ir a festas ou sei lá o que estejam planejando. Ninguém, nem mesmo os patinadores como eu, veio pra cá. Só eu. Bom que não preciso me preocupar com plateia ao meu redor.
Sento no banco do vestiário e abro minha bolsa pegando meu collant e os patins cuidadosamente. Troco de roupa rapidamente e guardo minha mochila com os pertences no armário. A rotina é quase automática, mas a familiaridade desse momento sempre me traz um tipo estranho de conforto.
Caminho em direção à beirada da pista de patinação, onde o som suave da música de fundo preenche o ambiente de forma sútil. Me aproximo da beirada, sentindo o ar frio que sempre me faz arrepiar.
Respiro fundo antes de tomar coragem e deslizar até o centro da pista. No começo, meus movimentos são lentos, indo de um lado para o outro, enquanto deixo o frio se tornar suportável, permitindo que meu corpo se adapte ao ambiente gelado. Aos poucos, sinto minha conexão com o gelo crescer, como se o ritmo da pista e meu coração fossem um só.
Quando finalmente me sinto pronta, avanço, acelerando os passos. Minhas lâminas cortam o gelo com precisão, e começo a testar minha velocidade, sentindo a adrenalina substituir o frio que antes me envolvia.
Com a velocidade aumentando, meus movimentos começam a fluir naturalmente. Inclino meu corpo para a frente, usando os braços para equilibrar o meu impulso. Faço uma curva fechada no canto da pista, sentindo o som nítido das lâminas riscando o gelo.
Deslizo de volta para o centro e me preparo para um salto simples. Flexiono os joelhos, ganho impulso e, com um giro rápido, aterrisso suavemente. O movimento é limpo, mas não perfeito. Ainda assim, continuo deixando o corpo ditar o ritmo. Sinto a raiva ferver em meu corpo quando lembro do babaca do meu treinador. Sua voz ecoa na minha cabeça como um disco em repetição.
— Arrume a postura! — gritava ele, mesmo se eu já estivesse com a postura arrumada. — É assim que você pretende disputar as nacionais?! — ele berrava, para ter certeza de que eu ouvi em bom e alto som. — Sua mãe estava certa. Você nunca brilhará como ela.
Minha mãe. Sempre ela.
As palavras dele me atingem como um golpe direito no peito direito toda vez que ele as repete, como se estivesse determinado a deixar claro o peso que eu carrego.
Tento ignorar a voz dele na minha cabeça e acelero ainda mais. Deslizo com força, os músculos das pernas queimando, mas é um tipo de dor que eu conheço bem. Faço uma curva rápida, o vento gelado cortando meu rosto, e me preparo para outro salto, desta vez um lutz duplo.
Minha lâmina externa raspa o gelo, e eu lanço meu corpo no ar. Giro com tudo, o mundo ao meu redor se transforma em borrões, mas aterrisso de uma forma desajeitada. Um dos pés escorrega, e eu caio de joelhos no gelo.
A dor física é mínima, mas a frustração é insuportável. Meu reflexo no gelo sob mim pareceu me encarar de volta, lembrando-me de tudo o que não consigo deixar para trás. A pressão, as expectativas, a constante comparação com a minha mãe.
Seguro os punhos firmemente e me levanto, os joelhos latejando pelo impacto. Não vou parar. Não posso.
— Você nunca será como ela.
As palavras dele queimam, mas também acendem algo dentro de mim. Me posiciono novamente, determinada a não deixar isso me consumir. Se vou cair, Vou me levantar mais vezes do que o necessário. O gelo é meu, não deles.
Desta vez, eu respiro fundo e deixo a raiva me impulsionar. Olho para a pulseira que nunca tirei desde que era criança e, ao encara-lá , mil sentimentos vêm à tona. Eu os deixo me invadir, até que não consigo mais me conter. E grito, grito até minha voz falhar, deixando que o som ecoe por todo o rinque, como se pudesse me libertar tudo o que me pesa.
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