26 - Dividindo

Era final de semana na KN Store. Poucos funcionários da administração costumavam trabalhar no sábado. O Klayton Nivans daquela realidade também não costumava aparecer nos finais de semana, mas eu estava ansioso demais para ficar em casa. Meu pai, minha secretária e até pessoal dos departamentos de marketing e design não apareceram, mesmo tendo o lançamento de uma nova coleção para acontecer nos próximos dias. Eu tinha certeza que Pete também não apareceria, já que ele ia casar naquela noite.

— Surpresa! — exclamou Phillip, entrando em minha sala com a sacola do meu fast-food favorito.

— Hey, Phillip! — exclamei, animado. — Como adivinhou que eu estava com fome e mataria por um hamburger?

— Eu sempre sei o que meu namorado quer — disse, se aproximando da minha mesa para me dar um longo selinho.

Fazia um tempo que ele não me beijava daquele jeito. Phillip estava agindo estranho nos últimos dias, mas parecia finalmente ter voltado ao normal.

— Estou com muita fome — falei, já abrindo a sacola e desembrulhando um dos lanches.

— O que te traz aqui na loja em pleno sábado, amor?

— Estou entediado e nervoso demais para ficar em casa.

— Por causa da coleção? Tenho certeza que você, Pete e Nathan vão se sair muito bem.

Franzi o cenho, estranhando ele ter mencionado o Pete e o Nathan daquele jeito. Phillip não os conhecia direito para saber qualquer coisa sobre eles.

— Pete e Nathan?! Como assim? — perguntei, intrigado.

— Estou atrasado?! — perguntou Pete, chegando justamente naquele momento.

— Claro que não, Pete! — exclamou Phillip, parecendo animado ao vê-lo. — Também acabei de chegar.

Pete entrou em minha sala, passou por Phillip e também me deu um longo selinho. Fiquei sem reação, paralisado com a atitude dele na frente do Phillip.

— O que você está fazendo?! — exclamei, chocado.

— Beijando o meu namorado — respondeu Pete, estranhando minha reação.

— Seu namorado?! Quem é seu namorado?! — questionei, levantando da cadeira.

Phillip e Pete trocaram olhares confusos, depois me encararam cruzando os braços quase que ao mesmo tempo.

— O que você tem hoje, Klay? — perguntou Phillip.

— Você está bem, amor? — perguntou Pete.

Mais uma coisa estranha estava começando a acontecer naquela realidade. Eu estava perdendo o controle e não sabia mais o que era real ou não. Bati em meu rosto algumas vezes para ter a certeza de que eu não estava dormindo.

— Por favor, não estranhem minhas perguntas, ok?

Pete e Phillip balançaram a cabeça ao mesmo tempo, concordando com meu pedido.

— Qual de vocês é meu namorado?

Os dois levantaram a mão direita, também ao mesmo tempo.

— Vocês dois são meus namorados e todo mundo está de acordo com isso?! — questionei, atônito.

Ambos balançaram a cabeça positivamente, de novo ao mesmo tempo.

— Agora nos permite fazer perguntas? — perguntou Pete.

Concordei, voltando a sentar para tentar me acalmar.

— O que está acontecendo com você hoje, Klay?! — perguntou Phillip.

— Deve ser a fome — respondi, ironicamente.

— Por que você está fazendo perguntas estranhas? — perguntou Pete, me encarando atentamente.

— É que é estranho uma pessoa ter dois namorados e ambos concordarem com isso, não acham? — questionei, voltando a comer meu lanche com as mãos tremulas de ansiedade e nervosismo.

— Só estamos fazendo o que você deseja — disse Phillip.

— O que você desejar é uma ordem para nós, Klay — disse Pete, com aquele mesmo sorriso perfeito de sempre.

Era claro que algo grave estava acontecendo ali. Aquela realidade tinha virado de cabeça para baixo e nada mais fazia sentido. Alguns dos meus desejos estavam se realizando e as consequências, como a morte da avó do Klay daquela realidade, estavam acontecendo.

— Pete, você tem alguma coisa para fazer esta noite? — perguntou Phillip.

— Não, por quê?!

— Que tal levarmos o Klay para um jantar romântico? Ele precisa se alimentar, pois parece que emagreceu um pouco, não acha?

— Concordo, Phillip! Vamos sim!

Apertei meus olhos depois de suspirar.

— Pete, você não tem um casamento para ir esta noite? — perguntei, mas já entendendo que aquilo também havia mudado.

— Não, amor — respondeu, estranhando a pergunta. — Não tenho nenhum casamento para ir. De onde você tirou isso?

Pete e Phillip me encararam esperando uma resposta ou qualquer reação minha, mas eu não conseguia falar ou pensar direito diante de tantas coisas estranhas que estavam acontecendo. Para a minha sorte, o telefone da minha mesa tocou justamente naquele momento.

— Vocês me dão licença um segundo?!

Ambos balançaram a cabeça positivamente, com o mesmo sorriso e expressão.

— KN Store?!

— Klay?! Irmão?!

— Shawn?! Como você está?!

— O que aconteceu com você?! Por que você tá fazendo tudo isso?

Franzi o cenho. Shawn parecia aflito e nervoso do outro lado da linha.

— Isso o quê? O que houve, Shawn?!

— Volta pra casa, Klay! Você precisa... preci... aaa...

— Shawn?!

A ligação começou a falhar e a fazer um barulho irritante de estática. Tive que tirar o telefone da orelha por um segundo para não irritar ainda mais meus ouvidos.

— Shawn?! — chamei, checando se ele ainda estava do outro lado da linha.

— Oi, Klay! — respondeu, parecendo animado. — Só liguei para saber quando nos veremos de novo.

— Quando você quiser, irmão — respondi, aliviado por saber que nada grave estava acontecendo.

...

– 21 dias antes –

Me arrependi imediatamente depois de ter tocado a campainha da casa da Dr. Susan. A última vez que estive lá foi para furtar um livro, então imagino que eu não seria bem recebido daquela vez.

— Klayton Nivans — disse ela, assim que abriu a porta. — Eu sabia que um dia você viria.

— Você disse que podia me ajudar, lembra?

Ela confirmou com a cabeça me dando espaço para entrar. Enquanto entrava, olhei para os lados para ter a certeza de que não estava entrando em uma armadilha. Eu não sabia o motivo, mas não confiava naquela mulher desde o dia que fui até o local onde ela trabalha e conheci a criança que me fez enxergar o lacre em minha mente e que liberou todos os meus dons. Se aquela visita nunca tivesse acontecido, talvez Pete ainda estivesse vivo.

— Eu sei o que você está fazendo, Klayton — disse, depois de fechar a porta e me acompanhar até a sala de estar. — Seu interesse por livros sobre realidades paralelas mostra exatamente o que você tem em mente.

— Já que você sabe, talvez saiba de um jeito de...

— Não existe isso, Klayton! Só porque você consegue mover alguns objetos com a mente, falar com pessoas mortas e as vezes ver o futuro das pessoas não quer dizer que você consiga viajar para outras realidades. Isso está além de você!

— Você não sabe do que sou capaz — comentei, sentando no sofá. — Todos os livros que li e todas as pessoas que procurei e conversei só me ajudaram a ficar mais forte e...

— Você ainda é humano, querido — disse, me interrompendo. — Um humano com dons raros, é verdade..., mas ainda é humano. Também andei pesquisando uma forma de te ajudar, pois também tenho interesse em saber se é possível viajar para outras realidades, mas isso não existe!

— Como você pode saber?! — questionei, já irritado.

— O multiverso é apenas uma teoria — disse, ainda calma e calorosa. — Existem estudos e suposições, mas nada sólido. Você está em um caminho sem fim que só vai te fazer sofrer mais.

— Eu não devia ter vindo — resmunguei, levantando para ir embora.

— Você precisa lidar com a perda, rapaz! — exclamou a Dra. Susan, também levantando para me impedir de ir embora. — Você está correndo atrás de livros, pessoas com dons e uma meta impossível porque não consegue lidar com a perda! Você precisa fazer terapia, Klayton! Precisa aceitar que as pessoas morrem e não há nada que possamos fazer.

— Já chega! — exclamei, fazendo todas as lâmpadas acesas da sala explodirem. — Você não é ninguém para dizer o que eu tenho que fazer! Você nem tem dons como eu! Você não é ninguém!

Ela se assustou com as explosões, mas eu não estava preocupado..., aquilo me divertia.

— Eu tinha uma filha! — exclamou ela, ainda assustada. — Ela morreu por uma doença incurável antes de completar sete anos e por muito tempo não aceitei essa perda! Procurei por respostas, por pessoas que podiam me ajudar a vê-la ou falar com ela! Por muitos anos estudei e procurei pessoas como você! Tudo o que eu queria era que alguém me ajudasse a obter respostas!

Respirei fundo para me controlar depois de ouvir tudo aquilo. Eu estava pronto para colocar aquela casa abaixo se necessário.

— Então quem precisa aceitar a perda e procurar terapia é você, Dra. Susan — falei, saindo daquela casa antes que eu perdesse o controle.

...

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