Let her go

Student Apartment, Ann Arbor, Michigan — Agora
Jace

Ivy estava em silêncio há um tempo, os olhos fixos na televisão enquanto o jogo de basquete se desenrolava na tela. O Los Angeles Lakers estava em campo contra o Brooklyn Nets, e o ritmo acelerado da partida não parecia ser o suficiente para mantê-la acordada. Eu a observava de canto de olho, como sempre fazia quando ela se deixava levar pela rotina. O som da bola quicando, dos gritos da torcida, tudo isso parecia distante para ela. Seus olhos, cansados, iam ficando cada vez mais pesados, como se o peso do dia finalmente estivesse cobrando seu preço.

Ela parecia confortável no sofá, mas o cansaço estava começando a vencer. Meus olhos não conseguiam se desviar dela enquanto o jogo continuava. As mãos dela estavam suavemente descansando sobre o estômago, o corpo relaxando com o ritmo do programa, e logo, seus olhos se fecharam lentamente.

Eu podia ver o momento em que ela finalmente adormeceu. O jeito como ela se entregou ao sono era quase inocente, como a garota que um dia conheci. Sem hesitar, desci os olhos para o seu rosto sereno, e um impulso, um ato quase automático, me fez mover minha mão. Com cuidado, e quase como se estivesse com medo de quebrar o momento, eu a acomodei melhor, trazendo a cabeça dela para descansar no meu colo.

O jogo continuava, mas o foco da minha atenção estava agora nela, em como seus fios de cabelo escorriam suavemente por meus dedos enquanto eu acariciava lentamente. A textura dos fios, o calor dela ao meu lado... tudo parecia tão certo, mesmo que eu soubesse que estava errado. Mas, naquele momento, isso não importava. Eu me permitia perder um pouco mais naquele espaço entre nós dois, sem palavras, apenas o som da televisão e o leve respirar dela.

Eu continuei acariciando seus cabelos, tentando manter a calma enquanto minha mente se perdia em pensamentos. O silêncio era confortável, mas também trazia uma sensação estranha de vulnerabilidade, algo que eu não conseguia afastar.

De repente, um fio de cabelo caiu sobre seu rosto, cobrindo um pouco de sua testa. Eu me incline para ajeitar, deslizarei o dedo por seu cabelo para tirá-lo de lá.

Enquanto fazia isso, senti algo mais áspero do que deveria no meu toque. Um pequeno corte, uma marca que, em meio ao movimento suave, passou despercebido para mim, mas não para o meu toque. Meu dedo tocou o local, e o fio de cabelo escorregou da minha mão, revelando um pequeno corte na nuca dela.

Meus olhos se estreitaram, a surpresa percorrendo minha mente enquanto eu olhava para o lugar onde eu agora via o pequeno corte. Não era grande, mas com a luz suave da sala, eu podia ver o suficiente para perceber que não era algo recente. Havia algo familiar na textura do corte, como se fosse mais do que apenas um acidente qualquer.

"Desculpa," murmurei baixinho, como se ela pudesse ouvir, como se o pedido de desculpas fosse a única coisa que eu pudesse fazer para remediar o que parecia tão errado ali.

Eu sabia que não podia ser de agora, e algo me incomodou profundamente. Algo me dizia que aquele corte não vinha de algo simples, como um movimento inesperado ao dormir. Era quase como se fosse uma marca — uma marca feita de maneira controlada, talvez até intencional. Mas de quem?

Eu me vi em silêncio, tentando não acordá-la, mas o que eu sentia agora era uma mistura de confusão e algo mais intenso. Isso não parecia ser algo que Ivy queria mostrar, ou se lembrar. Não parecia algo que ela tivesse escolhido. E o fato de eu ter tocado sem perceber me fez me sentir... culpado, de alguma forma.

Meus dedos ficaram ali por um momento, sobre a marca, como se tentasse entender o que ela representava. Eu não sabia, mas algo dentro de mim sabia que esse pequeno corte estava relacionado a algo muito maior do que eu poderia imaginar. Algo que, mais cedo ou mais tarde, ela teria que enfrentar.

Eu continuei observando o corte, perdido na ideia de como aquelas marcas podiam moldar alguém, sem que nem mesmo nós percebêssemos. Até que, finalmente, voltei ao seu rosto. Dei um leve sorriso, quase imperceptível, como se tentasse acalmar a mim mesmo mais do que a ela.

Voltei a acariciar seu cabelo, tentando ignorar a sensação de que aquele corte guardava um segredo que ela não estava pronta para dividir. Eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, as coisas entre nós dois teriam que ser desvendadas. Mas, por agora, eu só queria que ela dormisse, em paz, sem o peso do mundo sobre os ombros dela. E eu queria estar aqui, cuidando dela, mesmo que fosse só por mais um momento.

Eu sabia que ela estava completamente relaxada agora, mais tranquila do que eu esperava. E, embora a cena tivesse sido confortável, o peso do momento ainda me atingia. Com cuidado, levantei Ivy em meus braços, observando seu rosto relaxado. Ela parecia tão frágil, tão leve nos meus braços, e um impulso de proteção cresceu dentro de mim.

Caminhei até o meu quarto, onde ela agora ficava comigo, devido ao caos no apartamento delas. A cama estava grande o suficiente para os dois, e, por um momento, não me importava com mais nada além de garantir que ela estivesse bem.

Com um movimento suave, deitei Ivy na cama, colocando a cabeça dela cuidadosamente no travesseiro. Seus cabelos caíam sobre o travesseiro, e eu os arrumei de forma desajeitada, mas carinhosa. Eu só queria que ela estivesse bem, que não se sentisse sozinha naquele instante.

Fiquei ali por um momento, observando-a. A luz fraca da noite iluminava seu rosto de uma maneira suave, quase etérea. Eu não queria sair. Eu não queria perder a chance de continuar cuidando dela. Mas, em algum ponto, eu sabia que precisava dar espaço, mesmo que isso significasse ter que me afastar.

Eu me deitei no sofá que estava ao lado da cama, ainda perto o suficiente para sentir a presença dela, mas sem invadir o espaço dela. Eu não queria ficar distante demais, mas também não queria ser intrusivo. O silêncio que preenchia o quarto era reconfortante, e, embora o jogo de basquete ainda estivesse passando na televisão, minha mente estava em outro lugar. Só conseguia pensar nela, no que havia acontecido e no que ainda poderia acontecer entre nós.

Eu a observei enquanto ela dormia. Sua respiração calma era a única coisa que eu podia ouvir, e, por um momento, tudo parecia em paz. Eu não sabia quanto tempo se passou, mas o sono me alcançou devagar. Eu queria ficar acordado, mas, eventualmente, meus olhos se fecharam, e o último pensamento que cruzou minha mente foi que ela estava ali, tão perto, e que, por algum motivo, isso parecia certo.

Acordei mais cedo do que o normal, sem saber bem o motivo. Os primeiros raios de sol já estavam entrando pelo quarto, iluminando a cama e a silenciosa Ivy ao meu lado. Eu estava ali, deitado de costas, observando o teto e tentando entender por que a calma daquela manhã não parecia tão reconfortante quanto deveria. Não parecia certo.

Ela estava ali, ainda dormindo, seu corpo curvado no colchão, com o cabelo espalhado sobre o travesseiro. Eu sabia que a Ivy estava acostumada a acordar com pressa, sempre correndo contra o tempo, sempre afastando qualquer tipo de relaxamento como se fosse um luxo que não podia se permitir. E eu, de alguma forma, me sentia responsável por fazer com que ela se permitisse ser mais tranquila, mais leve, mas isso não era fácil. Principalmente porque eu também estava me acostumando a ter ela tão perto de novo, e esse espaço entre nós ainda parecia frágil, como se qualquer movimento brusco pudesse quebrar tudo.

Levantei com cuidado, sem fazer barulho, e fui até a cozinha. O cheiro do café começava a invadir a casa, e por um momento, foi a única coisa que me trouxe de volta à realidade. Parei um instante na porta da cozinha, olhando para a casa vazia. Estávamos ali, os quatro, dividindo o espaço e tentando entender como isso funcionava. Não tinha aulas hoje, então a casa ainda estava em silêncio, mas por dentro eu me sentia... agitado, talvez. Algo estava diferente, e eu não conseguia achar o que exatamente era.

Me servi de café e me encostei no balcão, deixando minha mente vagar um pouco. Não sei por que, mas me peguei pensando nela, em como a presença dela, mesmo quieta, ainda mexia com tudo ao meu redor. Estava me acostumando a dividir o espaço com Ivy, mas isso não significava que as coisas estavam mais fáceis. Longe disso. Ainda havia uma distância, algo entre nós que nem eu sabia explicar. Cada palavra dita parecia pesar mais, e os olhares... os olhares dela sempre pareciam ter um significado que eu não entendia direito.

Foi quando ouvi o som suave dos pés dela no corredor. A Ivy estava saindo do quarto, meio sonolenta, com o cabelo ainda bagunçado. Ela parecia um pouco mais à vontade hoje, como se o peso da noite anterior, de todas as coisas não ditas e os olhares desconfortáveis, estivesse se dissipando.

Eu estava ali, apoiado no balcão, sem saber exatamente o que fazer, mas também sem pressa de agir. Então, sem pensar muito, falei:

— Dormiu bem?

Ela parou na porta da cozinha, ainda com os olhos semicerrados, e um sorriso meio torto apareceu nos lábios dela. O tipo de sorriso que fazia tudo parecer mais leve.

— Sim, melhor do que eu esperava. — Ela bocejou, ainda com a voz um pouco arrastada. — E você?

Eu dei uma risada baixa, apenas mexendo a cabeça em um gesto que nem parecia muito uma resposta.

— Acho que eu fui o único acordado, então... — Falei, dando um gole no café, sem querer parecer tão distante. — Só estava esperando a casa despertar.

Ela fez uma careta de brincadeira, com um olhar de quem estava tentando se animar pela manhã.

— Acho que você acordou cedo demais, né? — Ela cruzou os braços, o que fez com que sua expressão ficasse mais divertida do que qualquer outra coisa.

Eu me encostei um pouco mais no balcão, começando a relaxar com a naturalidade dela. Não era como antes, quando cada movimento nosso parecia desconfortável. Agora, as coisas estavam... diferentes. Leves.

— Talvez. Ou talvez seja só o meu jeito de me acostumar com a casa cheia, quem sabe.

Ela levantou uma sobrancelha, como se tivesse captado alguma coisa a mais na minha fala, mas não disse nada. Apenas sorriu, e esse sorriso simples foi o suficiente para fazer a tensão desaparecer.

— Ok, ok. Vou te fazer companhia então — ela disse, se aproximando do balcão e pegando uma xícara de café. A maneira como ela se movia agora, tão tranquila, me fez pensar que talvez as coisas estivessem melhorando, mesmo que fosse aos poucos.

Nós ficamos em silêncio por um momento, apenas saboreando a manhã e o café quente, mas dessa vez o silêncio não era desconfortável. Pelo contrário, era aquele tipo de silêncio que eu achava até confortável, o tipo que você não sente necessidade de quebrar.

Então Ivy, ainda com a xícara nas mãos, olhou para mim e soltou, com um tom quase brincalhão:

— E qual vai ser o plano hoje? Ou a gente vai passar o dia todo aqui, se acostumando com o novo 'normal'?

Eu sorri, sentindo que talvez a coisa mais natural fosse não forçar nada. Apenas viver o momento.

— Acho que podemos deixar o dia decidir pra gente. — Dei um sorriso mais largo. — O que importa é que ninguém tem pressa, certo?

Ela assentiu, relaxando, e isso me fez sentir como se tudo estivesse realmente começando a se ajustar. Não havia urgência. Não havia expectativas enormes. Só nós dois, tentando dar o primeiro passo em direção a algo que não sabíamos muito bem o que era, mas que de algum jeito, parecia promissor.

Ela levantou a xícara, levou à boca, mas depois de um tempo, olhou para mim com uma expressão curiosa.

— Ei, Jace... — ela começou, hesitante, como se não soubesse muito bem como abordar o assunto. — Eu... você me levou até o quarto ontem? Eu não me lembro de ter ido sozinha.

Fiquei surpreso com a pergunta dela, mas logo me dei conta de que, na verdade, ela realmente parecia ter apagado tão rápido que não tinha notado quando se levantou do sofá.

— Ah, é... — comecei, tentando lembrar. — Você estava praticamente dormindo no sofá. Então, eu te peguei no colo, te levei até o quarto e te coloquei na cama. Eu só... não queria te deixar lá sozinha.

Ela me observou por um momento, com um sorriso leve e um pouco embaraçada, como se fosse meio engraçado para ela.

— Eu realmente estava exausta, né? Não lembro de nada disso. — Ela fez uma careta de leve, como se fosse algo inesperado, e então se inclinou um pouco para frente. — Mas obrigada por não me deixar sozinha.

Eu dei um pequeno sorriso e dei de ombros, o que foi o melhor que consegui. A verdade é que eu estava começando a me acostumar com os pequenos gestos. Como aquele. Como cuidar dela de um jeito que não parecia forçado, mas apenas... natural.

— De nada. — Falei mais tranquilo do que o esperado, tentando manter o tom casual. — Não seria certo deixar alguém dormindo sozinho por aí.

Ela ficou em silêncio por um momento, apenas me observando, e então olhou para sua xícara de café como se estivesse tentando processar tudo o que havia acontecido.

— Tá... e quanto ao resto da noite, como foi? — Ela perguntou, ainda em tom curioso. — Eu fui meio fora de mim ontem, não fui?

Eu ri, tentando fazer a situação parecer mais leve do que parecia, embora a forma como ela estava lidando com isso fosse bem mais tranquila do que eu esperava.

— Você não foi nada de mais, Ivy. Só dormiu como qualquer outra pessoa cansada. — Respondi, tentando não soar muito sério, mas aliviado por ela estar aceitando tudo isso tão bem.

Ela sorriu novamente, mais descontraída, e me fez perceber o quão fácil era, de repente, estar ali com ela, sem aquele desconforto constante.

— Tá bom então. — Ela disse com um tom mais brincalhão. — Acho que vou tentar não dormir em público mais, já que posso contar com você para me carregar.

Eu ri baixinho, o que parecia mais natural do que qualquer coisa até aquele momento. Ela estava brincando, mas eu sentia que, por mais que estivéssemos ainda nos acostumando a dividir o espaço, algo pequeno tinha mudado entre nós, mesmo que só por um instante.

Eu continuei observando Ivy por um momento, mas minha mente logo se afastou das palavras dela, indo para outro lugar. Eu ainda não conseguia tirar da cabeça aquela marca na nuca dela. Quando eu estava acariciando o cabelo dela ontem, sem querer, acabei puxando um pouco de um fio mais preso. E foi quando vi. Uma linha sutil, quase imperceptível, cortando sua pele. Eu nem tinha perguntado, mas a lembrança me incomodou.

Era um corte fino, mas parecia ter sido feito há um tempo. Não era recente, mas havia algo que me fez pensar que ela nunca tinha mencionado aquilo. Algo que parecia tão pessoal, quase... íntimo, e de alguma forma, isso me fez me perguntar. Quem teria feito aquilo? Como?

Eu sabia que era arriscado pensar muito sobre isso. Eu queria ter deixado o assunto para lá, mas o fato de ela não ter dito nada sobre aquele corte me deixou mais curioso. E com isso, algo me dizia que a história por trás daquela marca não era boa.

Eu podia ver o desconforto dela, até sem saber, sempre tentando esconder seus traços mais vulneráveis. Talvez a gente tivesse feito progresso, mas ainda havia muito para descobrir. Eu só não sabia como perguntar, ou se seria mesmo o momento.

Ela estava distraída, mexendo em seu café novamente, mas algo dentro de mim ainda estava fixado na imagem da nuca dela. Eu só queria que ela confiasse em mim, mas não sabia se ela estava pronta para contar tudo.

Era mais uma dessas coisas que me faziam me perguntar como a Ivy havia chegado até aqui, e como eu deveria lidar com isso. Mas por agora, era melhor apenas me manter presente, sem pressioná-la para abrir a boca sobre o que, talvez, ela ainda não estivesse pronta para dividir.

Eu me forcei a desviar o olhar e voltei a focar no café. Não podia fazer muito além de esperar que, eventualmente, ela se abrisse quando estivesse pronta.

E, talvez, não seja nada demais. Talvez ela só tenha se machucado na pista de patinação ou algo do tipo. Quem sabe? Talvez eu esteja pensando demais...


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