09 - Prova
Eu devia estar estudando para as provas da faculdade naquela semana, mas insistia em procurar nos livros da minha avó algumas respostas sobre almas desencarnadas. Também separei alguns livros sobre sensitivos, videntes e pessoas que desenvolveram dons durante a vida. Minha intenção era não só descobrir o que estava acontecendo com Nathan, mas também entender o motivo de eu ter começado a ver espíritos.
Durante as aulas, eu tomava nota e tentava decorar tudo que achava importante nas explicações do professor. Eu sabia que não era o bastante e que teria que me esforçar mais se quisesse obter uma boa nota, mas eu não tinha tempo a perder...
Eu precisava resolver meus problemas o quanto antes.
"Eles estão entre nós" foi um dos livros que separei para tentar encontrar algumas respostas. Ele falava sobre espiritualidade, vida após a morte e os diferentes lugares que nossa alma pode ir depois do desencarne.
Segundo alguns capítulos do livro, pessoas recém desencarnadas que não terminaram sua missão neste mundo não conseguiam seguir para o pós-vida. Pessoas que tiveram a vida ceifada prematuramente também não conseguiam se desprender e partir.
Aquela era uma possibilidade para Nathan.
Se a morte dele foi causada por alguém, ele teria dificuldades para seguir, pois não era a hora dele.
No livro "O Espiritual", um dos capítulos que mais chamou minha atenção foi o que dizia que pessoas sensitivas podiam arranhar realidades, quebrar paredes dimensionais e espiar mundos. Aquilo explicava em partes algumas de minhas dúvidas, mas...
Por que e como eu havia desenvolvido aquele dom? Meus sonhos não voltariam? Por que eu não conseguia mais sonhar e ter visões?
Quando estive no linear entre a vida e a morte, conversei com um ser misterioso. Ele disse que salvar Pete da morte teria um preço...
Será que ver pessoas mortas era o tal "preço"?
Eu acreditava que o preço por ter salvo a vida do Pete era perder meus sonhos e meus dons, mas depois de descobrir minha nova habilidade, aquela teoria não fazia mais sentido.
Por que eu não conseguia lembrar do que aconteceu depois? Por que eu não lembrava do que conversei com aquela silhueta?
Por que aquilo tudo estava acontecendo?
— Sinto que minha cabeça vai explodir — murmurei.
— O que disse? — perguntou Sara enquanto estudava a meu lado na biblioteca da faculdade.
— Estou cansado — resmunguei. — Meus olhos estão doendo e eu não consigo pensar direito.
Sara olhou curiosa para a pilha de livros a meu lado. Ela não tinha se dado conta até aquele momento que eles não eram de biotecnologia.
— Que livros malucos são esses, Klay? — Ela perguntou.
Empilhei e coloquei os livros que não eram do curso em meu colo rapidamente.
— Livros velhos da minha falecida avó — afirmei. — Foleei eles para descansar um pouco da matéria.
— Boa ideia — resmungou ela antes de bocejar e levantar os braços para se espreguiçar. — Também preciso de um tempo fazendo alguma outra coisa ou vou enlouquecer.
Aproveitei que Sara estava distraída guardando seus livros e anotações para também guardar os meus. Eu estava cansado e precisava ir para casa.
— Vai naquela festa com a gente? — perguntou minha colega.
Fiz uma careta.
— Provavelmente não, Sara — falei.
— Qual é, Klay? — Ela insistiu. — Você tem que ir com a gente desta vez.
— Pete está em Nova Iorque para o enterro da tia dele — afirmei. — Acha que tenho ânimo para festas?
— Até parece que a tia é sua, Klay — resmungou Sara.
— Ele volta na sexta e quero dar apoio a ele — retruquei seriamente. — Seria muita falta de noção da minha parte ir em uma festa num momento como este!
Não esperei a resposta da minha colega de curso para levantar, colocar minha mochila nas costas e acenar me despedindo para sair dali.
Eu tinha muitas coisas para pensar.
***
Eu estava exausto e com a cabeça cheia de informações cruzadas. As provas começariam em poucos minutos e eu não tinha estudado o suficiente para tirar uma boa nota. Minha teimosia e curiosidade me fizeram estudar quase todos os livros sobre espíritos e dons paranormais da minha avó. Os livros e apostilas de biotecnologia ficaram de lado assim como minhas anotações das últimas aulas.
Eu estava perdido.
— Confiante, Klay? — perguntou Jessica.
Entortei a boca.
— Você sempre é o que mais estuda — disse Sara. — Duvido que tire uma nota ruim.
— Não estudei o suficiente — confessei. — Tenho certeza que vou me ferrar.
Minhas colegas se olharam não acreditando no que eu dizia.
O professor entrou na sala já pedindo para os alunos tirarem todo o material e anotações de estudo das carteiras. Enquanto distribuía as folhas da avaliação, ele avisou que a prova seria praticamente toda de múltipla escolha e que só algumas questões teriam respostas manuscritas.
Eu mal tinha começado a ler o conteúdo da prova e já sabia que haviam muitas questões que eu não fazia ideia das respostas. Peguei minha caneta, tirei a tampa dela com as mãos suadas e respirei fundo para me concentrar e fazer o máximo que eu podia.
— Vamos lá, Klay — sussurrei enquanto colocava meu nome no topo da página. — Você consegue.
As duas primeiras questões eram óbvias, mas as quatro seguintes eram complexas e eu não fazia ideia da resposta. Por mais que eu pensasse, eu não conseguia lembrar as explicações do professor ou o que eu tinha anotado em meus rascunhos.
Até que...
— Quer ajuda? — perguntou Nathan aparecendo de repente.
Meus braços bateram com força na carteira por conta do susto. Por sorte, ninguém deu atenção para aquilo.
— O que faz aqui? — sussurrei entredentes.
— Você está encrencado? — Nathan perguntou se aproximando e olhando para minha folha praticamente em branco em cima da carteira. — Se quiser, eu posso te ajudar.
— Você não entende nada de biotecnologia — resmunguei. — Você era só um estudante do ensino médio.
De repente...
— Algum problema, Sr. Nivans? — perguntou o professor.
— Não, professor — afirmei forçando um sorriso.
— Faça sua prova em silêncio, por favor — pediu ele seriamente.
Nathan pareceu se divertir com aquela cena. Sua energia estava mais descontraída e amigável. Apesar de ainda me causar incômodos e dores, estava bem mais leve e suportável do que em outras ocasiões.
— Eu vi sua cara enquanto lia a prova e tenho certeza que você está perdidinho, Sr. Nivans — brincou Nathan a meu lado.
Balancei a cabeça negativamente e o fuzilei com o olhar. Nem naquele momento que eu precisava de paz e concentração ele me deixava em paz.
Nathan andou de um lado para outro olhando a carteira dos alunos que faziam a prova. Depois, ele cruzou a sala e foi até a mesa do professor para ver o que ele estava fazendo.
— A resposta da questão número três parece ser a alternativa "C", Klay! — exclamou Nathan. — A maioria dos seus colegas respondeu ela e, pelo que estou vendo do gabarito na mesa do seu professor, está correta!
Revirei os olhos antes de assinalar a alternativa "C" da questão numero três. Nathan abriu um largo sorriso e gesticulou como garotos heteros costumam fazer quando se sentem os maiorais.
— Quer saber as outras? — perguntou Nathan cruzando os braços. — Estou olhando o gabarito da prova agora na mesa do seu professor.
Continuei a encara-lo como se quisesse mata-lo, mesmo ele já estando morto.
— Melhor tomar uma decisão rápida, pois ele pode guardar o gabarito a qualquer momento — disse Nathan fazendo chifrinhos com os dedos na cabeça do meu professor.
Assenti.
Eu não tinha outra escolha.
Uma a uma, Nathan me passou todas as respostas da prova. Quando chegou nas questões sem alternativas, ele ditou palavra por palavra para eu responder.
Revisando a prova depois de terminada, se não fosse por aquela ajuda, eu teria errado mais da metade das questões. A prova estava difícil e quem não havia estudado teria sérios problemas para respondê-la.
— De nada! — exclamou Nathan ainda de bom humor.
Balancei a cabeça negativamente ainda inconformado.
— Não é porque sou um espirito que não podemos ser amigos — disse ele. — Eu te ajudo, você me ajuda e a gente pode até tomar uma cerveja no fim do dia.
Fiz uma careta e tapei parte do rosto com a mão.
— Só cuidado para não se apaixonar por mim, pois sou muito atraente — disse Nathan voltando a cruzar os braços e fingir um ar de superioridade.
Voltei a encara-lo com uma expressão enojada.
— Vai me dizer que você não me acha atraente? — Ele perguntou. — Talvez não ache, pois não estou mais vivo e isso seria muito estranho. Tipo necrofilia, sabe?
Soltei todo o ar de uma única vez.
Aquele papo estava me torturando e eu nem podia retrucar para não levar mais broncas do professor.
— Você acha que eu era bonito? — Nathan perguntou. — Todas as garotas do meu colégio eram loucas para sair comigo, Klay.
— Cala a boca — sussurrei.
— Te visitar aqui na faculdade me fez lembrar do meu colégio, das provas e dos meus colegas — continuou ele. — Tenho saudade de tudo. Tenho saudade dos meus amigos, da minha família...
— Acabei, professor! — exclamei levantando o braço. — Será que eu posso sair um pouco mais cedo?
— Se você já acabou, pode — disse o professor.
Depois de levantar, entregar a prova para o professor e sair da sala, caminhei pelo corredor em direção as escadas...
— Onde você vai? — perguntou Nathan me seguindo.
— Para a biblioteca do térreo — respondi impaciente.
— Posso ir com você? — Ele perguntou.
— Se ficar em silêncio, pode! — afirmei.
Nathan correu para me alcançar e se colocar a minha frente. Ele ainda estava orgulhoso pela ajuda que me dera.
— Você ainda não respondeu minha pergunta, Klay — disse ele.
— Qual pergunta?
— Se você me acha atraente.
— Você está morto, garoto!
— Então se você me achava atraente.
— Por que isso importa?
Nathan cruzou os braços mais uma vez. Ele queria mesmo uma resposta para aquela pergunta idiota.
— Você era lindo, satisfeito?! — resmunguei. — Tão bonito que até tive problemas com o Pete por sua culpa!
— Sério?! — questionou Nathan curioso. — O que aconteceu?
— Não é da sua conta — falei avançando e passando através dele para seguir meu caminho.
— Se foi por minha culpa, eu quero saber — disse ele aparentando preocupação. — Não quero ver meu casal favorito ter problemas.
Eu podia sentir que ele estava falando sério.
Nathan exalava boas intenções, preocupação e muita curiosidade.
— Salvei algumas fotos do seu Instagram no meu notebook quando estava investigando o que aconteceu com você — contei. — Pete acabou vendo as fotos e eu não soube explicar o motivo de elas estarem lá. Ele pensou que eu estava afim de você ou que estava traindo ele, sei lá!
Nathan voltou a ficar orgulhoso.
— Não culpo seu namorado por sentir ciúme de mim — disse ele em tom de brincadeira. —, mas vocês já se acertaram, né?
— Sim — confirmei.
— Fico feliz — disse Nathan com um largo sorriso.
Revirei os olhos, mas não pude evitar a vontade de sorrir. Nathan era irritante e ainda me causava dores físicas, mas as energias dele não estavam ruins e agressivas. Eu podia sentir que ele gostava de mim, gostava do Pete e realmente se importava com a gente.
— A propósito... — continuei depois de pigarrear. — Obrigado por me ajudar na prova. Se não fosse por você, eu não ia conseguir fazer.
— É o mínimo que eu poderia fazer por você — falou Nathan. — Eu sei que você está estudando alguns livros de espíritos e coisas estranhas. Sei que você está fazendo isso para tentar me ajudar, não é?
Balancei a cabeça positivamente.
— Tenho que ir pra biblioteca, Nathan — falei começando a descer as escadas.
— Me chama de Nate, pois vou continuar te chamando de Klay — respondeu ele.
— Vou te chamar de Nate quando você parar de perguntar besteiras, Nathan — resmunguei.
— Ué, eu só queria saber se você me achava atraente. — Nathan retrucou. — O que há de errado nisso?
— Cala a boca! — exclamei ainda descendo as escadas.
— Pete com certeza me acharia atraente — insistiu ele.
— Cala essa boca, Nathan! — exclamei mais uma vez.
— Pra ele ter ficado com ciúme, é porque deve ter me achado um boy-magia — disse ele. — É boy-magia que fala? Eu não conheço bem as gírias gays.
...
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