30 - Planos
— Animado? — perguntou Pete sussurrando em meu ouvido enquanto eu me servia com bolinhos da sorte.
Balancei a cabeça positivamente, mas eu não via a hora de tudo aquilo acabar para irmos embora.
Eu nunca tinha passado a festa de réveillon sem minha família, mas quando Pete e Nuri sugeriram que fossemos para o campus da faculdade celebrar a virada de ano com nossos colegas, não tive coragem de recusar. Pete e eu já tínhamos passado o natal separados, então não seria minha aversão por festas que me separaria dele naquela data.
Como a festa era de todos os cursos, o pátio e a recepção principal da faculdade foram liberados naquela noite. Professores e veteranos do último ano de cada curso foram os anfitriões e responsáveis pela organização. Havia muita comida e bebida nas mesas espalhadas pelo pátio. Também haviam doces, frutas e garrafas fechadas de champagne que só seriam abertas depois da meia noite.
Nuri e Christopher estavam inseparáveis. O primo do Pete estava um pouco mais animado e era notável o quanto Christopher se esforçava para agradá-lo. Pete e eu não tínhamos falado sobre o assunto, mas estava claro o quanto nós torcíamos para que eles ficassem juntos.
Pouco antes das onze e meia da noite, vi minhas colegas Sara e Jessica do curso de biotecnologia chegarem na festa. Elas estavam tão animadas e distraídas com alguns rapazes do curso de medicina que quase não perceberam minha presença.
— Seu falso desgraçado! — exclamou Jessica dando um tapa em minha bunda.
Pulei para o lado e a fuzilei com meu olhar.
— Você não vem quando te chamamos para as festas, né? — Sara provocou.
— Meu namorado quis vir com o primo dele que está na cidade por uns dias, então... — Tentei falar.
— Seu namorado tem um primo?! — questionou Jessica animada. — Ele é bonito?
— Se ele for tão gato quanto o Pete, já quero o telefone — disse Sara olhando em volta.
— Meu primo também é gay — disse Pete tranquilamente. —, mas tenho vários outros primos que são heteros. O problema é que eles moram muito longe.
Sara e Jessica fizeram uma careta.
— Fala sério! — exclamou Jessica. — Melhor pegarmos uma bebida.
— Nos vemos por aí, desperdícios de gatinhos! — exclamou Sara acompanhando Jessica até outro grupo de alunos.
Eu não sabia onde esconder meu rosto de vergonha, mas Pete sorriu e pareceu se divertir com as bobagens que minhas colegas de curso falavam.
— Pete, me desculpa!
— Suas amigas são engraçadas.
— Elas são péssimas!
— Pessoas normais e perfeitinhas são chatas, Klay.
Pete envolveu os braços em minha cintura e distribuiu beijos por meu rosto e pescoço.
— Por que você acha que sou tão apaixonado por você?
— Tá me chamando de anormal, Pete?
— Um rapaz mandão, marrento, que vê o futuro e mortos andando por aí não pode ser considerado normal, não é?
Revirei os olhos e o apertei em meus braços.
Pete, como de costume, estava muito cheiroso naquela noite. Ele estava usando uma camiseta branca, uma jaqueta vermelha e uma calça de moletom cinza. Apesar do frio, as mãos dele estavam quentes e ele não parecia se incomodar com o vento gélido que soprava. Eu, por outro lado, estava com duas camisetas, um moletom azul marinho, calça jeans e cachecol.
— Estou tão feliz por estarmos aqui — afirmei ainda nos braços dele. — Estou tão feliz por estarmos juntos, Pete.
— Eu também, loirinho. — Ele sussurrou. — Você é tudo pra mim. Quero passar o resto da minha vida com você.
— O resto da sua vida? — perguntei curioso. — É isso que casais dizem quando vão se casar.
— Mas nós vamos nos casar, né? — Pete perguntou.
Tive que me afastar um pouco dele para olhá-lo nos olhos.
— Casar? — questionei com um sorriso bobo.
— Um dia, Klay! — Pete respondeu animado. — Talvez quando nos formarmos e morarmos juntos.
Eu nunca tinha pensado naquilo, mas a ideia era apaixonante.
Pete era a razão da minha vida.
— Vamos focar nos planos mais urgentes? — sugeri já envergonhado. — Temos um milhão de coisas para resolver antes de pensar em formatura, noivado, morarmos juntos, casamento...
— Por exemplo? — perguntou Pete.
— Você disse que me ensinaria a dirigir. — O lembrei.
— Não me deixe esquecer isso, amor — disse Pete concordando com a cabeça.
— Também temos que ajudar o Nate — afirmei. — Ele merece descansar. Ele merece saber o que aconteceu com ele para conseguir seguir para o pós vida.
Pete também concordou com um largo sorriso.
— E temos que procurar pessoas para te ajudar, Klay — disse ele. — Ajudar a controlar seus dons para eles não te causarem tantos problemas de saúde, amor.
Concordei, mas eu ainda tinha um mal pressentimento sobre aquilo.
— Talvez eu fale com a psiquiatra que conheci — falei pensativo. — Sinto que ela vai conseguir me ajudar.
— E temos que ir para a Filadélfia se quisermos descobrir o que aconteceu com o Nathan. — Pete sugeriu. — Temos duas semanas sem aulas, então, acredito que este seja o momento certo.
Assenti.
Antes de continuarmos nossos planos, Pete e eu nos distraímos com gritos animados que vinham de todos os lados. Faltavam dez minutos para a meia noite. Os professores e veteranos começaram a se organizar para abrir as garrafas de champagne e soltar centenas de balões brancos.
— Amor, você não ia se encontrar com seus amigos antes da meia noite? — Pete perguntou voltando a atenção dele para mim.
— O Tyler já devia estar aqui — comentei pegando o celular. — Ele disse que chegaria em cima da hora e...
Coincidentemente, Tyler e Mike chegaram antes que eu desbloqueasse o celular para chama-los. Tyler estava carregando um pequeno cooler de cerveja e Mike tinha um balde grande de chips de batata.
— Klayton! — exclamou Tyler animado. — Demoramos porque o Mike não parava de tagarelar no telefone com a mãe dele.
— Mentira! — resmungou Mike.
Depois dos cumprimentos e trocas rápidas de novidades, Pete, Tyler, Mike e eu nos juntamos a outros grupos para curtir a festa e os últimos minutos daquele ano. Brindamos quando o relógio anunciou a chegada da meia noite e assistimos juntos a pequena queima de fogos organizada pelos professores.
Mesmo não gostando de festas, eu estava feliz. Estar com meu namorado e com meus amigos naquele momento era a injeção de ânimo que eu precisava. Ver os fogos, os balões brancos voando pelo céu e sentir toda aquela energia positiva das pessoas a minha volta me dava esperança.
Nada mais podia dar errado.
***
Estava quase tudo pronto. Pete, Nathan e eu tínhamos planejado cada passo que daríamos na Filadélfia. Minha mala de bordo estava pronta com quatro mudas de roupa, uma toalha, itens básicos de higiene pessoal, carregador de celular e três livros da prateleira da minha avó que eu considerava essenciais para obter respostas rápidas.
— O primo do Pete acabou de entrar no avião — avisou Nathan aparecendo de repente no meu quarto. — Seu namorado não vai demorar a voltar.
— Ótimo — afirmei depois de suspirar. — Está quase tudo pronto para viajarmos.
Estiquei o corpo para pegar meu celular em cima da cama quando vi uma notificação de mensagem na tela chegar.
Era da Sue:
"Cheguei de viagem e quero muito te ver. Posso te visitar?"
"Claro!" respondi com uma carinha feliz.
"Posso levar o Tyler e o Mike? Eles vieram me buscar no aeroporto" perguntou Sue.
"Pode! Pete também está vindo pra cá" respondi.
Joguei o celular na cama e me espreguicei enquanto bocejava. Pete e eu tínhamos dormido tarde naquela noite. Passamos muito tempo conversando, criando teorias e planejando o que faríamos quando chegássemos à Filadélfia.
— Você está bem? — Nathan perguntou.
— Sim, por quê?
— Não estou te causando mal estar nem nada, né?
Sorri espontaneamente.
— Acho que já me acostumei, Nate.
— Você tem visto outros espíritos?
— Quase todos os dias, mas poucos se aproximam para me pedir ajuda.
— E você não se cansa mais por vê-los?
Balancei a cabeça negativamente.
— Tudo melhorou depois que visitei aquela garotinha no hospital infantil.
— Eve?
— Sim!
Nathan me encarou com curiosidade, mas eu estava tão confuso quanto ele.
— Alguma coisa mudou naquele dia — continuei. — Quando coloquei minhas mãos sobre aquela cartolina, senti como se...
De repente...
— Irmão?! — Shawn chamou batendo algumas vezes na porta.
— Pode entrar! — exclamei sentando em minha cama.
Nathan desapareceu assim que Shawn entrou no meu quarto.
— Nosso pai pediu pra você descer, pois quer conversar sobre sua viagem — disse Shawn bocejando e coçando os olhos com os dedos.
— Diz pra ele que já vou descer? — pedi.
Shawn concordou e voltou a bocejar.
— Irmão? — O chamei de volta. — Não dormiu bem esta noite?
— Dormi sim. — Ele respondeu. — O problema é que tive um sonho muito esquisito.
— Um sonho esquisito? — perguntei curioso.
Shawn balançou a cabeça e os ombros.
— Foi estranho, pois foi como se eu estivesse acordado — disse ele. —, mas eu ainda estava dormindo.
Era um sonho lúcido.
Shawn teve um sonho lúcido.
— Você conseguia controlar o sonho? — perguntei.
— Sim. — Shawn respondeu.
— Foi um sonho lúcido — afirmei. — Eu costumava ter muitos sonhos lúcidos, irmão.
Shawn ficou pensativo por um momento.
— Lembro de você ter comentado sobre isso no passado — disse Shawn. — Não dei atenção porque achei que era coisa da sua cabeça.
— Agora você sabe que é verdade — falei com um sorriso orgulhoso.
Apesar da coincidência, era cedo para dizer que Shawn também desenvolveria dons como os meus e os da nossa avó. Sonhos lúcidos eram muito comuns. Alguns livros da minha avó diziam que todo o ser humano era capaz de ter pelo menos um sonho lúcido durante a vida.
— Prometo nunca mais duvidar de você, maninho — disse Shawn acenando antes de sair do meu quarto.
Não demorou muito para Nathan reaparecer.
— Seu irmão também é um X-Men? — Ele perguntou.
— Cala a boca — resmunguei antes de pegar meu celular e coloca-lo no bolso.
Saí do meu quarto e desci as escadas para ir à cozinha. Eu teria que inventar uma ótima desculpa para meu pai se quisesse ir tranquilo para a Filadélfia.
...
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