06 - Elo

Cheguei uma hora mais tarde em minha loja no segundo dia. Eu estava exausto e morrendo de fome. Tive que parar em um fast-food para comer dois sanduiches e um milk-shake no café da manhã. Meu pai e meu namorado indesejado me acompanharam novamente. Charlotte não tinha reservado meu motorista particular para mais um dia, então tive que inventar outra história para Phillip dirigir meu carro mais uma vez.

— Bom dia, Sr. Nivans — cumprimentou Charlotte, assim que me viu chegar.

— É Klay, Charlotte! — resmunguei.

— Bom dia, Sr. Klay — corrigiu ela, mesmo errando novamente. — Desculpe o incômodo, mas o senhor tem visita.

— Visita? — questionei, surpreso.

— Ele disse que é fotógrafo e que tem uma reunião com o senhor — disse. — Ele está te esperando na sala de reuniões a mais de uma hora.

Depois de um dia anterior cheio de problemas, esqueci completamente que tinha combinado de receber o Pete bem cedo. Eu estava com tanta raiva naquela hora que nem lembrava o que tínhamos conversado.

— Fotógrafo novo? — perguntou Phillip.

— O Klay insistiu em contratar um novo fotógrafo para a campanha do próximo semestre — disse meu pai.

— Depois de quase matar a gente para contratar o que faz as fotos oficiais da loja? — questionou Phillip, surpreso.

— A história se repete — resmungou meu pai.

— Querem parar de me criticar? — resmunguei, entrando em minha sala. — Pai, você deve ter alguma coisa para fazer por aqui, não é? E Phillip, meu querido, você não precisa trabalhar?

— Já estou atrasado mesmo... — respondeu Phillip, balançando os ombros.

Meu pai fez uma careta, mas assentiu e saiu do meu campo de visão. Phillip entrou comigo em minha sala, encostou a porta e tentou me abraçar. Consegui me esquivar e sentar rapidamente em minha mesa.

— Ainda tá me evitando?

— Dor de cabeça, Phillip.

— Desde ontem? Você precisa ir ao médico se continuar assim, Klay.

— É só estresse! Tenho certeza que passará logo.

Ele cruzou os braços e ficou me encarando por um tempo. Não dei importância para aquilo, pois o Pete estava na sala de reuniões me esperando e eu não precisava de mais preocupações do que já tinha.

— Posso vir te buscar para almoçarmos?

— Dependendo do horário, claro que pode!

— Então devo chegar aqui meio-dia e quinze, mais ou menos.

— Combinado!

Phillip contornou minha escrivaninha para me dar um longo e carinhoso beijo no rosto.

— Hoje você está lindo com essa roupa nova, Klay — disse ele, acariciando meu cabelo. — Estou amando seu novo visual.

— Obrigado — agradeci, estranhamente envergonhado.

— Não esqueça que te amo, ok? — disse, saindo em direção a porta.

Concordei com a cabeça e forcei um sorriso. Eu ainda não tinha conseguido terminar com ele, e cada vez mais sentia que seria mais difícil do que eu imaginava. Phillip e o Klay daquela realidade pareciam ser felizes em seu relacionamento. Haviam diversas fotos dos dois juntos em uma pasta do computador de trabalho do Klay. Eles viajavam juntos, saiam para muitos lugares divertidos e até tiravam fotos aleatórias no carro, no apartamento e até dentro daquela sala. Terminar com o Phillip sem um bom motivo seria muito suspeito. Sem falar que ele era um bom rapaz e eu me sentia culpado por ocupar a força o lugar do namorado dele.

Assim que Phillip foi embora, pedi a Charlotte para chamar o Pete até a minha sala. Eu ainda estava decepcionado com o que tinha descoberto sobre ele, mas ainda tinha esperanças. Eu amava o Pete demais para desistir de tudo agora que eu estava tão perto dele. Eu tinha sacrificado muitas coisas para estar naquele lugar e não podia desistir no primeiro obstáculo que aparecesse em meu caminho.

— Bom dia! — cumprimentou Pete ao entrar em minha sala.

— Bom dia, Pete! — retribui o cumprimento, imediatamente reconhecendo a roupa que ele estava vestindo.

Pete estava com a mesma camisa social branca de manga curta e calça jeans rasgada que usava em minha antiga realidade. Geralmente ele usava um tênis branco, mas dessa vez estava com um sapato social preto. Claro que aquilo me animou e me deu ainda mais esperanças. Aquele era o Pete que eu amava. O meu Pete estava ali, mesmo nesta versão de outra realidade. Era a mesma pessoa, mas que seguiu um rumo diferente por eu não ter entrado em sua vida... Até agora.

— Achei que você não me receberia.

— Desculpe deixar você esperando, Pete! Juro que esqueci completamente que tínhamos combinado hoje cedo.

— Cheguei a pensar que você tinha desistido de me contratar.

— Jamais! Eu quero muito você! Eu preciso de você!

Ele sorriu do mesmo jeitinho que eu conhecia, assentiu e sentou na cadeira a minha frente depois que o convidei fazendo sinal com as mãos.

— O que posso fazer por você, Sr. Nivans?

— Me chame de Klay, pois vou continuar te chamando de Pete.

— Como quiser, Klay!

Quase suspirei quando o ouvi falar o meu nome daquele jeito fofo e especial de sempre.

— Não sei ainda como as coisas vão funcionar por aqui, mas a loja já tem um fotógrafo oficial. Basicamente quero que você trabalhe com ele para a campanha publicitária do próximo semestre.

— Certo!

— Sobre seu contrato e pagamento, falarei com minha secretária e com o meu pai hoje mesmo para fechar tudo com você. Desculpa mesmo te fazer esperar. Você não está com raiva de mim, está?

Pete sorriu mais uma vez daquele jeitinho especial.

— Claro que não! Jamais ficaria com raiva de você, Klay.

— De qualquer forma... me sinto mal por ter saído ontem do nosso encontro daquele jeito e por ter te deixado esperando tanto tempo. Se você topar, podemos dar uma saída agora para tomar um café da manhã em uma cafeteria ou fast-food.

— Eu adoraria!

Fiquei animado por ele ter aceitado tomar café da manhã comigo. Aquele seria meu segundo café da manhã, mas eu ainda estava com fome. De qualquer forma, aquela era a oportunidade perfeita para eu me aproximar do Pete, pois nosso primeiro encontro em minha realidade de origem foi em um fast-food, comendo hamburger com bacon e batatas. Por que nesta realidade seria diferente?

Pete e eu passeamos por um tempo pelas lojas e parques do centro da cidade antes de entrarmos em uma cafeteria. Conversamos durante todo o trajeto e, pelo que parecia, eu estava ao lado do mesmo Pete doce, gentil e perfeito que conheci em minha realidade. Ele era esforçado, inteligente e gostava praticamente das mesmas coisas.

— Você tem primos? — perguntei, começando a comer um grande e delicioso sanduiche de atum.

— Vários! Minha família é bem grande, Klay.

— E seus pais?

— São incríveis! Devo tudo que sou hoje a eles.

O pai do Pete estava vivo naquela realidade. Vê-lo falando dos pais daquela forma me emocionou, pois eu sabia o quanto o meu Pete sofria com a ausência do pai.

— E seus pais, Klay? Seus primos e sua família? — perguntou ele, parecendo gostar de me ver devorar o café da manhã.

— Meus pais são separados, o que ainda é estranho para mim — falei, coçando a cabeça. — Tenho poucos primos, três para ser exato. Todos moram em uma cidade vizinha, mas meu pai não se dá bem com sua irmã mais nova. Ele a acha muito metida e autoritária.

— Que chato, Klay — disse, fazendo uma careta tão fofa que fui obrigado a suspirar.

— Mas tudo bem, pois meu irmão mais novo e eu... — Lembrei que Shawn não existia naquela realidade e fiz uma pausa, quase engasgando. — Na verdade é só meu pai e eu.

Pete pegou em minha mão e a apertou amigavelmente.

— Família é complicado — disse ele, me olhando nos olhos empaticamente.

Assenti, maravilhado com aquele momento.

— Pete...

— Meus pais querem tanto um neto que não aguentam mais esperar o dia do meu casamento, Klay. Eles querem aumentar a família de qualquer jeito!

Eu tinha esquecido por um momento aquele desagradável detalhe. Pete era heterossexual e noivo... Meu pior pesadelo tinha virado realidade.

— É verdade, o casamento — resmunguei, fazendo uma careta.

— Não se preocupe que dá tempo de te convidar e colocar seu nome na lista da festa, Klay — disse Pete, sorridente. — Não sei, mas sinto uma ligação inexplicável com você. É como se eu te conhecesse há muito tempo.

— Sério? — questionei, dando um meio sorriso, mesmo estando com a cara fechada por conta daquela história absurda de casamento.

— Sim! Já quero ser seu amigo, se você aceitar, é claro!

Concordei com a cabeça, mas é óbvio que eu não queria ser somente amigo dele.

O resto do dia com o Pete foi agradável e cruelmente familiar. Falamos pouco de trabalho, focamos apenas em nossos gostos pessoais e no que fazíamos para nos divertir. Era incrível como quase noventa por cento do Pete daquela realidade era igual ao Pete que eu conhecia. Tive que me policiar para não dizer ou fazer coisas suspeitas, pois por vários momentos esqueci que estava em uma realidade e em um corpo que não me pertenciam.
Se pudéssemos, Pete e eu passaríamos o resto do dia e da tarde andando pela cidade e conversando, mas infelizmente a vida do Klay daquela realidade era cheia de problemas e responsabilidades.

— Acho que seu celular está tocando, Klay. — Pete alertou, apontando para o bolso do meu casaco.

— Droga! Esqueci de trocar o toque novo para o meu antigo e nem percebi — resmunguei, atendendo em seguida.

Era a minha secretária. Ela queria saber que horas eu pretendia voltar, pois haviam diversos problemas para resolver e meu pai não queria decidir sem me consultar.

— Desculpe se te atrapalhei hoje, Klay — disse Pete, assim que encerrei a ligação. — Foi tão divertido passar o dia com você.

— Não me atrapalhou, Pete! É que as vezes esqueço minhas responsabilidades.

— O que faremos agora? Te acompanho até a loja?

— Sim, por favor! Vou pedir para fazerem o seu contrato e mostrarem o que você precisará fazer.

Pete olhou as horas no celular.

— Que horas estarei liberado hoje? Prometi a minha noiva que sairíamos hoje à noite para comprar mais algumas coisas para o casamento.

Entortei a boca.

— Eu... não sei, Pete — respondi, voltando a triste realidade em que eu estava. — Vou falar com quem vai te orientar para te liberar a hora que você preferir.

— Obrigado, amigão! — Ele agradeceu, colocando a mão no meu ombro e chacoalhando amigavelmente.

Apesar do progresso, eu me sentia perdido e sem saber o que fazer com a situação Pete heterossexual e noivo. Eu estava feliz em reencontrá-lo, mas arrasado por não poder tocá-lo como gostaria e não poder dizer o quanto eu o amava e sentia sua falta. Pensei que quando eu fosse para aquela realidade nova, tudo seria diferente. Eu tinha me preparado para diversas possibilidades, menos aquela.

Assim que voltamos para a KN Store, Pete foi guiado pela Charlotte para uma reunião com o pessoal do design e marketing. Eu, ainda incomodado com toda aquela história, fui para a minha sala.
Minha cabeça estava começando a doer e minha barriga a roncar de fome. Estava quase na hora do almoço e tudo que eu mais queria era o bom e velho almoço da minha mãe.

— O que acha de adiantarmos a coleção duas semanas? — perguntou meu pai, concentrado no trabalho.

— Hãn?!

— Adiantarmos a... Klay! Onde você está? Tá chapado?

— Estou com fome.

Meu pai olhou as horas em seu relógio de pulso.

— Já é quase hora do almoço.

— Saudade da comida da mamãe.

Ele franziu o cenho e apertou os lábios para não rir.

— Há quantos anos ela não cozinha para você?

Balancei os ombros.

— Você sabe se ela está em casa agora?

— Provavelmente! Aquela raposa velha e rabugenta nunca gostou de trabalhar.

— Por que vocês se separaram mesmo? — perguntei, querendo saber aquela história.

Meu pai fez uma careta, colocou a pasta que estava estudando em minha mesa e levantou da cadeira para fugir daquele assunto.

— Te vejo no almoço? — perguntou, já na porta da minha sala.

— Não sei — respondi, pensativo. — Tenho outros planos para o almoço de hoje.

...

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