32 - Colisão

– Momento da possessão –
– Realidade 02 –

Era inútil tentar resistir a todo aquele poder. Se eu continuasse tentando lutar estando consciente, perderia com facilidade. A melhor alternativa era enfrentar o que quer que estivesse me atacando em um lugar onde eu tivesse total controle...
Em minha mente.

Quando meu corpo desligou, consegui elevar meus poderes ao nível máximo. Construí um prisma ilusório em minha mente onde qualquer um que caísse ficaria preso. Apesar de exposto, meu corpo estava protegido por qualquer tentativa de possessão... por enquanto.

— Consegui! — exclamou uma voz ansiosa e familiar. — Não acredito que consegui!

— Quem disse isso? — perguntei, ainda sozinho em um infinito e acinzentado espaço vazio.

— Vou ver o Pete de novo! — continuou. — Vou conseguir me redimir e ficar ao lado dele!

— Você é outra versão de mim?! — perguntei, me concentrando para tentar encontrar o dono daquela voz. — Você está aqui para tentar invadir minha realidade, não é?!

Ele não conseguia me ouvir. Aquele Klay Nivans estava distraído e eufórico por pensar que tinha alcançado seu objetivo.
Não demorei a localizá-lo. Aquela minha versão estava perdida, confusa e andando de um lado para outro no vazio que eu tinha criado. Mesmo feliz por sua conquista, ele parecia triste e sombrio. Sua alma parecia pesada, a aura estava sombria, mas seus poderes eram ameaçadores demais para eu baixar a guarda.
Enquanto me aproximava, consegui sorrateiramente entrar em suas lembranças. Aquele Klay Nivans estava pensando no Pete Praves de sua realidade... Um Pete mais novo, de cabelos pretos e estilo mais social. Os vi em momentos de alegria, leveza e intimidade. Uma a uma, diversas lembranças do que aquele Klay tinha vivido com o Pete em sua realidade começaram a preencher aquele espaço vazio. Com seus dons, aquele Klay estava criando uma realidade dentro do prisma que eu tinha construído. Ele parecia ignorar que ainda estava preso em minha mente.

— Klay? — chamei, convencido de que era melhor ajudá-lo.

— Hãn?! O quê?! — questionou, conseguindo me escutar pela primeira vez.

— O que faz aqui? — perguntei, me aproximando. — Você precisa de ajuda?

A expressão dele mudou quando me viu.

— O que faz aqui?

— Eu sou você, mas desta realidade.

— Você não devia estar aqui.

— Como não? Eu sou o Klayton Nivans desta realidade. Você que não devia estar aqui.

Assim que me viu, seus olhos começaram a brilhar em um tom amarelado. O mesmo que eu tinha visto há poucos instantes no espelho do banheiro do meu apartamento.

— Você não vai tirar esta realidade de mim — disse, em tom de ameaça.

— Não quero tirar nada de você, Klay — comentei, me aproximando com um pouco mais de cautela. — Quero ajudar você.

— Me ajudar?

— Sim!

— Não preciso da sua ajuda. Preciso que você saia do meu caminho!

Parei. Por mais que estivéssemos em minha mente, não me sentia seguro. Eu não sabia do que aquela versão de mim mesmo era capaz. Seus poderes pareciam maiores que os meus. Se ele tinha conseguido chegar até ali, eu não tinha certeza se era capaz de contê-lo naquela prisão invisível. Talvez ele estalasse os dedos e toda a proteção que criei quebraria em milhares de pedaços.

— É mais complicado do que pensa — alertei, já preparado para qualquer que fosse sua reação. — Você não pode invadir esta realidade e tomar o meu lugar.

— Não estou tomando o seu lugar..., estou ocupando um lugar que é meu! Você é apenas uma outra versão de mim. Tudo que é seu, é meu por direito.

— Este é o meu lugar, Klay! Viajar por realidades é um dom raro que não deve ser usado para satisfazer desejos pessoais.

— É melhor não se opor e não ficar no meu caminho!

Seus olhos brilharam mais intensamente. Apesar do tom de ameaça, ele não havia se dado conta da prisão que o cercava. Aquela era uma boa vantagem, mas estar ali me tornava vulnerável. Um corpo não vive sem a sua respectiva mente e, se ele fizesse algo contra mim, poderíamos ficar presos naquele prisma para sempre.

— Estou tentando te ajudar aqui, Klay!

— Por que acha que quero sua ajuda?

— O último Klayton Nivans que tentou me possuir não conseguiu voltar para sua realidade de origem. A alma dele provavelmente ficará vagando eternamente entre realidades, sem conseguir entrar em nenhuma delas. A ligação que ele tinha com o corpo dele foi perdida, então...

— Isso não vai acontecer comigo. Tenho força o bastante para manter minha ligação com minha antiga realidade.

Era inútil. Por mais sombrio que aquele Klay parecesse, era notável que ele estava apenas descontrolado. Eu conseguia sentir luto, tristeza e revolta vindo dele. Era diferente dos Klays que eu já tinha encontrado..., porém mais poderoso que todos eles juntos.

— Sei porque você está aqui — comentei, amigavelmente. — O Pete da sua realidade está morto, não é? Você fez tudo que podia para ajudá-lo, mas foi em vão, certo?

— Ele estava vivo e bem até eu estragar tudo — disse, pesaroso. — Ele teria uma longa vida se eu não fosse burro, teimoso e imprudente.

— O que você fez?

— Liberei esta maldição! Bilhares de pessoas em meu mundo e eu tinha que ser uma das que tem essa maldição!

— Que maldição?

— Esses dons, não é obvio?! Você por acaso gosta de ter esses dons? Te favorece de alguma forma? Eles o ajudam?

Suspirei. Era impossível não me colocar no lugar dele, afinal eramos a mesma pessoa. Durante anos questionei minha existência e os dons que tinha. Demorei muito para me aceitar e sair do buraco escuro que tinha me colocado. A pessoa que trouxe luz e esperança na minha vida era a mesma que aquele Klay havia perdido e ansiava tanto em reencontrar em minha realidade.

— Foi o que pensei — continuou, quando viu que eu não responderia as perguntas. — Você teve a sorte de não perder o seu Peter Praves. Teve a sorte de não ser estupido o bastante para liberar seus dons.

— Liberar meus dons? Nunca precisei liberar meus...

— Prometo que vou cuidar dele no tempo que estiver em seu lugar.

— Klay...

— Espero que você entenda... Não é minha intenção te machucar, mas você precisa sair do meu caminho.

— Espera, Klay!

Antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, minha versão sombria estendeu a mão em minha direção. Senti meus braços e pernas congelarem, e minha alma arder como se meu corpo pegasse fogo. Haviam linhas amareladas em minha volta, como se o poder daquele Klayton Nivans se materializasse e me prendesse com correntes.

— Você não é assim, Klay! — exclamei, enquanto tentava me soltar.

— Você não faz ideia de como eu sou!

— Faço sim! Faço porque sou você!

Aproveitei da vantagem que estávamos em minha mente para mudar a prisão que eu tinha criado. De um espaço vazio e infinito, moldei o ambiente para o reflexo de um prédio abandonado. O mesmo prédio que antes era um dos armazéns da loja que meu pai e eu tínhamos sociedade. Confuso com a mudança, minha versão sombria se distraiu por um instante observando as paredes rachadas e pichadas daquela construção em ruínas. Aquela distração foi o bastante para eu conseguir me soltar.

— O que é isso? — perguntou, em um tom mais ameaçador.

— Você está na minha realidade, esqueceu?! — respondi, aparecendo imediatamente atrás dele.

Meus olhos arderam quando o prendi da mesma forma que ele havia feito comigo. Correntes azuis rodeavam seu corpo, mas não pareciam ter o mesmo efeito que as dele tiveram sobre mim.

— Não estamos em sua mente?! — questionou, parcialmente congelado. — Por que dói tanto?

— Tudo que acontece com sua alma, acontece com seu corpo — respondi, me esforçando para mantê-lo preso. — Por isso não quero te machucar, Klay. O que acontecer com sua alma aqui, seu corpo também sofrerá.

— E o que acontece se você desaparecer? Minha alma assume o seu corpo?!

Uma explosão de energia amarelada fez minhas correntes quebrarem. Minha versão sombria correu em minha direção e me empurrou com tanta força que fez o reflexo que eu havia criado quebrar, espatifando e nos empurrando juntos novamente para o vazio.
Enquanto lutávamos, criei outras ilusões para distraí-lo. Entre socos, chutes e descargas de energia, consegui escapar quando o atordoei com uma joelhada no rosto. Naquele momento estávamos em um ambiente hostil, com o solo coberto por uma terra preta, árvores e flores mortas e um céu avermelhado, parcialmente coberto por nuvens cinzentas.

— Podemos sangrar aqui? — questionou, limpando o sangue do canto da boca.

— Pela última vez... — falei, me mantendo invisível naquela ilusão. — Não quero te machucar, Klay! Você não é assim! Eu sinto e quase vejo o seu coração! Você precisa de ajuda!

— Quer me ajudar?! Só preciso de uns dias na sua realidade! Já mandei sair do meu caminho!

Ele levantou, mas seus pés não permaneceram por muito tempo no chão. Canalizando energia, minha versão sombria começou a flutuar. Seus olhos, que antes só as pupilas ficavam amareladas, agora estavam completamente tomados por um amarelo intenso. Todo o poder que ele canalizava, vinha da dor que sentia. Ele estava prestes a explodir e facilmente perderia a ligação que tinha com seu corpo em sua realidade de origem. Por muito menos o Klayton Nivans que conheci anteriormente havia se perdido... Eu não podia permitir que aquele se perdesse também.

— Vou sair do seu caminho — menti. — Não consigo lutar contra você.

— Entendeu agora?! — disse, orgulhoso, porém intimamente derrotado. — Você não pode lutar contra mim! Eu só preciso... Só preciso consertar as coisas!

— Você quer minha vida, não é?! Eu vou te dar!

Consciente de que tinha o controle, comecei a diminuir e lacrar a prisão que estávamos. Ele precisava se acalmar, ou explodiria e se perderia para sempre. Na prisão, moldei uma versão espelhada da minha realidade. Com o tempo ele perceberia que era uma farsa, pois por mais que eu tivesse o controle, seu poder era muito grande. Ele conseguiria alterar e até moldar aquela realidade dentro da minha mente, mesmo que inconscientemente. Tudo que eu precisava era de tempo para descobrir como ajudá-lo.

...

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top