14 - Abusos
Passei o resto do final de semana pensando no que Pete disse sobre ajudar pessoas arrependidas de seus atos e que só o perdão as faria seguir em frente. Aquela era uma teoria interessante que eu já tinha visto em alguns filmes, porém, eu nunca tinha parado para pensar naquilo.
E fazia muito sentido.
Possivelmente Nathan ia precisar do perdão das pessoas que magoou para seguir em frente. Talvez toda aquela história de que ele foi assassinado fosse apenas paranóia por achar que alguém queria lhe fazer mal.
Era difícil acreditar que alguém o mataria e o caso não fosse denunciado ou comentado em suas redes sociais.
Eu não sabia mais no que acreditar.
Estava tudo confuso e ficava cada dia mais difícil e cansativo ver fantasmas. Meu corpo não estava aguentando como antes e eu me sentia cada dia mais fraco e enjoado.
As dores estavam evoluindo como nas vezes que salvei Pete da morte.
A segunda feira foi tranquila na biotecnologia. A maioria dos professores estava de licença, então, todos os alunos tiveram a liberdade de estudar na biblioteca, refazer trabalhos e se preparar para a recuperação da prova passada. Eu não estava tão preocupado com aquilo, pois depois da ajuda do Nathan, eu tinha certeza que não ficaria de recuperação.
Fiquei no laboratório boa parte da manhã ouvindo as fofocas de Sara e Jessica sobre a festa que aconteceu no campus naquele último final de semana. Segundo elas, quando o dia amanheceu no sábado, ainda havia muita bebida, comida e pessoas dormindo nos corredores e nas escadas do prédio. A festa não tinha acabado por ali e, depois de um dia e tarde de descanso, os alunos reiniciaram a festa no sábado à noite e ela só foi terminar no domingo à tarde.
Minhas colegas reviraram os olhos de tédio quando eu disse que tinha passado o final de semana todo ao lado da minha família e do meu namorado. Não contei que tinha passado pela festa na sexta feira à noite, pois não queria ouvir as reclamações e cobranças delas.
Pouco antes do almoço, resolvi sair da biotecnologia e cruzar o campus até o prédio de administração para fazer uma visita ao Pete. Eu nunca tinha visitado o prédio onde ele estudava, mesmo sendo próximo ao prédio de Direito que estudei por quase três semestres.
Enquanto eu caminhava...
— Esta faculdade é gigantesca, Klay — disse Nathan aparecendo de repente a meu lado.
Não me assustei.
Eu já tinha me acostumado e estava quase começando a pressentir quando ele ia aparecer.
— Uma das maiores do país — afirmei.
— Não deve ser barato estudar aqui. — Nathan comentou.
— Meu avô paterno deixou uma parte do dinheiro para Shawn e eu estudarmos aqui — contei. — A outra parte é paga por meus pais. Eu até quis ajudar, mas eles insistem que devo focar nos estudos e que vão nos bancar até a formatura.
— Seus pais são legais, Klay — disse Nathan. — Queria que meu pai fosse tão legal quanto o seu.
A energia do Nathan ficou pesada quando ele falou do pai. Senti meu coração acelerar, minha respiração falhar e minha visão embaçar por uns segundos.
Tive que parar de andar para tentar retomar o fôlego.
— Suas emoções, Nate...
— Desculpa!
— Você precisa aprender a se controlar.
— Eu tento, mas lembrar do meu pai me faz ficar com muita raiva.
Por que alguém sentiria raiva em falar do próprio pai?
Meu pai e eu tivemos um grave desentendimento há alguns meses, mas aquilo só serviu para nos unir e fortalecer ainda mais nossa relação. Hoje estamos mais amigos, mais tolerantes um com o outro e ele apoia todas as minhas decisões.
O sentimento que Nathan exalava era obscuro e triste. O oposto do que alguém deveria sentir por um pai.
— Por que você tem tanta raiva do seu pai?
— Não tínhamos um bom relacionamento.
— Por que?
As vibrações pioravam a cada segundo.
— Ele queria que eu fosse perfeito, mas eu não era. Exigia boas notas e bons resultados no time de basquete, mas eu não tinha. Ele queria que eu fosse para uma das maiores faculdades do país, mas provavelmente eu não ia conseguir uma vaga.
— Você conversava com ele sobre tudo isso?
— Sempre evitei falar com ele.
Eu já sabia o motivo.
Estava claro tanto na forma com que Nathan falava do pai quanto nos sentimentos e energias que ele emanava.
— Ele deve ter se arrependido de tudo isso — afirmei. — Provável que seu pai se arrependeu de todas as vezes que encostou a mão em você agora que você está morto, Nate.
— Ou talvez esteja feliz por ter se livrado de mim — retrucou ele. —, pois eu estava longe de ser o filho exemplar que ele tanto desejava.
As dores estavam fortes, mas eu precisava escuta-lo mais. Nathan tinha um passado mais complexo do que eu imaginava. Ele não era o adolescente popular, bonito e perfeito que parecia nas fotos e comentários de suas redes sociais.
Ele sofria uma grande pressão em casa.
Nathan contou que no começo achava normal apanhar do pai quando fazia coisas erradas, mas conforme ele foi crescendo, qualquer coisa virava um motivo para ele sofrer agressões.
— Sei que isso acontece bastante, mas...
— Não acontece, Nate.
— Todo mundo apanha dos pais, Klay.
— Existe uma grande diferença entre uma palmadinha e uma surra, Nathan.
— Não acontecia sempre.
— Aconteceu vezes demais para fazer você ter toda essa raiva dele.
Apesar de ser desconfortável tanto para ele quanto para mim, Nathan deu detalhes de todo o relacionamento que tinha com os pais e a irmã mais nova. O pai dele era agressivo e queria controlar todos da família. Ele queria que tudo fosse perfeito e não aceitava bagunça, notas baixas, reclamações ou ser contrariado em suas decisões. A mãe do Nathan tinha medo da agressividade dele, então não tentava intervir nas discussões para não contraria-lo. A irmã mais nova do Nate era a que menos sofria nas mãos do pai, pois ele a via como a garotinha perfeita.
Nathan disse que o pai nunca havia batido em sua irmã.
— Meio que consigo entender de onde veio sua agressividade e falta de empatia com as pessoas, Nate — comentei. — Qualquer lar onde tem abusos como os que você sofreu traz sequelas.
— Não justifica minhas atitudes — retrucou ele.
— Na verdade, justifica sim! — afirmei. — Você era sufocado por seu pai e vivia frustrado por conta disso. Sua agressividade com as pessoas era o reflexo da agressividade que tinha em casa. Não vou dizer que você não é responsável por suas atitudes, mas agora está claro de onde veio sua rebeldia.
Nathan me olhou com curiosidade.
A carga negativa que ele emanava começou a baixar.
— Nunca achei que fosse ouvir isso — disse ele. — Você realmente é muito bom quando ajuda as pessoas, Klay.
Balancei os ombros.
— Meu pai também me sufocava um pouco — comentei. — Ele não me batia, mas me deixava de castigo por semanas quando eu tirava notas baixas.
— Seu pai é um bom homem, Klay — disse Nate.
— Eu sei — concordei com um meio sorriso.
Cheguei no prédio do curso de administração exatamente na hora do almoço. Haviam muitos alunos saindo do prédio, passeando e conversando naquela área.
Eu não sabia por onde começar a procurar o Pete.
— Onde será que ele está? — indaguei.
— Quer que eu o procure? — perguntou Nathan prontamente.
— Pode levar um tempo, pois não faço ideia de onde ele possa est...
Antes de eu terminar a frase, Nathan desapareceu. Não levou tanto tempo para ele reaparecer com a localização do Pete.
— Ele está vindo pra cá — disse Nathan quando reapareceu na minha frente. — Ouvi ele dizer para um amigo que ia almoçar no prédio de biologia.
— Então ele ia me fazer uma surpresa, pois não me falou nada — afirmei antes de suspirar.
— Vocês são muito fofos — afirmou Nathan. — Queria ter tido uma namorada tão dedicada como vocês são um com um outro.
Desviei minha atenção para ele franzindo o cenho.
— Um rapaz bonito como você nunca namorou? — perguntei.
— Não. — Ele respondeu. — Nunca sério, pelo menos.
Não resisti a vontade de provocá-lo.
— Você morreu virgem? — questionei.
Nathan arregalou os olhos.
— Claro que não! — exclamou ele.
— Meus poderes paranormais dizem que isso é mentira — provoquei, pois eu podia sentir verdade nas respostas dele.
— Então seus poderes de X-Men não são tão fortes quanto imaginei — disse Nate cruzando os braços.
Percebi algumas pessoas me olhando por pensarem que eu estava falando sozinho. Minha fama de esquisito estava crescendo e eu teria que aprender a lidar com ela.
— Você disse que conquistou a namorada do seu melhor amigo, certo?
— Sim.
— Sua primeira vez foi com ela?
— Apesar de ela querer, não.
— Com quem foi?
— Quer mesmo saber?
— Achei que você me contaria sua vida para eu te ajudar a descobrir como você morreu, Nate.
Ele revirou os olhos ainda rindo com toda aquela provocação.
— Ela era cinco anos mais velha — confessou Nate. — Costumava trabalhar de babá na minha casa quando meus pais saíam.
Fiz uma careta.
— História clichê heterossexual adolescente — resmunguei. — O garotinho excitado que tem a primeira vez com a babá peituda.
— Eu tinha quinze anos, okay?! — exclamou Nathan aparentemente envergonhado. — Foi minha primeira, mas não a única vez.
— Depois deste começo, não tenho interesse em saber como foram as outras — afirmei ainda em tom provocativo. — A menos que sejam relevantes para descobrir o que aconteceu com você.
Nathan não se deu por vencido naquela guerra de provocações.
— E você e o Pete? — Ele questionou em tom desafiador.
— O que tem a gente?
— Ele foi seu primeiro?
— Não interessa.
— Eu te contei quem foi minha primeira, então você tem que me contar quem foi seu primeiro também.
— Há uma grande diferença entre você e eu, Nathan. Você precisa me contar para eu te ajudar e eu não preciso te contar porquê não é da sua conta.
Nathan estufou o peito.
— Tenho certeza que Pete foi sua primeira vez — disse ele. — Tá na cara pela forma que vocês se comportam.
— Cala a boca — resmunguei.
— Também está na cara que Pete é o que fica por cima na relação — continuou ele. — Como se diz mesmo? Ele é o Ativo?
— Cala a boca — resmunguei novamente.
Desviei minha atenção para a entrada do prédio de administração para não dar mais ouvidos as provocações do Nathan...
E para minha surpresa, lá estava ele.
Pete já tinha me visto.
Ele andava em minha direção com aquele sorriso perfeito eignorando todas as pessoas a sua volta.
...
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