39 - Na Memória (Capítulo Extra)
Eu me sentia como se estivesse morto em vida. Me fechei completamente para o mundo exterior e passei a ver e ouvir apenas o que eu queria. O vazio que eu sentia em meu peito era cruel e doloroso. A culpa que eu sentia era tão grande que eu tinha vergonha de falar comigo mesmo em meus próprios pensamentos.
Como eu pude ser tão burro? Como pude ignorar minha intuição e seguir com aquele plano insano? Como pude arriscar a vida dos meus amigos e do amor da minha vida daquela forma?
Nathan era meu problema.
Não era problema de nem um deles.
— Klay, querido — chamou minha mãe batendo na porta entreaberta do meu quarto.
Perdi a noção de quanto tempo eu tinha passado sentado no chão ao lado da cama. Eu estava tonto de fome, mas me punia não comendo. Minha boca estava seca, pois eu não queria beber nada também. Tudo que eu queria era voltar no tempo, mas infelizmente aquela habilidade não estava na lista das coisas que eu sabia que podia fazer depois de quebrar o lacre...
Depois de quebrar aquele maldito lacre em minha mente.
— Seus amigos Tyler e Mike vieram aqui ontem, mas você não quis sair do quarto — disse minha mãe colocando um copo de leite no criado mudo.
Não respondi.
Eu não queria ver ninguém.
Minha mãe parou alguns segundos para olhar a bagunça que estava meu quarto. Minha cama estava cheia de fotos que Pete e eu tiramos em nossas viagens. Meu guarda roupas estava completamente revirado, pois eu tinha quase que certeza que Pete havia esquecido uma blusa de frio na última vez que dormimos juntos...
Eu queria muito encontrá-la para abraçá-la.
— Você tem alguma notícia da família do Pete? — Ela perguntou. — Eles disseram quando será o velório e sepultamento dele?
Aquelas palavras partiram meu coração, mas eu não culpava minha mãe por querer saber. Meus pais e meu irmão Shawn gostavam muito do Pete. Ele estava sempre em minha casa, almoçava e jantava conosco sempre que podia...
— Pode me deixar sozinho? — perguntei quase sem voz.
Naquele momento a campainha tocou. Imaginei que fosse um dos meus amigos que insistiam em me ligar ou visitar.
Mas eu não queria falar com ninguém.
— Klay! — chamou meu pai alto o suficiente para que eu pudesse ouvir do meu quarto. — Você tem visita!
— Não quero falar com ninguém, mãe — resmunguei sentindo meus olhos lacrimejarem mais uma vez.
Meus olhos e meu nariz ardiam de tanto que eu tinha chorado naquela madrugada. Meu rosto estava formigando e parecia pegar fogo de tão dolorido.
— Mas meu amor... — Ela tentou insistir.
— Se for um dos meus amigos, por favor, fala que eu não estou bem para receber visitas — pedi enxugando meus olhos com a manga da blusa. — Quero ficar sozinho.
Shawn entrou no quarto segundos depois. Assim como meus pais, ele também estava muito abalado com a morte do Pete. Meu irmão e meu namorado mantinham bastante contato e jogavam juntos quase todos os finais de semana.
— Irmão, o primo do Pete está na sala. — Shawn avisou. — Ele quer falar com você.
Apertei os olhos na tentativa inútil de eles pararem de lacrimejar. Eu queria ver o Nuri, mas como eu explicaria para ele que a morte do Pete foi minha culpa?
— Pede pra ele subir? — pedi cambaleando para tentar levantar do chão.
— Beba o leite — pediu minha mãe. — Você vai desmaiar se continuar sem comer nada.
Assenti, mas eu não estava com vontade de comer ou beber nada.
Sentei na cama e ouvi passos na escada e depois no corredor em direção a meu quarto. Eu sabia que seria difícil ver o primo do Pete naquele momento, pois apesar de não serem tão parecidos fisicamente, não dava para ignorar a forte ligação que eles tinham.
— Klay?! — chamou Nuri batendo na porta antes de entrar.
— Entra — autorizei voltando a enxugar o rosto com a manga da blusa.
Nuri também estava com os olhos inchados. Era de partir o coração imaginar o quão doloroso era para ele perder a mãe e o primo que ele tanto gostava em um curto intervalo de tempo...
E era tudo culpa minha.
— Não vou perguntar se você está bem, pois odeio que me façam esta pergunta quando é óbvio que não está nada bem — disse Nuri se aproximando para me dar um forte e carinhoso abraço.
— Você deve ser o único que me entende neste momento — falei retribuindo o abraço.
— Eu só queria entender o que aconteceu com meu primo. — Nuri disse ainda em meus braços. — Os médicos disseram que ele simplesmente apagou enquanto dirigia. Como um rapaz forte e saudável morre de repente e desta forma?
Eu queria contar e acho que ele merecia saber, mas era uma história muito longa e corria o risco de ele não acreditar em mim. Por mais que eu tivesse como provar agora que meus dons estavam mais fortes, eu preferi me calar.
Seria horrível Nuri começar a me odiar depois de saber que eu era o culpado de tudo aquilo.
— Receio que você veio me falar sobre o velório e sepultamento — falei depois de me soltar dos braços dele e voltar para o chão ao lado da cama.
— Já está tudo pronto — disse ele. — Tive que cuidar de tudo, pois minha tia está...
Nuri não continuou a frase...
E nem precisava.
— Não sei se quero ir — afirmei. — Não sei se vou conseguir.
— A decisão é sua, mas acho que você vai se arrepender se não for — disse Nuri sentando a meu lado. — Dizer adeus é doloroso, mas é necessário para seguirmos em frente.
Eu não queria seguir em frente.
Eu queria resolver tudo e, se possível, trazer Pete de volta.
— Meus pais e meu irmão com certeza vão, então...
— Já é um bom incentivo para você ir também. Ter sua família perto neste momento será de grande ajuda.
Assenti.
Eu ainda estava decidindo se queria ver Pete de um modo diferente que não fosse sorrindo, brincando, me abraçando e sendo o garoto especial que sempre foi.
— Tenho uma coisa pra você — disse Nuri colocando a mão direita no bolso da jaqueta e tirando um pequeno envelope dobrado de dentro dele.
— O que é isso? — questionei pegando o envelope.
— Encontrei na carteira do Pete — respondeu Nuri. — Tem seu nome escrito no envelope, então acredito que ou seja seu ou ele queria dar a você.
— Não é meu — falei com um meio sorriso emocionado. — Será que...
Desdobrei e abri o envelope.
Tinha um micro cartão de memória nele.
— Vou deixar você tranquilo, Klay — disse Nuri levantando do meu lado. — Espero te ver amanhã para nos despedirmos do Pete.
Balancei a cabeça em agradecimento.
O primo do Pete acenou, sorriu sem vontade e saiu do quarto.
Assim que ele saiu, abri a gaveta do criado mudo ao lado da minha cama para pegar meu adaptador de cartões. Inseri o micro sd que estava no envelope no adaptador e peguei o notebook que já estava em minha cama para liga-lo e pluga-lo no leitor.
Havia apenas um arquivo de vídeo naquele cartão de memória. Cliquei três vezes no arquivo para abri-lo em tela cheia...
Não resisti a vontade de sorrir quando vi Pete tentando arrumar a câmera para ficar parada e focada em seu rosto. Ele resmungou algumas vezes, deixou cair alguma coisa que estava perto dele e começou a rir que nem um bobo quando percebeu que já tinha começado a gravar.
"Espero que essa câmera velha funcione" disse ele coçando a cabeça. "Minha mãe vai querer me matar se souber que peguei a câmera do meu pai, mas é por uma boa causa!"
Quando falou do pai, Pete segurou com carinho a correntinha que tinha ganhado do pai dele quando ambos eram vivos. A mesma que eu estava usando há semanas e que também segurei com todo o amor que cabia em meu peito naquele momento.
"Passamos os últimos dias juntos na casa da sua avó e desde o momento que chegamos aqui em Nova Iorque eu tenho pensado que preciso de um "Plabo B". Eu confio em você e confio no nosso amor, mas não podemos brincar com a sorte. Eu jamais vou me perdoar se alguma coisa acontecer com você, loirinho. Jamais vou me perdoar sabendo que você arriscou sua vida pela minha. Não é justo! Eu não quero isso!"
Pete tinha gravado aquele vídeo há meses.
Foi quando viajamos para Nova Iorque depois de passarmos uns dias na casa da minha avó.
"Meu primo Nuri vai ajudar minha mãe e meus irmãos caso alguma coisa aconteça comigo. Há um apartamento no condomínio que ele mora e ele conseguiu um bom desconto depois de explicar a situação para o senhorio. Eu queria ter contado para você, mas sei que você ia ficar chateado, pois acredita que eu posso ser salvo."
— Eu te amo tanto — falei tocando a tela do notebook.
Como eu queria sentir o rostinho quente e perfeito do Pete mais uma vez.
"Se eu não conseguir, quero que saiba que tá tudo bem! Você me salvou não uma, mas várias vezes. Você tem feito meus dias extras aqui na terra serem os mais especiais. Você me da calma. Você me fez ter esperança de que um dia vou encontrar meu pai de novo e olha que eu andava meio descrente nos últimos meses."
— Eu nunca ia desistir de você, amor — falei começando a chorar de novo. — E ainda não desisti de você!
"Então se alguma coisa acontecer comigo, espero que você tenha acesso a este vídeo e saiba que está tudo bem! Vamos nos encontrar um dia. Até este dia chegar, por favor, continue ajudando as pessoas dando esperança e amor para elas. Se apaixone, se machuque, aprenda e corra atrás dos seus objetivos. Lembre sempre da gente, mas nunca deixe de viver ou se culpe pelo que acontecer. Eu conheço você o suficiente para saber que se algo der errado, você nunca vai se perdoar. Por favor, não faça isso, pois você não tem culpa de absolutamente nada."
— Você diz isso porque não sabia da burrada que eu ia fazer — resmunguei.
"Eu te amo! Não consigo demonstrar este amor em palavras ou gestos. Não consigo medir o tamanho deste amor e juro que ele é maior que a distância entre a terra e as estrelas. Eu sei que isso vai ficar meio brega e que você vai fazer a caretinha marrenta que costuma fazer quando está entediado, mas é a verdade. Eu te amo. Ninguém jamais amou alguém como eu amo você!"
— Eu também te amo, Pete — sussurrei. — Nunca vou desistir de você...
"Agora vou tomar banho para esperar você voltar. Já falei que amo seus gemidos? Hoje vou fazer você gemer um pouco mais! Brincadeira! Te amo!"
Pete encerrou a gravação naquele momento.
— Klay?! — chamou minha mãe entrando no quarto. — Você ainda não bebeu o leite? Ele já deve ter esfriado.
— Vou na cozinha comer alguma coisa, mãe — falei fechando o notebook, recolocando-o em cima da cama junto as fotos que tirei com meu namorado e levantando do chão.
— Que ótimo! — Ela exclamou feliz. — Você precisa comer, pois Pete e a família dele estarão nos esperando amanhã para nos despedirmos.
Assenti, mas não era por isso que eu queria manter minhas energias...
Eu não descansaria até encontrar uma forma de reencontra-lo ou de pelo menos falar com ele.
CURIOSIDADES SOBRE O CAPÍTULO EXTRA:
- O capítulo 39 não ia ser postado. É um capítulo morno que bateu aquela BAD quando terminei de escrever. Não foi fácil matar um dos personagens mais fofos e legais que eu já criei, porém, fazia parte da história e mesmo que todos neguem, todos sabiam que isso ia acontecer mais cedo ou mais tarde. Acredito que foi mais cedo do que muitos previram.
- Mesclei este capítulo com um dos possíveis finais do primeiro livro (Contra o Decesso). Para quem não se lembra, um dos finais era o Pete morrendo já no primeiro livro e o primo dele indo entregar o cartão de memória para o Klay com o vídeo que Pete fez. Tanto que da para notar que o vídeo foi gravado na viagem deles para Nova Iorque, ou seja, ainda na linha do tempo de acontecimentos de Contra o Decesso.
- O capítulo 39 original (sem mesclar com um dos finais alternativos de Contra o Decesso) teria o velório e funeral do Pete, mas decidi não colocar. É um personagem muito amado e respeitado, acho que devemos lembrar dele como ele era quando estava vivo.
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