Homesick
University of Michigan, EUA — Agora
Ivy
Como eu estava estranha, eu não tinha noção do quanto até aquele momento. Foi só quando Jace me olhou, e então todos os outros ao redor também, que percebi que algo tinha mudado. Algo em mim, algo que ninguém podia ver, mas que eu sabia que estava lá. Hoje de manhã, tudo parecia tão bem, o sol estava brilhando, meu humor estava leve... E aí, então, veio a mensagem.
A mensagem da minha mãe.
Tina West, minha mãe, uma das maiores patinadoras da década de 1980, com tantos prêmios que poderiam cobrir toda a parede da nossa casa, uma parede que eu nunca me senti parte. Ela nunca foi apenas uma mãe para mim. Ela foi um muro. Uma torre alta de expectativas e regras. Se eu não fosse a melhor, não seria nada. E, naquela manhã, ela queria falar comigo. Queria que eu fosse até lá. Visitar. Conversar sobre "uns assuntos". Mas, desde que eu me lembro, nunca houve uma conversa tranquila entre nós.
Senti um frio na espinha. O medo, a angústia. A memória da lâmina do patins cortando minha pele, a dor na nuca, o sangue misturado com o gelo... aquele golpe que a minha mãe nunca se desculpou por, nunca reconheceu. Ela sempre dizia que era para o meu bem, que a dor me faria forte, que os sacrifícios que ela fazia por mim eram para que eu fosse a melhor, como ela sempre foi. Mas o que eu sentia era outra coisa. Era um vazio, uma pressão esmagadora, e um medo insuportável de voltar àquele lugar.
A mensagem, ainda na tela do celular, não me deixava respirar direito. A alegria da manhã se dissipou como fumaça. Eu sabia que minha cabeça não estava mais ali, no agora, com Jace e os outros. Estava longe, muito longe. Pensando em tudo o que vivi com ela. Pensando no que poderia acontecer se eu a visse de novo.
E quando saímos para o carro, eu sabia que algo estava fora de lugar. Eu tentei disfarçar, sorrir, fingir que estava tudo bem, mas algo tinha mudado em mim. Algo que, de alguma forma, Jace percebeu. Ele sempre percebe. E, naquele momento, me senti como uma peça deslocada no jogo que ele nem sabia que estava jogando.
Eu fiquei ali, parada por alguns segundos, encarando a tela do celular. Não tinha como ignorar a sensação que me tomava. Meu corpo estava fisicamente ali, mas minha mente estava em outro lugar, tentando processar tudo o que aquela mensagem significava.
Jace foi o primeiro a se mover. Ele já estava abrindo a porta do carro, me olhando por cima do ombro, mas algo no seu olhar me fez hesitar. Ele parecia estar esperando uma resposta, como se soubesse que eu estava diferente. Talvez ele não soubesse exatamente o quê, mas com certeza sentia a distância.
Eu respirei fundo, guardei o celular na bolsa e caminhei até o carro. O movimento parecia automático, como se meu corpo soubesse o que fazer, mas minha mente estava paralisada. Sentei no banco do passageiro e fechei a porta sem dizer uma palavra. O silêncio entre nós dois estava pesado, mais do que o normal.
Jace ligou o carro sem dizer nada. Fiquei olhando pela janela, tentando focar na estrada, tentando ignorar a sensação de que tudo ao meu redor estava borrado, como se a realidade tivesse se distorcido. Mas era impossível não sentir que ele sabia. Ele sempre soubera, mesmo sem eu dizer uma palavra.
Ele ligou o som, mas nem mesmo a música conseguiu me distrair. Estava longe demais, em um lugar onde tudo o que eu queria era enterrar aquele medo, aquela dor, e seguir em frente. Eu queria acreditar que tinha mudado, que tinha crescido, que eu poderia encarar tudo o que viesse sem me deixar abalar. Mas a verdade era que nada tinha mudado. Nada dentro de mim havia mudado.
A voz de Jace cortou o silêncio, um pouco mais baixa do que o normal, como se estivesse pesando cada palavra.
— Ivy, você está bem? — A pergunta parecia simples, mas eu sabia que havia algo mais por trás dela. Ele não estava apenas se referindo ao meu comportamento, mas ao que ele tinha percebido, ao que ele sabia que estava acontecendo dentro de mim.
Eu fechei os olhos por um momento, tentando reunir coragem para responder. Mas a verdade é que eu não sabia nem o que estava sentindo direito. Só sabia que não estava bem.
— Eu... — engasguei, as palavras travando na minha garganta. — Não sei... Não sei o que fazer com isso.
Ele não falou nada por alguns segundos. Talvez tivesse esperado mais, talvez quisesse ouvir uma explicação. Mas a verdade é que eu não tinha nenhuma para oferecer. Nada que fosse suficiente para justificar a dor que ainda me consumia.
A tensão entre nós crescia à medida que o carro avançava. Eu sabia que ele queria mais, que ele esperava que eu fosse abrir aquele espaço dentro de mim para ele. Mas eu não conseguia. Eu não conseguia deixar ninguém entrar, nem mesmo ele, não quando o peso da minha mãe ainda estava tão forte sobre mim.
— Se precisar conversar, estou aqui, Ivy. Sempre.
Ele não disse mais nada, mas sua voz estava suave, carregada de uma compreensão que eu não sabia se merecia. Aquele "sempre" fez meu peito apertar. Não era só uma palavra para ele. Era um compromisso, uma promessa. Algo que eu temia, porque não sabia se seria capaz de corresponder.
Ficamos em silêncio o resto do caminho para casa. Cada quilômetro que passava me afastava um pouco mais da realidade. Quando chegamos, não consegui sair do carro de imediato. Eu só queria ficar ali, onde tudo estava em movimento, mas ao mesmo tempo, parecia parado. A sensação de estar sozinha, com aquele peso todo, era quase insuportável.
Jace me olhou, mas não disse nada. Ele apenas esperou. Não sei quanto tempo se passou até eu finalmente abrir a porta e sair. Ele fez o mesmo, mas eu senti que ele estava me observando, atento a cada passo.
Naquele momento, eu só queria que ele fosse embora, mas sabia que não poderia pedir isso. Eu sabia o que ele queria, sabia que ele não sairia enquanto eu não permitisse que ele entrasse no meu mundo.
Mas eu não sabia se queria deixá-lo.
Quando entramos em casa, o silêncio tomava conta do ambiente, com apenas o som do vento lá fora quebrando a calmaria. A luz estava apagada na sala, e a única fonte de luz vinha da pequena janela, que deixava a lua iluminar o chão de madeira com um brilho suave. As portas dos quartos estavam fechadas, e eu sabia que Dylan e Claire provavelmente estavam dormindo. O que parecia um alívio, mas ao mesmo tempo uma leve sensação de solidão, tomou conta de mim.
Jace, que havia caminhado até a entrada comigo, ficou parado na sala por um instante, como se ainda estivesse tentando entender o que se passava comigo. Eu não sabia o que responder, então, optei por manter o silêncio.
Foi ele quem quebrou o silêncio primeiro.
— Está com fome? — perguntou, a voz baixa, quase cuidadosa. Eu o olhei, um pouco surpresa pela pergunta, mas não queria dar uma resposta evasiva. Não agora. Não depois de tudo o que tinha acontecido naquela tarde.
Eu assenti lentamente, o estômago fazendo um barulho que só confirmava minha resposta.
— Um pouco... — murmurei.
Ele sorriu de canto, sem se preocupar em falar mais. Sabia que não precisava. Jace tinha essa habilidade estranha de entender o que eu precisava, até sem eu precisar dizer. Eu o vi se virar em direção à cozinha, e sem mais palavras, ele se pôs a fazer algo que, apesar de simples, era sempre acolhedor. Macarrão ao molho branco com presunto, meu prato favorito. Não era só comida, era o gesto que vinha com ela, a sensação de cuidado que me aquecia de um jeito que eu não sabia explicar.
Eu fiquei parada por alguns segundos, observando ele pegar os ingredientes com uma calma quase desconcertante. Por um momento, me senti tão pequena e tão grata por aquele gesto simples. Eu não sabia o que ele sentia, mas o que ele estava fazendo falava mais do que qualquer palavra. E, ao vê-lo agir assim, percebi que, mesmo que eu não soubesse como lidar com todos os sentimentos dentro de mim, ele estava ali. Ele não estava me pressionando para falar, não estava esperando explicações. Só estava... cuidando de mim. Como sempre fazia.
Enquanto ele preparava a comida, eu me permiti relaxar um pouco, sentando-me na mesa e olhando pela janela. O vento ainda balançava as árvores lá fora, e uma paz estranha tomou conta de mim. Não era o tipo de paz que resolve tudo, mas o tipo que me dava a sensação de que, talvez, eu pudesse lidar com aquilo tudo aos poucos.
Jace terminou o prato em alguns minutos, e o aroma familiar do molho branco me envolveu, fazendo meu estômago roncar mais alto. Ele colocou a comida na mesa, com um sorriso pequeno, como se estivesse esperando pela minha reação.
— Está bom? — perguntou, como se a resposta dele importasse mais do que ele gostaria de admitir. Eu olhei para o prato, sentindo o calor da comida e a sensação de conforto que ela trazia.
— Perfeito. — Eu disse baixinho, já sabendo que não precisava de mais palavras.
Eu comecei a comer em silêncio, e ele fez o mesmo, sentando-se ao meu lado. Não havia necessidade de continuar falando sobre o que estava me consumindo ou sobre o que me fazia sentir que a minha vida fosse tão imprevisível. Às vezes, só o fato de estar ali, naquela cozinha, com ele, era tudo o que eu precisava.
A comida estava boa, mas o gesto dele... O gesto dele foi o que fez a diferença.
Enquanto comíamos, o silêncio confortável se estendeu pela cozinha. Eu não queria quebrar o momento, mas a mente não parava de trabalhar. Cada garfada parecia me trazer um pouco mais de clareza, mas, ao mesmo tempo, não conseguia afastar a sensação de que algo estava me consumindo. A mensagem de minha mãe ainda estava martelando na minha cabeça. As palavras dela ecoavam como uma ameaça, me puxando de volta para um lugar do qual eu tentava me afastar.
Jace percebeu que, apesar de minha aparência de quem estava apenas saboreando a comida, minha mente estava longe dali. Ele não comentou, mas, ao contrário de antes, não parecia pressionar. Não me perguntava nada direto sobre o que estava acontecendo, mas, em vez disso, sua presença quieta, mas constante, me fazia sentir que estava em um lugar seguro.
De repente, ele quebrou o silêncio.
— Acha que vai ser difícil? — a voz dele veio baixa, como se ele estivesse esperando que eu fosse resistir ou negar, mas algo nele parecia esperar pela minha verdade. Eu olhei para ele, sentindo o peso da pergunta.
Eu suspirei, tentando organizar as palavras, mas, ao mesmo tempo, sabia que estava mais para uma confissão do que para uma explicação.
— Eu não sei... — comecei, deixando a voz falhar um pouco. — Não sei o que esperar. Não sei nem o que vou dizer. Eu... — minha mão fechou ao redor do garfo, o prato já quase vazio. — Eu só... não sei se estou pronta para isso, sabe?
Jace me observava atentamente, como se entendesse o que eu não estava dizendo. Ele não me pressionou, mas sua presença parecia como uma âncora no meio do meu turbilhão interno.
Ele deu um gole na água, ainda com a expressão séria, e depois falou calmamente:
— Não precisa decidir tudo agora, Ivy. Eu tô aqui. E eu não vou te deixar sozinha com isso.
Eu respirei fundo, sentindo algo entre a raiva e o alívio apertar no meu peito. Ele tinha uma maneira de me fazer acreditar que talvez não fosse tão difícil assim, de que talvez não precisasse enfrentar tudo sozinha.
— Eu não quero... — Eu comecei, mas parei. Não queria falar sobre minha mãe, sobre o que ela representava, nem sobre como aquela mulher me fazia sentir. E, ainda assim, sabia que, se eu não começasse a falar, aquilo ia me consumir. — Eu não quero ver ela, Jace. Eu... eu não sei se consigo.
Ele deu um sorriso suave, como se soubesse que eu não precisava de palavras complicadas, apenas de alguém para me ouvir.
— Tudo bem, Ivy. Não precisa fazer nada que você não queira fazer.
O peso das minhas emoções ainda estava ali, mas ele parecia mais suportável. Talvez, apenas talvez, eu conseguisse encarar a situação de uma forma diferente, se eu não tivesse que enfrentar tudo de uma vez.
O resto do jantar passou em silêncio, mas não foi desconfortável. Eu podia sentir que Jace estava ali, de uma forma que não me pressionava, mas que ainda me dava uma sensação de segurança. Quando terminamos, ele se levantou e foi até a pia, enquanto eu continuei sentada à mesa, observando o ambiente ao redor. Talvez fosse porque eu sabia que ele estava fazendo aquilo por mim ou talvez fosse apenas a maneira dele de mostrar que se importava, mas, de qualquer forma, eu sabia que, por mais que minha mente estivesse dividida, ele estava ali para me apoiar.
E, por um momento, não parecia tão impossível.
Claro, vamos fechar o capítulo.
Jace insistiu para lavar a louça, o que, claro, não fez sentido, já que eu tinha acabado de cozinhar, mas ele parecia decidido. Eu só fiquei ali, no sofá, olhando ele mexer na cozinha enquanto se arrumava para fazer pipoca para a gente. Ele não deixou que eu ajudasse, dizendo que era a vez dele de cuidar das coisas.
— Fica aí, relaxa — ele falou com um sorriso leve, e eu quase me senti culpada por não estar ajudando, mas, ao mesmo tempo, a ideia de simplesmente me desligar por um momento parecia tentadora.
Eu acenei com a cabeça e me acomodei melhor no sofá, sentindo a suavidade do lugar contra o meu corpo. Minha mente ainda estava confusa, mas eu estava aprendendo a deixar as coisas irem um pouco. Eu sabia que não tinha todas as respostas, mas, de alguma forma, Jace parecia ser um ponto de calma no meio da tempestade.
Jace voltou com a tigela de pipoca logo depois e se sentou ao meu lado. Eu me acomodei no sofá, e logo a minha cabeça foi se inclinando, sem perceber, até que repousou suavemente no ombro dele. Ele não fez nada, apenas permaneceu ali, assistindo ao jogo, enquanto eu sentia a sensação de conforto tomando conta de mim.
A pipoca estava ali entre nós, mas, naquele momento, tudo o que eu queria era estar perto dele. A Diccione se entornou bem no codo dela, e a sensação de estar ali, com a cabeça no ombro dele, era uma das poucas coisas que me faziam esquecer os pesadelos da minha própria vida.
O jogo de hockey continuava na TV, mas nós não estávamos prestando muita atenção. Ficamos ali, em silêncio, compartilhando aquele momento simples, mas que, de alguma forma, parecia tudo o que eu precisava naquele instante. Não precisava de palavras, apenas a presença dele, e o fato de que eu não estava sozinha naquele caos todo.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top