Ghost...?

University of Michigan, EUA — Agora
Jace

O som dos gritos do treinador cortavam o campo como lâminas.

— Barrett, mais rápido! Vamos porra! — a voz ecoava, mas eu mal o ouvia. Estava concentrado. Sempre concentrado. A bola subiu, perfeita no ar, e eu já sabia onde ela estaria quando caísse. As jardas pareciam desaparecer sob meus pés conforme eu corria. Não havia nada além do campo e do barulho abafado da torcida ao longe.

Um, dois, três passos.

Ouvi os passos pesados dos defensores atrás de mim. Respirei fundo e acelerei o máximo que consegui.
O baque das chuteiras no chão úmido e a gritaria dos outros jogadores ao redor se intensificava, mas isso só era o ruído de fundo. Meu corpo se movia sozinho, como uma máquina. Era assim que eu gostava. Não pensar. Só correr.

A bola caiu exatamente onde eu sabia que cairia — a seus jardas de distância da linha. Meus braços se estenderam e a bola encontrou minhas mãos. Fechei os dedos em volta dela como se minha vida dependesse disso, e depende mesmo. Amorteço o impacto, e continuo correndo.

— Vai Barrett! — alguém gritou do outro lado

Pulei por cima de um defensor que avançava para me derrubar, senti os dedos dele roçando meu tornozelo, mas continuei. Um metro. Dois metros.

O mundo explodiu em aplausos e assobios quando cruzei a linha. Touchdown.

Deixei o corpo cair no chão, o peito subindo e descendo em uma respiração pesada, como se o ar nunca fosse o suficiente. O barulho ao redor parecia abafado, como se eu estivesse distante de tudo e todos. Mas eu levanto o olhar para as arquibancadas e vejo a festa que a nossa universidade faz. Se eu observar com atenção, vejo pessoas gritando até acabar com todo o ar em seu pulmão, pessoas levantando uns aos outros, aplaudindo, pulando...
O som do campo e dos jogadores não significava nada.

Eu não estava ali, não de verdade.

— Ótima corrida, Barrett! — Caleb, o quarterback, estendeu a mão para me ajudar a levantar. Sua expressão era uma mistura de cansaço e respeito — Você é um foguete, cara.

Dei um breve aceno e apertei a mão dele.

— Veleu. Foco no próximo. — respondi. Minha voz sai mais rouca que o normal, como sempre acontecia depois de uma partida intensa.

— Relaxa, você merece um descanso. — ele riu, mas eu já tinha virado as costas.

Descanso? Não. Parar significa pensar, e pensar significa lembrar.

Caminhei para a beira do campo, tirando o capacete e passando a mão pelos cabelos molhados de suor. A água da garrafa desceu rasgando minha garganta seca enquanto eu observava os últimos minutos do jogo. O treinador Thompson, atento ao meu cansaço, decidiu me tirar do campo, colocando um novato no meu lugar.

Encostei-me ao lado do banco onde encontrava outros jogadores substitutos sentados olhando para o campo, ou para o treinador na esperança dele chamar um deles. Tentava não me importar, mas a verdade era que eu odiava ser substituído. Mesmo que fosse lógico. A partida continuava sem mim, mas minha mente, por mais que tentasse focar no placar, ficava longe.

Talvez fosse o barulho das arquibancadas ou o calor que parecia pressionar minha cabeça, mas ali, parado, era muito mais difícil escapar dos pensamentos que eu preferia enterrar.

— No que está pensando, Barrett? — diz Carter, meu melhor amigo, se jogando em um banco ao lado da parede que eu estava encostado. — Não me diga que está assim por ficar de fora.

— Não estou pensando em nada. — minto, desviando o olhar para qualquer lugar que não seja seu rosto. Ele riu dando um tapa em meu ombro.

— Todo mundo tem um nada, Jace. O seu só parece pesar um pouco mais. — diz ele enquanto pega uma garrafa e se encaminha para o vestiário e só aí eu percebo que o jogo chega ao fim. 28 a 13 para os Wolverines.

O barulho das chuteiras no piso ecoava pelo vestiário enquanto os caras comemoravam a vitória. Alguns riam, outros discutiam jogadas, mas tudo parecia abafado na minha cabeça.

— Bom trabalho lá fora, Barrett. — disse o treinador Thompson, passando por mim com aquele olhar que parecia saber mais do que eu gostaria. Apenas assenti, sem dizer nada.
Era como se eu estivesse ali, mas ao mesmo tempo não estivesse.

A noite estava fria quando eu saí do vestiário. O campus estava quase vazio, exceto por alguns grupos espalhados, ainda comentando sobre o jogo.
Caminhei em silêncio, com as mãos no bolso do casaco, a cabeça baixa. As palavras de Carter voltaram a ecoar pela minha mente: "Todo mundo tem um nada..." Ele estava certo, mas o que ele não sabia é que o meu "nada" parecia mais uma âncora, me puxando cada vez mais para o fundo.

Chego no prédio que é onde os estudantes da universidade se alojam, é mais ou menos uns 20 minutos do campo de futebol americano e da pista de patinação.
Subo as escadas até o 3° andar, que é onde fica o meu quarto e o de Carter. Normalmente, quando eu entro ele sempre está lá, dormindo, jogando no seu computador, assistindo algo na televisão, ou, como acontece raramente, com alguma garota no quarto. Mas isso não passou a se repetir. A cena foi tão traumática para mim que eu o fiz jurar avisar quando estiver com alguma garota no quarto.
Entro no cômodo e fecho a porta atrás de mim. Não é um quarto gigante, mas é aconchegante. Tem duas camas, separadas por uma mini cabeceira no meio dela com um abajur em cima. Tem uma televisão de ótimo tamanho, uma escrivaninha com o computador de Carter e uma varanda que dá para uma rua silenciosa por conta do horário.
As vezes é bom ficar sozinho no quarto sem o meu colega irritante.

Carter é meu amigo desde que eu me lembro dele me chamando de fracote assim que entrei pro time junto com ele. Achava ele um pau no cu as vezes, mas acabei me acostumando com seus comentários desnecessários. Desde então, ele é meu melhor amigo aqui na universidade. Pelo que eu me lembre, ele tinha ido em alguma festa, mas nem deixei ele terminar de falar porque estava fora de mim hoje.
Minha cabeça estava em qualquer lugar, menos no presente. Isso tá me deixando louco.

Estava quase cochilando quando o som da porta se abrindo me despertou.

— Você está vivo! — Carter entra no quarto quase tropeçando, com o cabelo bagunçado e um sorriso bêbado no rosto. — Não acredito que perdeu essa festa, cara.

— Não estou com paciência hoje. — digo colocando minhas mãos atrás da cabeça e fechando os olhos.

— O que aconteceu agora? — Ele fechou a porta e se jogou na cama. — Você parece ainda mais irritado que o normal.

Suspirei fundo, mas não respondi. Carter era bom em provocar, mas nunca foi muito bom em perceber quando era melhor ficar calado.
Dylan continuou me encarando, esperando que eu respondesse, mas permaneci calado. Ele pegou o telefone do bolso e começou a mexer, mas era óbvio que queria arrancar alguma informação de mim.

— Você sabe que eventualmente vai me contar, né? — disse ele, balançando os pés no ar enquanto estava deitado. — Então por que não agora? Otimiza meu tempo, Jace.

— Dylan, pelo amor de Deus, vai dormir. — resmungo, virando o rosto para o lado.

— Tá bem, tá bem. Mas só se você parar de agir como um velho ranzinza. — Ele deu de ombros e se ajeitou na cama. — Quer saber? Essa festa nem foi tão boa. Faltou música decente, a bebida acabou rápido... E tinha uma garota que parecia... — Ele parou olhando para mim com uma expressão pensativa. — Ah, esquece isso.

— O quê? — perguntei, sem realmente querer saber.

— Nada demais. Só acho engraçado que você estava na minha cabeça quando e vi a garota. Sei lá, ela parecia... familiar.

Minha expressão endureceu, e ele percebeu, porque imediatamente levantou as mãos, se defendendo.

— Calma, não é quem você está pensando. Quer dizer, eu acho que não... Mas sério Jace, um dia você vai ter que resolver isso.

— Resolver o quê? — perguntei, tentando soar indiferente.

Ele deu um sorriso pequeno, mas não respondeu. Em vez disso, virou-se na cama, como se tivesse encerrado o assunto, e falou:

— Só acho que tem fantasmas demais nesse quarto, Barrett. Boa noite.

Fiquei encarando o teto por um bom tempo depois disso, as palavras dele ainda ecoando. Fantasmas. É, talvez ele estivesse certo.


✩ — Não se esqueça de votar!♥️

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