28 - Pânico
- 14 dias antes -
O trajeto até a casa da tia do Phillip foi mais longo do que eu imaginava. Não havia trânsito, mas a insistência dele em conversar comigo tornava a viagem maior e mais entediante. Tentei ignorar no começo, mas quanto mais ele tentava puxar assunto, mais constrangido eu ficava de não responder... Afinal ele estava me ajudando.
— Obrigado pela ajuda, Phillip — falei, coçando a nuca. — É muito gentil da sua parte dada a forma que venho te tratando.
— De nada! Tenho certeza que você é um cara legal, Klay. Não imagino os problemas que você está enfrentando, mas é notável que age assim comigo por ter muitas coisas na cabeça.
Franzi o cenho e desviei meu olhar para ele.
— Notável?
— Sim! A primeira vez que o vi com o Arth, você estava retraído, pensativo... Depois, quando te vi na livraria, você parecia determinado, concentrado... Sem falar que deve ser muito difícil perder alguém que a gente ama tão prematuramente.
— Err... É sim!
— Não me importo se você é seco e grosso comigo. Quanto mais me bate, mais gosto de você!
— Eu não bato em você! — exclamei, revirando os olhos.
— Você me maltrata! Você esmaga meu coração e meus sentimentos!
— Cala essa boca, Phillip!
Ele riu e quase me fez rir também, mas segurei a vontade. Phillip era um rapaz legal e provou isso não levando minha grosseria e rispidez para o lado pessoal.
— Estamos chegando — avisou, apontando para uma das casas mais a frente.
Minha intuição dizia que eu encontraria algumas respostas.
- Dias atuais -
Eu estava atordoado. A tarde parecia não querer terminar na KN Store e eu não tinha mais nada para fazer. Todo o trabalho estava concluído, mas voltar para casa não era uma opção. Pete ainda estava na loja revisando e separando as melhores fotos para a campanha com o Nathan. Phillip havia voltado para casa... e eu ainda não fazia ideia de onde ele morava. Todo o setor administrativo estava vazio. A loja estava movimentada, mas os vendedores não costumavam ir até a administração. Sempre que aparecia um problema, ele passava pela gerência antes de chegar até minha sala..., e quase nunca apareciam problemas.
Minha fome estava controlada, mas meu corpo começou a pesar e senti uma preguiça fora do comum. Abaixei a cabeça sobre minha mesa, dei um longo bocejo e me permiti fechar os olhos por alguns segundos. Eu não tinha a intenção de dormir. Muitas coisas estranhas estavam acontecendo, então eu precisava ficar alerta caso alguma coisa mudasse.
...
Abri os olhos e levantei a cabeça da mesa, assustado com o barulho do telefone. Havia anoitecido, então eu tinha adormecido sem perceber. Olhei em volta e percebi que as coisas pareciam diferentes. A atmosfera estava pesada, a decoração da sala parecia mais sombria e até as roupas que eu usava haviam mudado.
— Droga! — resmunguei, preocupado.
O telefone continuava tocando, mas não dei importância. Fui até a porta ver se tinha alguém trabalhando no setor administrativo, mas constatei que eu estava sozinho. Voltei para a minha mesa ainda atordoado e atendi o telefone que estava começando a me enlouquecer com todo aquele barulho.
— KN Store... Alô? — falei, sentindo minha voz falhar.
— Olá, Klay — respondeu uma voz rouca e robotizada.
— Sim?!
— O que você faz sozinho em sua loja em uma noite de sábado?
— Trabalhando, é claro! Quem é?!
— Você me conhece, mas não sei se vai gostar de saber com quem está falando.
Cocei os olhos e mexi o mouse para religar a tela do computador.
— É algum tipo de trote?
— Não sou de fazer trotes. Prefiro fazer perguntas.
— Ah, jura?! Então pergunte logo antes que eu perca a paciência e desligue o telefone.
— Qual é seu filme de terror favorito?
Não segurei a vontade de rir. Eu já tinha visto aquele filme.
— Okay, você me pegou! Quem é? Phillip?! Nathan?!
— Alguém que você não gostaria de cruzar em uma loja escura e deserta.
— Certo! Isso é muito filme de terror dos anos noventa! Por acaso você é o assassino impiedoso com uma máscara branca?
— Sim...
— E eu sou a vítima inocente que está prestes a morrer?
— Não tão inocente, mas está certo!
— Seja quem for, essa brincadeira é tão ultrapassada e idiota que eu teria vergonha de assumir a autoria dela.
— Não será brincadeira quando eu te estripar e te pendurar pelo pescoço na frente da loja!
Levantei da minha cadeira já sem paciência com aquela brincadeira. Aquela realidade estava ficando tão louca que as pessoas a minha volta também estavam enlouquecendo?
Antes que eu conseguisse desligar o telefone, uma pessoa vestida de preto com uma máscara branca parecida com a de filmes de terror entrou em minha sala arrombando a porta e correndo em minha direção. Consegui desviar do primeiro golpe de faca e cai com ele no chão do escritório. Meu computador, pastas com fotos, documentos e meu porta-canetas também caíram. Aquilo não parecia uma brincadeira de mal gosto. Aquela pessoa encapuzada queria me matar.
Depois de rolarmos no chão, o encapuzado misterioso se colocou em cima de mim e tentou esfaquear meu rosto, mas consegui evitar o golpe com meus dons no último segundo.
— Quem diabos é você?! — questionei, sentindo meus olhos arderem como sempre ardiam quando eu usava demais os meus dons.
O empurrei com toda a força que minha mente conseguiu para que ele saísse de cima de mim. O mascarado bateu com as costas na parede da sala e caiu ajoelhado. Ele parecia atordoado, mas não machucado o bastante para parar com o ataque.
Levantei rapidamente e corri para fora da sala deixando meu celular e as chaves do carro para trás. Para a minha surpresa, a loja já estava fechada e todos os vendedores, caixas e a gerência já tinham ido embora. Um barulho estridente começou a ecoar pelos corredores. A luz começou a piscar e aquele clima de filmes de terror a pairar pelo ambiente.
— Isso só pode ser piada — falei, antes de olhar para trás.
O assassino mascarado estava raspando a faca nas araras vazias de roupas, vindo em minha direção. Continuei correndo até o elevador para ter acesso ao segundo andar. Eu não lembrava de ter um elevador ali... Aquele era mais um detalhe que tinha mudado de repente naquela realidade.
Consegui entrar no elevador e subir para o segundo andar. Assim que as portas abriram, corri para o setor de arte e design, em direção ao estúdio de fotografias.
— Pete! — exclamei, assim que o vi trabalhando em sua mesa.
— Klay?! — questionou, parecendo surpreso em me ver.
— Graças a Deus você ainda está aqui!
Pete me abraçou, acariciando minha nuca. Fiquei aliviado quando o vi, pois dado o meu histórico com o Pete da minha realidade de origem, ter um assassino a solta era uma ameaça que eu tinha que me preocupar.
— Você tá tremendo, amor — disse, ainda abraçado comigo.
— Tem uma pessoa... um homem mascarado atrás de mim! — exclamei, olhando com insistência para o elevador.
— Homem mascarado?
— Ele tá usando uma roupa preta, uma máscara branca e está com uma faca! Ele tentou me matar na minha sala!
— Como assim, Klay?!
— Eu devo estar sonhando! Eu só posso estar sonhando! Isso não devia acontecer nesta realidade...
— Klay?!
— Muitas coisas estão mudando e muito rapidamente. Eu não consigo mais controlar.
— Do que você está falando, amor?! Se acalma e me explica, por favor?!
Não dava tempo de explicar. A porta do elevador abriu e o assassino mascarado saiu dele fazendo todas as luzes do andar piscarem, exatamente como em filmes de terror. Eu sabia que podia lidar com ele, mas algo me impedia. Eu podia usar meus dons, derrubá-lo e até matá-lo se eu quisesse, mas havia uma trava em mim... Como se eu não pudesse mudar o que estava para acontecer.
— Dois coelhos, uma faca! — exclamou o mascarado, ainda com aquela voz rouca.
— Quem é você?! O que quer?! — perguntou Pete, se colocando na minha frente.
— Ver como vocês são por dentro — respondeu, antes de uma risada clichê de filmes.
Pete avançou contra o assassino, mas foi esfaqueado no abdome, caindo no chão em seguida.
— Não!!! — gritei, mas por mais que eu quisesse avançar, alguma coisa me travava no lugar.
Eu me sentia preso... Como se eu estivesse em um filme de verdade.
— Klayton, meu querido Klayton... Você até tenta manter toda essa pose de bonzinho, mas não engana ninguém — disse o assassino, se aproximando lentamente.
— Quem é você afinal?! — perguntei, forçadamente.
O assassino tirou a máscara e quase pude ouvir a trilha sonora daquele momento tenso, como se fosse uma cena do momento de revelação de um filme.
— Nathan?!
— Surpresa, Klaytinho!
Pete levantou, cambaleou em minha direção e se colocou a minha frente para me proteger.
— Por quê?! — questionei.
— Por que você só tem olhos para ele?! — exclamou, apontando para o Pete. — Por que você não viu o quanto eu te amava e cuidava de você?!
— Klay, foge — disse Pete, machucado.
— Eu não vou deixar você! — respondi.
Minhas palavras saiam quase que instintivamente. Minhas ações e até as emoções pareciam não vir de mim...
— Que bonito! — exclamou Nathan, irônico. — Estou comovido, de verdade! Mas é uma pena, não é?
— Uma pena?! — questionei, confuso.
— Uma pena que ele não está sozinho, amor — disse Pete, de repente me esfaqueando na barriga.
A dor era real. Eu estava ferido de verdade e toda aquela loucura estava acontecendo naquela realidade.
— Isso não pode ser real — resmunguei, caindo de joelhos no chão.
— É claro que é real, Klay — sussurrou Pete, adotando uma expressão sádica de uma hora para a outra. — Acha mesmo que eu ia aceitar que meu namorado me traísse com aquele idiota do Phillip?
— Não fique surpreso, Klay — disse Nathan. — Eu descobri que vocês estavam transando e contei tudo para o Pete. Claro que se você tivesse me escolhido, nada disso estaria acontecendo.
— Vocês estão loucos?! — perguntei, ofegante de tanta dor.
— Não estamos loucos — respondeu Pete. — Tivemos que matar o seu pai, seus amigos e até aquela idiota da sua secretária! Tínhamos que bolar um plano perfeito para acabar com você.
— E bem-vindo ao ato final, Klay! — Nathan continuou. — Você que vai levar a culpa de tudo isso! Armamos para você e seremos as únicas vítimas sobreviventes desta história.
— História?! Que maldita história?! — exclamei, sentindo meu corpo todo começar a formigar.
— E isso é por você me deixar morrer na sua realidade, Klayton Nivans — disse Pete, antes de erguer a faca para me dar o golpe final.
...
Abri os olhos e levantei a cabeça da mesa, assustado com o barulho do telefone. A primeira coisa que fiz foi colocar a mão onde Pete tinha me esfaqueado, mas não havia nada lá. Levantei da cadeira assustado, derrubando algumas fotos e contratos da loja.
— Ta errado! Tem alguma coisa errada! — exclamei, tirando o fio do telefone para que ele parasse de tocar.
Tudo aquilo tinha acontecido, mas, ao mesmo tempo, parecia que não aconteceu. Eu estava bem, mas deveria estar morto. Pete tinha acabado de me matar com a ajuda do Nathan.
Fechei os olhos e concentrei todos os poderes que eu tinha para tentar sair daquela realidade e voltar para casa, mas havia uma barreira invisível que me prendia ali. Eu estava preso contra a minha vontade.
— Não! Não é possível! — gritei, começando a quebrar tudo no escritório. — Eu quero ir embora!
Pete e Charlotte entraram na minha sala segundos depois. Mesmo com as coisas voando e se chocando contra a parede, Pete conseguiu se aproximar e me abraçar para me acalmar.
— Klay?! O que foi?! — perguntou ele, me apertando em seus braços.
— Eu vou ficar louco! Eu vou ficar louco!!
...
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