24 - Fragmentando

— O que você está fazendo aqui? — perguntei, paralisado de medo.

— Visitando meu irmão mais velho, é claro! — exclamou Shawn, cruzando o curto espaço entre nós para me abraçar.

Como aquilo era possível? Meu pai disse no primeiro dia em que entrei nesta realidade que eu era o único filho da relação dele com minha mãe e que eles tinham se separado quando eu ainda era criança. Shawn não poderia estar naquela realidade.

— Desculpa, mas ainda estou confuso...

— Não é uma boa hora para te visitar? Consultei nosso pai e ele garantiu que boa parte do trabalho estava feito e...

— Não é isso! Estou feliz em ver você, irmão.

Mesmo confuso e com medo, tentei relaxar e respirar para recebê-lo da melhor forma. Devia haver alguma explicação coerente para aquela loucura.

— Faz tempo que não venho aqui — disse Shawn, olhando em volta. — Faz tempo que você não vai em casa também. Mamãe sente muito a sua falta, sabia?

— Por que ela não veio com você?

— Você sabe como nossa mãe é com o meu padrasto... Ele finge que não liga, mas sabemos que não gosta nem um pouco de você ou do papai.

Aquilo não fazia o menor sentido. Apesar de estranho, era reconfortante ter meu irmão de novo. Eu sentia muito a falta de nossas conversas e até de nossos desentendimentos. Ele estava exatamente como era em minha realidade. As mesmas manias, a mesma forma entediada e indiferente de falar..., mas por mais feliz que estivesse, eu sentia um frio na barriga e um medo constante depois de seu estranho aparecimento. Shawn não deveria estar ali... Ele não deveria existir naquela realidade.

— Você parece distraído — disse, cruzando os braços.

— É que é estranho, Shawn — respondi, coçando a nuca e sentando na borda da minha mesa. — Eu estava pensando em você um segundo antes de você aparecer.

— E isso é ruim...?

As luzes do escritório começaram a piscar. Não era a primeira vez que aquilo acontecia, mas estava diferente desta vez. Senti meu corpo pesar, meus olhos arderem e a fome que eu costumava sentir estava mais intensa que todas as outras vezes.

— Klay?! — chamou Shawn, preocupado.

— Si... Sim?! — respondi, já com dificuldade.

Minha visão começou a embaçar e a escurecer pouco a pouco. Eu sabia que estava prestes a desmaiar, mas tentei resistir respirando fundo e fechando minhas mãos com toda a força que me restava.

...

— Klay?! — chamou meu pai, estalando os dedos na frente do meu rosto.

— Hãn?! Oi?! O quê?! — respondi, atordoado.

Eu ainda estava em minha sala com as mesmas roupas e no mesmo lugar. Shawn havia desaparecido. Meu pai estava em pé do meu lado, mostrando alguma coisa em meu computador.

— Onde você está com a cabeça, Klayton Nivans?

— Cadê o Shawn?!

— Foi embora há algumas horas! Será que você pode prestar atenção no que estou te mostrando?

— Ele esteve mesmo aqui?! Shawn estava aqui?!

Por um momento achei que fosse um sonho, mas meu pai tinha confirmado a presença do meu irmão naquela realidade... Presença que não deveria existir.

— Sim, mas você sabe como sua mãe é — respondeu, puxando uma cadeira para sentar. — Ela não quer que Shawn fique perto de mim.

Suspirei. Minha fome e aquela sensação estranha de corpo pesado haviam passado com o estalar de dedos do meu pai.

— Que horas são? — perguntei, ainda atordoado.

— Quase cinco da tarde, Klay. Por quê?!

Muito tempo passou em um estalar de dedos. Eu tinha apagado por horas e nem percebi.

— Quando você chegou, eu estava dormindo?

— Dormindo? Não!

— O que eu estava fazendo?!

Meu pai me encarou com um olhar desconfiado, mas suspirou balançando os ombros.

— Você estava conversando com o seu irmão quando cheguei.

— E o que aconteceu depois?

— Depois saímos para dar uma volta e comermos alguma coisa. Faz tempo que não nos reuníamos assim. Você sabe que sua mãe não deixa o Shawn vir aqui com frequência.

Mais uma vez senti um frio estranho na barriga. Alguma coisa estava acontecendo e eu não fazia ideia do que era.

— Eu sai com vocês? — perguntei, coçando a cabeça. — Comi com vocês?

— E conversamos a tarde toda até voltarmos para o escritório.

Eu não lembrava de nada daquilo.

— Por algum acaso... — Fiz uma pausa longa, pensando com cuidado o que ia perguntar. — Você me achou estranho esta tarde?

— Estranho? Como assim?

— Agindo ou falando diferente, sabe?

Ele franziu o cenho e riu como se meu questionamento fosse uma piada.

— Você está fazendo isso agora, Klayton — disse, batendo sem força em minha cabeça. — Que tal continuarmos o trabalho?

Concordei, mesmo desconfiado. Alguma coisa estava errada e eu não fazia ideia do que podia ser. Havia um jeito de descobrir o que estava acontecendo e eu estava disposto a tentar naquela noite.

Phillip chegou à KN Store pouco depois do anoitecer. Ele passou apenas para se despedir antes de ir para casa. Phillip também estava agindo estranho. Ele não me chamou para almoçar, jantar ou ir para casa com ele naquele dia. Meu pai resolveu ir para casa um pouco mais cedo naquela noite. Ele também estava agindo estranho e não perguntou se eu queria ir embora com ele.

— Estou indo para casa, Klay — disse Charlotte, assim que me viu sair do escritório. — Deseja alguma coisa antes que eu vá?

— Você sabe se o Pete ainda está trabalhando?

— Sim! Todos do departamento de design e marketing já foram, menos o fotógrafo. Acho que ele ficou para arrumar algumas coisas.

Agradeci minha secretária antes de fechar minha sala e ir até o estúdio da KN Store encontrar com o Pete mais uma vez. Ele estava no computador revisando as fotos da campanha quando cheguei. Ele estava realizando um excelente trabalho com o Nathan e o resto da equipe.

— As fotos estão cada dia mais lindas, Pete.

— Mérito do Nathan, Klay. Ele é tão bonito que mal precisa de tratamento nas fotos.

— Assim vou ficar com ciúme.

Pete sorriu, me envolveu em seus braços e me puxou para que eu sentasse em seu colo.

— Só tenho olhos para você, Klay — disse, antes de me presentear com um longo e carinhoso selinho.

A atitude, o beijo e até a forma que o Pete falava estavam diferentes. Eu não sabia se ficava feliz ou preocupado, pois sentia algo estranho a minha volta.

— O que vamos fazer esta noite? — Pete perguntou, ainda me abraçando.

— Tenho que visitar minha avó, Pete — comentei, retribuindo seus carinhos. — Tenho um assunto importante para resolver.

— Que tal amanhã almoçarmos juntos?

— Fechado.

Acompanhei Pete até o estacionamento da KN Store. Ele subiu em sua moto e foi embora depois de nos despedirmos com mais um abraço.

Sozinho naquele espaço quase vazio do subsolo, senti meus dedos formigarem e meus olhos arderem mais uma vez. Me aproximei do meu carro e, por um momento, pensei ter visto no reflexo do vidro do motorista meus olhos brilharem com uma cor alaranjada.

— Devo estar ficando louco — resmunguei, pegando a chave do carro no bolso do meu casaco.

Antes que eu pudesse perceber o que estava fazendo, entrei no carro, coloquei o cinto de segurança e o liguei com a chave. Coloquei o câmbio em "drive" depois de pisar no freio, abaixar o freio de mão e dar a seta para começar a manobra-lo.

— O que eu tô fazendo?! — questionei, confuso.

Saí do estacionamento da KN Store naturalmente. Em momento algum fiquei confuso ou perdido dirigindo aquele carro. Aquele era mais um motivo para ver a minha avó e tentar descobrir com ela o que estava acontecendo comigo.

– 27 dias antes –

— O que você tem com orientais? — perguntou meu pai, assim que meu amigo Arth foi embora. — Esse rapaz é muito bonito, Klay.

— Ele é só um amigo — resmunguei, terminando de tirar pó do meu quarto.

— Fico feliz que ele tenha vindo te ajudar a arrumar essa bagunça — disse, cruzando os braços. — Você precisa de um incentivo para se mexer um pouco.

Balancei a cabeça negativamente com uma expressão nada amigável. Eu sei o que meu pai estava tentando fazer. Ele, minha mãe e meu irmão estavam tentando me animar há dias, mas nada levantava meu humor.

— Agora você pode me dar licença?

— Não posso!

— Eu quero ficar sozinho.

— Acho que você já ficou sozinho o bastante, Klayton.

Fiz outra careta. Eu estava pronto para brigar com o meu pai para que ele me deixasse em paz se fosse necessário.

— Pai, olha...

— Sua mãe e eu temos uma surpresa pra você!

— Não quero e nem gosto de surpresas.

— Tenho certeza que você vai gostar desta.

— Não vou!

Ele sorriu carinhosamente enquanto se aproximava de mim com cuidado.

— E se eu disser que a surpresa tem a ver com o Pete?

— O que?! Com o Pete?!

Animados, meus pais e meu irmão me levaram para fora de casa. Eles tinham preparado uma surpresa... Uma surpresa que me fez prender a respiração para não começar a chorar.

— Sabemos o quão isso é delicado para você, Klay — disse minha mãe, abraçada a um de meus braços. —, mas também sabemos o quanto o Pete era importante não só para você, mas para toda a nossa família.

— Entramos em contato com a mãe do Pete há algumas semanas e ela nos contou que tinha consertado o carro dele — continuou meu pai. — Ela disse que estava a venda, então fizemos uma oferta e...

— Vocês compraram o carro do Pete?! — perguntei, emocionado.

— Se você não quiser, nós vamos entender — disse minha mãe, me abraçando mais forte. — Sei que é uma lembrança muito delicada e que...

— Eu quero! — exclamei, me soltando deles para me aproximar do carro. — É claro que eu quero!

Abri a porta e sentei no banco do motorista. Não resisti a vontade de abraçar o volante como se estivesse abraçando um pequeno pedacinho do Pete. Mesmo todo limpo e renovado, ainda era possível sentir o perfume dele...

— Quer aprender a dirigir? — perguntou meu pai, entrando e sentando no banco do carona.

— Você me ensina?!

— Claro! Quando você quer começar?

— Agora, por favor!

Meu pai concordou, enxugando minhas lágrimas com seus dedos.

...

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top