Fake smile
Student Apartment, Ann Arbor, Michigan —
Agora
Ivy
Aviso!
Este capítulo contém referências a abuso físico e emocional. Se você se sentir desconfortável com este tipo de conteúdo, sinta-se à vontade para pular para o próximo capítulo.
A porta do apartamento se fecha atrás de nós, e o som ecoa pelo silêncio da sala. Eu me esforço para parecer tranquila, mas meu coração ainda está batendo mais rápido do que deveria.
Tudo o que consigo pensar é no momento no parque. No quase beijo. Na maneira como o olhar do Jace me segurou ali, tão perto, mas ainda assim... distante.
— Acho que temos que adicionar "Lulu da Pomerânia" à lista de coisas que podem estragar um momento — Jace comenta, me arrancando dos meus pensamentos.
Eu solto uma risada curta, mas nervosa.
— Eles são fofos demais pra serem considerados um problema.
— Não discordo, mas... — Ele me olha de lado, um sorriso leve nos lábios. — Foi uma interrupção bem conveniente, você não acha?
Minha garganta seca, e sinto minhas bochechas queimarem. Ele está provocando, mas a pergunta esconde algo mais. Um entendimento que só o Jace poderia ter.
— É só que... — começo, mas não sei como continuar. Ele não pressiona. Apenas me encara, esperando pacientemente.
Suspiro e me forço a encarar o chão enquanto tiro os sapatos.
— Desculpa, tá? Não foi justo eu... me afastar daquele jeito.
Ele se aproxima, parando ao meu lado. Não invade meu espaço, mas está perto o suficiente para que eu sinta sua presença.
— Ivy, olha pra mim.
Eu respiro fundo antes de levantar os olhos.
— Tá tudo bem. — Ele diz isso com uma calma que quase me desmonta. — Sério. Você não precisa se desculpar.
— Mas eu...
— Não precisa — ele me interrompe suavemente. — Não quero que você se sinta pressionada. Eu sei o quanto isso significa pra mim, mas quero que seja especial pra você também.
Meu coração aperta. A sinceridade em sua voz, a maneira como ele não tenta esconder o que sente... é tudo tão Jace.
— Você sempre sabe o que dizer, né? — brinco, tentando aliviar o peso da conversa.
— Não sempre. Mas eu tô aprendendo — ele responde com um sorriso pequeno.
Reviro os olhos, mas um sorriso escapa mesmo assim.
— Vai tomar seu banho, Fantasminha. Você deve estar cansada.
— Tá me expulsando? — pergunto, cruzando os braços.
— Só tentando cuidar de você.
— Eu tô começando a achar que você gosta de mandar em mim.
— Talvez — ele diz, piscando antes de se afastar e se jogar no sofá.
No banheiro, enquanto a água quente escorre pelo meu corpo, os pensamentos voltam como uma onda. A verdade é que eu queria aquele beijo. Mais do que deveria. Mas não sei se estou pronta pra lidar com o que isso pode significar.
Quando saio, já vestida com meu pijama, encontro Jace ainda no sofá, mexendo no celular. Ele levanta os olhos e faz uma careta exagerada.
— Não sabia que pijamas vinham em tamanho infantil. — diz Jace, com certo sarcasmo na voz — Mas, eu ainda prefiro minha camisa de futebol em você.
— Muito engraçado, Jace — digo, revirando os olhos, mas não consigo conter o sorriso.
Ele ri, se levantando e caminhando na direção do banheiro.
— Minha vez. Não rouba meu lugar no sofá, hein?
— Não prometo nada.
Enquanto ele está no banho, me acomodo no sofá, mexendo no meu celular, mas não consigo parar de pensar no que ele disse. "Não quero que você se sinta pressionada." Como ele consegue ser tão compreensivo?
Quando ele volta, o cabelo ainda molhado e uma camiseta larga cobrindo parte do moletom que ele veste, ele me encara como se estivesse prestes a dizer algo.
— O que foi? — pergunto, semicerrando os olhos.
— Só tava pensando...
— Sobre?
Ele sorri, aquele sorriso fácil que sempre faz meu coração vacilar.
— Sobre como você é sortuda de ter alguém tão paciente quanto eu.
Eu rio, balançando a cabeça.
— Você nunca consegue ser sério por muito tempo, consegue?
— Não quando vejo você rindo assim — ele responde, e, por um momento, parece que o mundo fica mais leve.
— Vamos pro quarto. Você já tomou banho e provavelmente vai querer roubar minha cama se eu não correr antes.
— Eu jamais faria isso, se bem que aquela é a minha cama. — ele responde, fingindo indignação.
Eu me levanto, fingindo ignorá-lo, e ele me segue pelo corredor. Quando chegamos no quarto, Jace para na porta antes de entrar, me olhando com aquele sorriso de sempre. Ele se aproxima do sofá ao lado da minha cama e diz:
— Boa noite, Fantasminha.
— Boa noite, Jace.
E, enquanto me ajeito para dormir, percebo que, pela primeira vez em muito tempo, a ideia de deixar alguém entrar novamente não parece tão assustadora assim.
A luz suave da manhã atravessa a janela da sala de aula, iluminando as anotações que, honestamente, eu nem sei onde comecei a escrever. Minhas mãos continuam rabiscando palavras sem sentido, enquanto minha mente está em qualquer lugar, menos ali. No parque, na conversa com o Jace... Naquela tensão no ar, e no fato de que ele não me pressionou, mesmo depois de tudo.
— Ivy! — A voz de Claire me arranca do meu devaneio, e ela está me encarando com uma expressão entre cínica e preocupada. — Você está mais perdida do que o meu celular quando estou bêbada.
Eu respiro fundo, tentando me concentrar no que ela está dizendo, mas é difícil, porque, bem... eu estava imaginando o sorriso do Jace, a maneira como ele disse que estaria lá quando eu estivesse pronta.
— Desculpa, estava pensando em... estratégias de venda — digo, tentando soar convincente, mas a piada interna sobre como minha mente realmente estava à deriva não escapa.
Claire levanta uma sobrancelha, claramente não comprando a desculpa.
— Estratégias de venda, hein? E eu sou uma expert em comprar esse tipo de mentira.
Eu rio baixinho, mas logo faço uma careta, me distraindo de novo.
— É... só... Eu não sei, minha cabeça está em outro lugar.
Claire se recosta na cadeira e cruza os braços, dando de ombros.
— O que foi dessa vez? Deixa eu adivinhar: Jace.
Eu me endureço por um segundo, mas ela já me conhece bem demais para tentar esconder. É claro que ela percebeu, como sempre.
— Não foi exatamente um "desse vez", Claire — começo, me inclinando para frente. — Eu só... eu não sei o que estou fazendo. Parece que tudo aconteceu tão rápido, e eu estou com medo de que... sei lá, tudo dê errado.
Ela observa meu rosto com uma calma que só ela tem, e então solta um suspiro.
— Ivy, o Jace não é como os outros caras. Ele não vai te pressionar a fazer nada. Se ele realmente gosta de você, ele vai esperar o tempo que for preciso. Só não se sabote, por favor. Você merece algo bom.
As palavras dela ressoam dentro de mim, e eu só me pego tentando absorver tudo. Não estou acostumada a ser tão aberta, nem com ela, nem com ninguém. E, por mais que eu tenha uma enorme vontade de continuar me distraindo, o que ela disse fica comigo.
— Eu sei, mas... é complicado — eu admito, olhando para as anotações em branco, sem saber o que escrever.
Claire dá um sorriso suave e então se inclina para frente, fazendo um movimento dramático com a mão.
— Sim, é complicado. Mas você não vai saber até tentar, certo? Então, se você continuar fugindo, não vai chegar a lugar nenhum. Eu sou sua amiga, Ivy, não estou te julgando. Só não quero ver você deixando a oportunidade passar.
A professora então começa a falar sobre os novos conceitos de vendas e o que precisamos entender sobre o comportamento do consumidor, e meu olhar se perde na janela, tentando focar nas palavras, mas o pensamento sobre Jace volta. A gente pode estar num jogo de paciência, talvez, mas eu sei que não posso continuar correndo em círculos, não quando as coisas podem ser... diferentes.
— A gente vai falar sobre isso depois, tá? — Claire me interrompe, com um sorriso maroto, enquanto anota alguma coisa na folha. — E, Ivy... relaxa. O Jace pode até ser o cara mais intenso que você conhece, mas você sabe como ele é, não precisa fazer nada do jeito convencional.
Eu volto a olhar para a professora, mas as palavras de Claire ficam ecoando na minha mente. Talvez ela tenha razão. Talvez, o que realmente precisa acontecer é apenas deixar as coisas fluírem.
As portas da sala de aula se abrem e os alunos começam a sair apressados, em busca de suas próximas aulas ou apenas da liberdade de um final de tarde. Eu me estico na cadeira, tentando espantar a sensação de cansaço que se instalou nas minhas costas durante a aula de Estratégias de Venda.
— Você vem com a gente na hamburgueria? — Claire pergunta, me dando um empurrãozinho.
— Não, tô meio cansada, Claire. Talvez na próxima. — respondo, tentando soar casual, mas já sentindo a leveza de um momento em que posso finalmente relaxar. Estava precisando de um tempo sozinha, longe de todas as questões que ficaram me rondando.
Eu pego meu celular, ansiosa por ver uma mensagem qualquer que possa me distrair. Quando vejo o nome da minha mãe na tela, um arrepio corre pela minha espinha. Ela nunca foi boa em ser direta ou carinhosa, e cada mensagem dela sempre carrega um peso imenso, uma cobrança invisível que me faz sentir como se estivesse falhando de alguma forma.
"Estou no aguardo da sua visita, Ivy."
Eu fico ali, congelada, o celular pesando na minha mão, enquanto uma onda de emoções conflitantes invade minha mente. As memórias vêm à tona, como sempre, quando o nome dela aparece. O corte na nuca. As discussões. A dor de ser alguém invisível para ela, mesmo com o tanto de amor que eu sempre quis dar. Mas o medo de reviver tudo o que aconteceu, de abrir velhas feridas, é mais forte do que qualquer desejo de reconciliação.
Eu fecho os olhos por um momento, sentindo a pressão no peito. Eu sabia que esse dia ia chegar. Um dia ela iria cobrar que eu voltasse. Mas, por dentro, uma voz grita para eu não ir, para não dar mais uma chance ao passado. Não agora. Não com tudo o que estou tentando superar.
Claire está ao meu lado, mexendo no celular dela, mas seu olhar me encontra, como sempre. Ela sabe quando eu estou em algum tipo de conflito. Sabe que algo não está certo, mesmo quando eu tento esconder.
— Você vai responder? — ela pergunta, suavemente, tentando não invadir meu espaço.
Eu deixo o celular de lado por um momento, tomando uma respiração profunda antes de olhar para ela.
— Eu não sei. Não sei se eu deveria. Não sei se estou pronta.
Claire não diz nada, mas me dá espaço, me deixando lidar com o peso da mensagem. Eu não queria que ela soubesse de tudo o que minha mãe fez, mas, ao mesmo tempo, sei que ela já tem uma ideia.
— Às vezes, a gente precisa de tempo, Ivy. E você não é obrigada a fazer nada agora. Se não for o momento, tudo bem. Você tem o controle.
Eu olho para ela, tentando processar as palavras. Será que eu tenho o controle? A resposta parece clara: eu ainda estou presa em tudo o que aconteceu, como se a minha própria história estivesse fora do meu alcance.
— Eu vou responder mais tarde — digo finalmente, guardando o celular de volta na bolsa.
Claire só acena com a cabeça, compreendendo, e seguimos em direção à saída, mas a sensação de estar dividida entre o que minha mãe espera e o que eu realmente quero está pesando mais do que eu gostaria.
Chego no apartamento e está um silêncio absoluto. Claire e Dylan saíram para comer, e Jace deve estar no fim do treino. A ausência de barulho me traz uma paz temporária, mas minha mente continua uma bagunça.
Depois de largar minha mochila no canto, vou direto para o banheiro. Tomo uma ducha rápida, deixando a água quente tentar lavar o peso que sinto nos ombros. Quando saio, coloco uma roupa confortável e me jogo no sofá, buscando algo para distrair a cabeça. Coloco um jogo dos Lakers na TV, mas nem sei quem está jogando direito.
Meu celular vibra ao meu lado, e por um momento penso em ignorar. Quando vejo o nome na tela, sinto um arrepio que me congela.
Tina West.
Minha mãe.
Já era de se esperar.
O nome dela pisca na tela, e, por um instante, quase desligo o telefone. Mas, contra o meu instinto, atendo.
— Alô.
— Ivy. — Sua voz é fria, sem traço de emoção, exatamente como me lembro.
— Oi, mãe — respondo, sentindo minha garganta apertar.
— Achei que você fosse continuar me ignorando — ela diz, em tom de acusação.
Reviro os olhos, mesmo sabendo que ela não pode me ver. — Eu tava ocupada.
— Sempre está. Mas é bom que tenha atendido. Precisamos falar sobre você voltar a treinar.
Meu estômago revira. Era só uma questão de tempo até ela tocar nesse assunto.
— Mãe, eu já falei... — começo, mas ela me corta imediatamente.
— Não vem com desculpas, Ivy. Você já está longe das competições há tempo demais. Tá na hora de voltar a levar isso a sério.
— Eu tô focada na faculdade agora. Não dá pra conciliar tudo.
— Você acha que eu consegui tudo o que consegui ficando confortável? — Sua voz sobe, cheia de desprezo. — A patinação é sua vida, Ivy. Você nasceu pra isso. Não pra ficar brincando de universitária.
Minha mão aperta o celular com tanta força que mal sinto os dedos.
— Eu não tô brincando, mãe. Eu escolhi seguir outro caminho.
— Escolheu? Não me faça rir. Você tá se escondendo porque não aguenta a pressão. Sempre foi assim. Desde que ficou em segundo lugar naquela competição...
Eu congelo. Aquela competição. O dia em que tudo desmoronou.
— Não começa com isso, mãe — digo, minha voz mais firme do que eu esperava.
— Por que não? — Ela não se cala. — Você acha que fugir vai mudar alguma coisa? Que eu esqueci o que você fez?
Minha mão vai inconscientemente até a nuca, tocando a cicatriz que ainda está ali. O corte que marcou não só minha pele, mas também minha alma.
— Isso foi há anos. Eu era só uma criança.
— E já tinha idade suficiente pra saber que fracassar não era uma opção!
Fecho os olhos com força, tentando controlar a respiração.
— Eu não quero falar sobre isso, mãe.
— Claro que não quer. Você nunca quer. Sempre se faz de vítima, Ivy. Mas um dia, vai perceber que eu só quero o seu melhor.
— Se isso é tudo o que você tem pra dizer, eu vou desligar. — Minha voz é baixa, mas firme.
— Pense no que eu disse. E não demore muito pra vir me ver.
Ela desliga antes que eu possa responder, e eu fico ali, segurando o celular, encarando a tela como se ela fosse explodir. O silêncio volta, mas dessa vez parece ensurdecedor.
Tento me focar no jogo na TV, mas é inútil. As palavras dela continuam ecoando, cortantes como sempre.
O som da porta se abrindo me faz pular.
Jace entra, parecendo exausto do treino, mas seus olhos vão direto para mim. Ele para, me encarando por alguns segundos.
— Tudo bem, Fantasminha? — ele pergunta, deixando a mochila no chão.
— Tudo. Só cansada — minto, forçando um sorriso.
Ele arqueia uma sobrancelha, mas não insiste. Ele conhece bem demais meu jeito de lidar com as coisas.
Sem dizer nada, ele se aproxima e senta no sofá ao meu lado. Sua presença é reconfortante, mas não o suficiente para afastar o nó no meu peito.
Por impulso, me inclino para o lado e encosto a cabeça no ombro dele. Ele não reage de imediato, mas então ajusta a posição e passa o braço pelas minhas costas, deixando que eu me aconchegue mais perto.
— Tá tudo bem, Ivy. — Sua voz é baixa, calma.
— Só precisava de um minuto — murmuro, sentindo o calor do corpo dele diminuir a tensão que carregava desde a ligação.
Ele não diz mais nada, só fica ali, deixando que eu me distraia com o conforto da sua presença.
Por alguns minutos, ficamos em silêncio, e, pela primeira vez na noite, meu peito parece um pouco mais leve.
— Acho que vou dormir um pouco — digo, a voz saindo mais fraca do que eu gostaria enquanto me ajeito no sofá.
Jace olha para mim, preocupado, mas mantém seu tom leve.
— Dormir agora? Ainda é cedo.
— Eu sei... Só tô cansada.
Ele me estuda por um instante, como se pudesse enxergar através de mim, e então se levanta do sofá.
— Tá bom, mas espera aí. Vou tomar um banho rápido e fazer companhia pra você.
— Não precisa, Jace — murmuro, mas ele já está indo na direção do banheiro, balançando a cabeça.
— Preciso sim, West. Não quero que você fique sozinha.
Solto um suspiro, mas, lá no fundo, saber que ele vai ficar comigo me traz um pouco de conforto. Levanto-me do sofá e vou para o quarto, sentando na cama enquanto espero por ele. Minhas mãos descansam no colo, e minha mente vagueia por entre memórias e sentimentos que preferia ignorar.
Pouco tempo depois, Jace entra no quarto, ainda secando o cabelo com uma toalha. Ele está com uma camiseta cinza e um moletom que parecem ainda mais confortáveis do que o meu pijama.
— Melhor? — pergunto, tentando puxar algum assunto.
— Bem melhor. — Ele sorri, jogando a toalha em uma cadeira e caminhando até mim. — Você ainda tá com essa cara de quem tá carregando o mundo nas costas.
Eu abro um sorriso pequeno, mas não consigo manter por muito tempo.
— Você pode... ficar aqui comigo? — peço, a voz saindo mais baixa do que eu queria.
Ele para no meio do quarto, como se estivesse tentando entender o que ouviu.
— Aqui? Com você?
— É. — Respiro fundo e dou de ombros. — Só hoje. Eu... não quero ficar sozinha.
Jace não hesita. Ele dá alguns passos e senta ao meu lado na cama, me olhando com aquela intensidade calma que só ele tem.
— Tem certeza, Ivy?
— Tenho. — Encaro minhas mãos, mas logo olho para ele. — Eu confio em você, Jace.
Ele dá um sorriso pequeno, mas não fala nada. Ele só se deita, ficando do meu lado, e puxa o cobertor para nós dois.
Por alguns segundos, o silêncio toma conta do quarto, e eu fico imóvel, mas a sensação de ter ele ali, tão perto, faz com que algo dentro de mim relaxe. Hesitante, me aproximo, deitando minha cabeça em seu peito. Ele não diz nada, apenas ajusta a posição para que eu fique confortável.
— Tá melhor assim? — ele pergunta suavemente, a voz carregada de cuidado.
— Tá, sim — murmuro, sentindo o calor que emana dele e o ritmo constante de sua respiração.
Jace começa a passar os dedos pelos meus cabelos, em movimentos lentos e tranquilizantes. O gesto é tão natural e reconfortante que me faz fechar os olhos, deixando todo o peso que carrego se dissolver por um momento.
— Vê se relaxa, Vy. — ele sussurra, a mão ainda acariciando meus fios. — Eu não vou sair daqui.
Sinto uma pontada de emoção no peito, mas não respondo. Ao invés disso, deixo que o som de sua voz e a suavidade do toque dele me acalmem.
— Obrigada, Jace. — murmuro, quase adormecendo.
— Não precisa me agradecer. — Ele beija o topo da minha cabeça, tão rápido e delicado que quase parece um sonho. — Agora dorme. Eu tô aqui.
E, naquele momento, tudo parece finalmente um pouco mais leve.
A luz fraca do sol atravessa as cortinas do quarto, me acordando. Piscar algumas vezes é o suficiente para me lembrar que estou no apartamento de Jace e Dylan. Os últimos dias foram tranquilos — até agradáveis. Jace tem sido paciente, gentil... Ele sempre está por perto, sem invadir meu espaço.
Mas hoje, algo dentro de mim diz que não posso adiar mais.
Levanto devagar, encontrando Jace na cozinha. Ele está distraído, preparando café, com uma camisa branca e o cabelo bagunçado, ainda meio úmido do banho.
— Bom dia, Fantasminha — ele diz, virando-se para me olhar com um sorriso que aquece meu coração.
— Bom dia. — Minha voz sai mais séria do que eu planejava, e ele percebe.
— Tudo bem? — Ele franze a testa, se aproximando.
— Aham... é só...
Vejo a preocupação transbordando em seu olhar.
— Eu... decidi que vou ver minha mãe hoje.
Jace pausa, o sorriso desaparecendo, dando lugar a uma expressão de preocupação.
— Tem certeza?
— Tenho. É algo que eu preciso fazer, Jace. — Respiro fundo, tentando manter a calma. — Não posso fugir disso pra sempre.
Ele assente lentamente, deixando o silêncio ocupar o espaço entre nós antes de falar.
— Eu te levo até lá.
— Não precisa, Jace. Eu posso ir sozinha.
— Ivy, por favor. Só quero garantir que você vai chegar bem. — O olhar dele é firme, mas carinhoso.
Eu hesito, mas acabo concordando.
— Tá bem, se você insiste.
No caminho até a casa da minha mãe, o clima dentro do carro está tranquilo, mas há uma tensão subjacente. Jace tenta aliviar o peso da situação com uma conversa leve.
— Lembra quando a gente era pequeno e costumava imaginar como seriam as casas das celebridades? — ele diz, com um sorriso discreto.
Eu rio baixo, sacudindo a cabeça.
— Você achava que todo mundo tinha tobogã no lugar da escada.
— Ainda acho uma ótima ideia. — Ele me lança um olhar de canto, e por um momento, o nervosismo diminui.
Quando paramos em frente à casa, ele vira-se para mim, o olhar mais sério agora.
— Qualquer coisa, é só me chamar. Me manda mensagem, e eu venho te buscar. Tá?
— Tá bom. — Forço um sorriso e saio do carro.
Enquanto subo os degraus, sinto meu coração acelerar. Respiro fundo e bato na porta.
Assim que minha mãe abre a porta, a expressão dela é neutra, quase difícil de decifrar. Não há sorriso, mas também não há frieza imediata. Apenas um olhar de quem parece estar analisando cada detalhe.
— Ivy. — O tom é firme, mas não ríspido.
— Oi, mãe.
Ela se afasta um pouco, segurando a porta aberta para eu entrar. O ar dentro da casa é o mesmo de sempre: cheiro de café, madeira polida e algo que não sei explicar, mas que carrega o peso do passado.
— Você tá diferente. — A voz dela quebra o silêncio enquanto fecho a porta atrás de mim.
— Passaram-se anos, mãe. Acho que isso é normal.
Ela murmura algo baixo e segue em direção à cozinha, onde duas xícaras de café já estão prontas na mesa. Me sento devagar, observando o espaço que costumava ser tão familiar, mas que agora parece estranho, como se fosse de outra pessoa.
Ela toma um gole do café e me encara, os olhos avaliadores.
— Então, o que te trouxe aqui?
— Eu pensei que seria bom... vir. — Seguro a xícara entre as mãos, sentindo o calor na ponta dos dedos. — Faz tempo que a gente não conversa. E, a senhora queria me ver.
— Faz tempo porque você quis assim. — A frase é direta, mas o tom não tem raiva. Apenas uma constatação.
Engulo em seco, desviando o olhar.
— Não é tão simples assim.
Ela balança a cabeça, olhando para a janela por um momento antes de voltar para mim.
— Você ainda tá patinando? — A pergunta vem de repente, mas o tom é casual, como se não carregasse o peso que realmente tem.
— Não como antes. — Minha resposta sai hesitante.
— Não como antes? — Ela arqueia uma sobrancelha, apoiando os cotovelos na mesa. — E o que isso significa?
— Significa que eu treino quando quero. Que agora eu faço isso por mim, e não por medalhas ou troféus.
— Medalhas ou troféus são o que definem uma carreira, Ivy. — A rigidez no tom dela começa a aparecer. — Você acha que cheguei onde cheguei fazendo só por diversão?
— Mãe, eu não tô dizendo que o que você fez foi errado. Só que eu não quero o mesmo pra mim.
Ela suspira, longa e pesada, como se estivesse tentando conter algo.
— Eu só queria que você fosse a melhor. Sempre foi isso. — Ela dá um gole no café, mas seus olhos não saem de mim. — Você tinha tanto potencial.
— Tinha? — A palavra sai antes que eu possa me conter.
Ela não responde, mas o silêncio diz tudo.
— Eu ainda sou boa no que faço, mãe. Eu só escolhi um caminho diferente.
— Diferente... — Ela repete, como se testasse a palavra na língua, mas há algo afiado na voz dela. — E o que você conseguiu com esse caminho diferente?
Meu peito aperta, mas eu tento manter a calma.
— Paz, mãe. É isso que eu consegui.
Ela ri, mas é um riso sem humor.
— Paz não paga as contas, Ivy. Paz não te coloca no topo.
Eu aperto a xícara nas mãos, tentando não deixar a raiva transparecer.
— Nem tudo é sobre o topo.
— É exatamente isso que pessoas medíocres dizem.
A palavra corta como uma faca, mas eu respiro fundo, recusando-me a ceder à provocação.
— Mãe, eu vim aqui pra tentar conversar, não pra discutir.
— Eu também, Ivy, mas você não facilita. — O tom dela se eleva levemente, mas ela ainda está contida.
Por um momento, o silêncio toma conta da cozinha. Eu olho para a janela, onde os raios de sol atravessam as cortinas, tentando me agarrar a qualquer coisa que não seja a sensação de estar regredindo anos em nossa relação.
— Você lembra daquela competição em Michigan? — Ela muda de assunto, mas a pergunta não me alivia. O mesmo assunto que ela tocou na ligação.
— Como eu poderia esquecer?
— Foi ali que você mostrou do que era feita. — Ela sorri, mas é um sorriso forçado. — Até aquele segundo lugar.
Meu coração aperta. Eu sabia que isso viria à tona.
— Eu fiz o meu melhor naquele dia.
— Mas não foi o suficiente, foi?
A rigidez na voz dela finalmente me faz soltar a xícara na mesa com um leve estrondo.
— Mãe, eu não vim aqui pra reviver isso. Faz tempo, já.
Ela se levanta, cruzando os braços.
— Não, você veio aqui pra o quê? Pra me dizer que jogou tudo fora? Que virou uma sombra da patinadora que você era?
— Isso não é justo.
— A vida não é justa, Ivy. Você tinha tudo! E jogou fora porque não conseguiu lidar com um pouco de pressão.
A tensão explode.
— Um pouco de pressão? Mãe, você me fez acreditar que eu não era nada além de uma patinadora! Você... — Minha voz falha, e eu sinto as lágrimas se formando. — Você me machucou.
Tina se aproxima, as palavras cheias de frustração ainda saindo de sua boca enquanto eu tento me manter firme. O ambiente parece apertado, sufocante, como se o ar tivesse se tornado pesado demais para respirar.
— Você nunca entende, não é, Ivy? Nunca consegue ver o que eu fiz por você! Tudo o que eu sacrifiquei! — A voz dela aumenta, carregada de uma fúria que me faz recuar ligeiramente.
— Eu entendo, mãe. Eu sempre entendi. Mas nada disso justifica o que você fez comigo! — Minha voz se quebra no final, e percebo tarde demais que minha fraqueza a irrita ainda mais.
Ela dá um passo adiante, ficando a poucos centímetros de mim.
— Justifica, sim! Você precisava aprender, precisava ser dura, precisava ser forte! — O tom dela é quase um grito agora, as mãos dela se movendo de forma nervosa.
— Ser forte não significa viver com medo de você! — Eu me levanto da cadeira, sentindo as lágrimas queimando meus olhos, mas tentando me manter firme.
E então, sem aviso, a mão dela se ergue, e o estalo é alto e frio. A palma dela atinge meu rosto com força suficiente para me fazer cambalear para trás.
— Isso é pra você entender de uma vez por todas quem você deveria ser! — Ela grita, mas eu mal consigo ouvi-la. Minha cabeça lateja, e o calor na minha bochecha se espalha pelo meu rosto.
Eu levanto o olhar, atônita, apenas para vê-la pegando algo da mesa — um pano ou uma toalha — e atirando no chão com força.
— Você é fraca, Ivy. Sempre foi. — O tom dela é venenoso, e mesmo assim, não consigo afastar os olhos dela.
Ela se aproxima mais uma vez, e dessa vez, a palma da mão dela empurra meu ombro com força, me fazendo tropeçar para trás.
— É por isso que você nunca será como eu fui. — A frase corta mais fundo do que o tapa.
— Talvez seja porque eu nunca quis ser como você! — A dor e a raiva explodem de mim, minha voz alta o suficiente para ecoar pela cozinha.
Isso a faz parar, mas só por um momento. E quando ela volta a se mover, sua raiva é ainda mais feroz.
— Você não tem o direito de falar assim comigo! — grita Tina, levantando a mão novamente.
Eu instintivamente me encolho, mas dessa vez não é um tapa. Ela pega uma das xícaras de café na mesa e a atira contra a parede, onde ela se quebra em pedaços, o líquido escorrendo.
— É melhor você ir embora antes que eu perca o resto da paciência! — Ela aponta para a porta, a respiração pesada e o rosto vermelho de raiva.
Eu fico parada, o corpo tremendo enquanto tento absorver tudo o que acabou de acontecer. Minha mente está em choque, e eu sinto as lágrimas rolarem livremente agora.
Sem dizer uma palavra, viro as costas e saio, sentindo meu coração pesado como uma pedra.
Assim que estou do lado de fora, me sento nos degraus, o mundo ao meu redor um borrão. Meu telefone está nas minhas mãos, e antes que eu possa pensar duas vezes, mando uma mensagem para Jace.
"Eu só preciso de você aqui comigo. Por favor."
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