34 - Origens

Eu não fazia ideia do que ia acontecer comigo, com o Pete ou com o Klay da outra realidade que estava preso em minha mente. Por mais que conseguisse ver parte do futuro com meus dons, o que estava acontecendo era um caminho incerto. Eu tinha força o suficiente para manter aquela minha versão atormentada presa, mas sabia que ele não resistiria por muito tempo.

Pete me acompanhou até a casa da minha mãe naquela manhã, onde minha avó estava morando com ela, seu novo marido e minha meio-irmã. Por sorte, minha mãe e o novo marido não estavam em casa.

— Estava esperando vocês — disse minha avó, abrindo a porta da frente antes mesmo de tocarmos a campainha.

— Desculpe te incomodar hoje, vovó — falei, abraçando-a.

Foi a primeira vez que Pete foi na casa da minha mãe. Ele parecia tenso, com medo e desconfortável. Meu namorado estava tão preocupado com aquela situação quanto eu, principalmente depois de eu ter explicado tudo com mais detalhes antes de chegarmos.

— Seu namorado é uma graça, Klay — disse vovó, enquanto servia o chá.

— Obrigado. — Ele agradeceu, acanhado.

Suspirei depois de sorrir, feliz por aquele momento

— Queria visitar a senhora mais vezes, mas...

— Eu entendo o motivo de você não vir, querido. Está tudo bem!

— Mamãe foi trabalhar? Achei que ela ainda estava de licença.

— E está, mas como eu sabia que vocês viriam, arrumei uma desculpa para tirá-los de casa.

Pete franziu o cenho e pareceu prender a respiração.

— Ela sabia que a gente viria? — perguntou, cochichando próximo a meu rosto quando vovó se virou para pegar o açúcar no armário.

Balancei a cabeça positivamente e segurei firme na mão dele. Meu namorado parecia ter medo da minha avó... Ou talvez medo do que ela poderia nos dizer.

— A senhora deve saber o motivo de estarmos aqui, não é?

— Tenho uma ideia, mas confesso que estou um pouco confusa.

— Com o quê?

Vovó colocou o açúcar na mesa em que estávamos, se aproximou e cuidadosamente segurou meu rosto com as mãos. Ela sorriu, apesar de parecer preocupada. Olhou fixamente em meus olhos por pouco mais de um minuto.

— Você é forte, querido — disse, me soltando para abrir o pote de açúcar e adoçar nossos chás. — Você tomou a decisão certa, mas se o seu plano dará certo, não dependerá só de você.

— Como assim? — perguntei, ansioso.

Vovó não tinha tantos dons quanto os meus. Ela conseguia ver parte do futuro em sonhos e algumas vezes em borras de café ou folhas de chá. Ela conseguia sentir as emoções das pessoas, compreendê-las e até acalmá-las. Vovó também conseguia ver e falar com pessoas desencarnadas, um dos dons que eu tinha, mas preferia bloquear.

— Nossa família é antiga, Klay — disse, sentando comigo e com o Pete à mesa. — Nossos antepassados eram cientistas da natureza. Eles herdaram nossos dons da terra, das águas, da flora, fauna e me atrevo a dizer que até de visitantes de outros planetas.

— Outros planetas? — questionou Pete, intrigado.

— Você não acha que está sozinho neste universo, acha? — respondeu vovó, descontraidamente. — Existem outros planetas habitados por seres superiores por aí.

— Está falando de extraterrestres, vovó? — perguntei, curioso.

— Extraterrestres não é bem o nome que eles gostam de ser chamados, mas sim! — respondeu.

Quando eu era pequeno, vovó me contou histórias de visitantes de outros planetas. Ela contou que muito antes do mundo que conhecemos existir, haviam seres que nos visitavam e até que viviam por aqui. Com o avanço da civilização na terra, essas visitas se tornaram cada vez menos frequentes, até que eles desapareceram de vez de nosso convívio.

— A senhora está dizendo que a família de vocês tem origem extraterrestre? — perguntou Pete.

— Nossa origem é humana, meu rapaz — respondeu, sorrindo. —, mas nossos dons não são.

Pete e eu trocamos olhares. Eu queria rir, mas sabia que vovó estava falando sério. Era a primeira vez que ela falava da origem dos dons de nossa família.

— Nossos dons atravessaram gerações, não é? — perguntei.

— Sim, mas confesso que desconheço alguém que foi capaz de fazer o que você faz, Klay — disse vovó. — É muito poder! Não devia ser possível um humano chegar a tanto, mas...

— Mas...? — perguntei, querendo ir além e obter mais respostas.

— Como eu disse, você é forte. — Vovó continuou. — Aquele que está preso em sua mente também é forte, talvez até mais que você por toda a dor que está carregando.

— O que tenho que fazer para superar isso? — perguntei, esperançoso.

Vovó bebeu mais um gole de chá, mas não respondeu minha pergunta. Pensativa, ela fechou os olhos e respirou fundo. Vovó parecia não ter todas as respostas que eu esperava, mas estava tentando ajudar.

— Não acho que você possa contra ele, querido — disse, tranquila. — Se vocês se enfrentarem mais uma vez, você vai perder.

— Como?! — exclamou Pete, surpreso.

— Vou perder? — questionei, já atordoado. — Então o que posso fazer?

— Como eu disse, você tomou a decisão certa, mas de uma forma errada — respondeu, pegando em minha mão e juntando com a do Pete. — Talvez você tenha que manter esta decisão, só que de uma forma diferente.

Pete já estava inquieto ao meu lado. Eu estava acostumado a ouvir minha avó falar daquela forma misteriosa e entendia onde ela queria chegar.

— Acha que isso resolveria? — questionei, com medo do caminho que vovó queria que eu tomasse.

— Siga seu coração, querido — respondeu. — Afinal, ele não é diferente de você.

Respirei fundo, fechei os olhos e por um instante tentei observar o que o Klay que estava em minha mente estava fazendo. Ele estava feliz ao rever o Pete da realidade que tinha criado. Tudo que ele mais queria era revê-lo, conversar e se redimir com ele.

— Acho que sei o que tenho que fazer, mas... Tenho medo de fazer e ele se machucar.

— Talvez ele saiba disso, mas não se importe.

— Do que vocês estão falando? — questionou Pete, confuso.

Abri os olhos, olhei diretamente para o meu namorado e me aproximei com cuidado para beijá-lo.

— Só você pode me ajudar, Pete.

Depois de matar a saudade que eu tinha da minha avó por mais alguns minutos, Pete e eu fomos embora. Eu sabia o que precisava fazer, mas tinha medo das coisas saírem do controle. O Klay que estava em minha mente era muito poderoso, então soltá-lo era um risco para o meu Pete, para mim, para as pessoas da minha realidade e até para ele mesmo. Eu não fazia ideia do que ele seria capaz de fazer.

— Pode me explicar o que aconteceu? — perguntou Pete, assim que chegamos no meu apartamento. — Você ficou pensativo durante toda a nossa volta, amor.

— Tenho que deixar o Klay que está em minha mente assumir o meu lugar, Pete.

— O quê?! Você ficou maluco?!

— É o único jeito!

Ele se aproximou para segurar meu rosto e me olhar diretamente.

— Você vai deixar ele tomar o seu lugar? O que vai acontecer com você?!

— Eu posso me proteger por um tempo e ficar no lugar dele. Tem que ser um tempo suficiente até que você...

Ele me encarou, desconfiado.

— Se não fosse o seu corpo, eu não sei o que seria capaz de fazer com ele, Klay!

— Só você pode convencê-lo a desistir, Pete — comentei, esperançoso. — Só você pode mostrar a ele que o que está fazendo não vai resolver nada!

Meu namorado começou a ficar inquieto. Ele andava de um lado para outro coçando a cabeça, suspirando e estalando os dedos.

— Você quer que eu o convença?

— Sim!

— Ficou maluco?!

— Se não for assim, ele vai me vencer, Pete. Não tenho forças para lutar contra ele de novo. Posso ver a fantasia que ele está vivendo em minha mente e... Não vai demorar até ele perceber tudo e me destruir de dentro para fora.

Pete parou, colocando as mãos na cintura. Ele estava com medo, pois sempre tentei deixá-lo longe dos problemas que os dons que eu tinha me causavam.

— Tudo bem! — exclamou, ansioso. — O que tenho que fazer?

...

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