06 - Dilema
Pete foi embora no domingo à tarde pouco antes dos meus pais voltarem. Apesar do desentendimento que tivemos, aquele final de semana foi um dos melhores que passei ao lado dele. Talvez nossa pequena briga tenha contribuído para isso, pois Pete estava insaciável. Ele queria deixar claro tanto com palavras quanto em ações o quanto me amava e queria estar a meu lado.
Fiz tudo para demonstrar que era reciproco e que ele era o único homem que eu desejava.
Assim que voltei para meu quarto, sentei na escrivaninha e liguei o notebook, toda a barreira protetora que criei para bloquear minhas preocupações foi destruída. Eu não conseguia tirar da cabeça a imagem daquela garotinha me pedindo ajuda. Eu não conseguia relaxar depois de descobrir que aquelas pessoas não eram projeções da minha cabeça.
Como e por que eu conseguia ver aquelas pessoas? Como elas me achavam e por que desapareciam sem motivo?
— O que vou fazer? — sussurrei deitando a cabeça sobre as mãos.
Quando o notebook ligou, abri o Google e pesquisei novamente por Nathan Lewis. Vasculhei as notícias relacionadas ao nome dele por data, mas não encontrei nada relevante dos últimos dias.
Abri o Instagram e entrei mais uma vez no perfil do Nathan, mas não haviam novos comentários na última foto que ele havia postado. Passei por todas as postagens mais recentes, mas nem uma delas tinha informações que pudessem me ajudar a descobrir o que tinha acontecido com ele.
— Talvez foi mesmo um acidente — sussurrei.
— Não foi! — exclamou aquela voz irritada e familiar.
A atmosfera ficou tensa de repente. Senti a temperatura do quarto cair lentamente além de minha cabeça começar a doer.
— Nathan — murmurei já paralisado com todas aquelas sensações desconfortáveis.
— Não foi um acidente, Klay — exclamou ele parecendo ainda mais irritado. — Alguma coisa aconteceu naquela tarde, mas te garanto que não foi um acidente.
— Por favor, se acalma — pedi assim que meu corpo começou a pesar.
Quanto mais raiva Nathan sentia, mais dores físicas eu tinha.
— É difícil manter a calma quando se está morto com dezessete anos — retrucou ele. — Eu tinha uma vida! Um futuro!
— Você não imagina o quanto lamento, mas sua raiva me faz muito mal — afirmei. — Eu sinto sua dor, sua raiva e outros sentimentos horríveis que você tem carregado, mas se você não conseguir se controlar, vai ser muito difícil nos comunicarmos.
Nathan assentiu.
Eu também conseguia sentir o quanto era importante para ele conseguir se comunicar comigo.
— Me desculpa? — pediu ele cruzando os braços. — É difícil controlar minha indignação diante do que está acontecendo.
As sensações de peso e dor foram aliviando lentamente, mas não cessaram. Eu ainda sentia dificuldade em ficar próximo a ele, mas estava um pouco mais suportável.
— O que aconteceu com você, Nathan? — perguntei desviando minha atenção completamente para ele.
— Não lembro. — Ele respondeu.
— Você não sabe como morreu? — questionei.
— Não — disse ele.
Suspirei.
Seria difícil ajudar ele sem aquela informação.
— Se você não lembra, como tem certeza de que não foi um acidente? — perguntei.
— Lembro bem pouco das últimas horas da minha vida até perder a consciência — disse ele. — Eu fui pro colégio, participei do treino de basquete com meus amigos naquela manhã e...
Nathan fez uma pausa.
Ele franzia o cenho como se estivesse tentando lembrar de mais detalhes.
— E o que aconteceu depois?
— Blecaute total!
— Onde você estava em sua última lembrança?
— Na quadra de esportes do colégio.
— Seus amigos estavam com você?
— Estavam todos no vestiário tomando banho. O treino tinha acabado e eu estava terminando de recolher os uniformes, redes e bolas que usamos no jogo.
— Você ficou sozinho na quadra?
Nathan apertou os olhos tentando lembrar de mais detalhes. Enquanto ele se esforçava, senti seu humor mudar e ficar agressivo mais uma vez.
Meu estômago embrulhou e tive que prender a respiração para não vomitar.
— Se controla, Nathan...
— Não consigo lembrar!
— Fica calmo, por favor.
— Por que não consigo lembrar?
Não haviam motivos que me levavam a crer que a morte do Nathan foi um acidente, mas também não haviam indícios de um crime.
Como um aluno seria morto em uma quadra de esportes dentro do colégio?
— Você tinha problemas cardíacos? — perguntei. — Diabetes? Hipertensão? Asma?
— Não. — Ele respondeu. — Eu jogava basquete, fazia musculação e tinha aulas de jiu-jitsu. Minha saúde era perfeita.
— Você bebia, fumava ou usava drogas? — questionei.
— Claro que não, Klay! — exclamou ele indignado. — Eu era um atleta!
— Usava anabolizantes ou algum estimulante de desempenho? — perguntei.
Nathan me olhou com reprovação.
— Óbvio que não — respondeu ele. — Eu tinha uma boa alimentação além de horários para comer, dormir e me exercitar.
Eu não era perito naquele assunto, mas se o que Nathan contou era verdade, seria muito difícil ele simplesmente cair morto no meio de uma quadra de esportes por algum problema de saúde ou por alguma overdose.
Talvez ele só não estivesse lembrando de algum detalhe importante.
— Não há notícias na internet sobre você — comentei. — Se sua morte tivesse sido causada por alguém, provavelmente teria saído em algum lugar.
— Ou quem fez isso comigo conseguiu se safar e fazer parecer um acidente — afirmou ele.
— Acha mesmo que alguém faria mal a você? — questionei incrédulo. — Por que alguém te mataria, Nathan?
Minha pergunta pareceu mexer com ele.
Nathan cruzou o quarto e sentou em minha cama como se fosse uma pessoa de carne e osso.
— Não me orgulho das coisas que fiz e que falei quando era vivo — respondeu ele. — Magoei e machuquei algumas pessoas. Fui injusto, covarde e muitas vezes agressivo.
— Com quem? — perguntei.
— Não sei nem por quem começar — disse ele confuso.
Tive que fechar os olhos e respirar fundo para não surtar.
— Nathan...
— Klay, só você consegue me ver e me ouvir. Só você pode me ajudar!
— Olha só, eu...
— Não sei como te encontrei e nem o motivo de tudo isso estar acontecendo, mas sinto que se eu não resolver isso, não vou conseguir descansar!
E eu também não conseguiria.
De todos os espíritos que eu tinha visto, Nathan foi o único que não desapareceu completamente.
— Desculpa, mas não sei como posso te ajudar.
— Me ajuda a descobrir o que aconteceu naquela tarde, por favor?
— Nathan...
— Por algum motivo, eu não consigo me aproximar do meu colégio, da minha casa ou de pessoas que eu tinha contato quando era vivo. Eu só consigo observar de longe e não consigo prosseguir!
— Eu tenho uma vida, Nathan! Tenho uma família, um namorado e as provas da faculdade estão chegando.
— E eu tinha uma vida e um futuro como o seu, Klay! Me desculpe atrapalhar sua vida desta forma, mas imagina se fosse o seu namorado precisando da sua ajuda! O que você faria se o Pete estivesse no meu lugar?
Eu não esperava por aquilo.
Tive que abaixar a cabeça sobre as mãos para não desmoronar.
— Sei que não tem comparação — continuou Nathan. —, pois Pete é seu namorado e eu sou apenas um babaca que foi homofóbico e muitas vezes injusto quando estava vivo, mas, por favor, eu preciso muito da sua ajuda.
Suspirei.
— Veja como são as coisas — ironizei. — Era homofóbico e agora precisa da minha ajuda?
— Acredita em arrependimento? — Nathan perguntou.
Balancei os ombros e desviei o olhar para não ter que encara-lo.
— Depois que morremos, tudo fica diferente — disse ele. — Todas as futilidades e besteiras da vida não fazem mais sentido. Todos os preconceitos e coisas ruins que fizemos parecem tão absurdos...
— Quer mesmo que eu acredite nisso? — questionei. — Quer que eu acredite que todo mundo que morre vira um santo?
— Não virei um santo — disse Nathan balançando a cabeça com um meio sorriso. — Só infelizmente acordei para a realidade tarde demais.
Eu estava confuso.
Haviam muitos motivos que me levavam a querer ajudar aquele rapaz, mas vários outros que me faziam pensar se ele merecia tal ajuda.
— O que de tão ruim você fez para quererem te machucar? — perguntei.
Nathan desviou o olhar e balançou o corpo como se não soubesse por onde começar.
— É uma longa história, Klay — respondeu ele.
— E ainda quer minha ajuda? — questionei incrédulo. — Não sei o que você fez, mas pela sua reação, coisas boas que não foram.
— Confesso que errei muito — afirmou ele. —, mas acho que eu não merecia morrer desta forma. Todo mundo merece perdão e uma segunda chance!
A dúvida estava me deixando assustado.
— Me conta tudo, Nathan — pedi. — Não sou ninguém pra te julgar, mas preciso saber o que de tão grave você fez antes de decidir se vou poder te ajudar.
Nathan assentiu antes de sorrir, mas, de repente...
— Klay?! — chamou minha mãe batendo na porta trancada do meu quarto. — Tem alguém aí com você?
— Não, mãe! — menti levantando para abri-la.
Destranquei a porta, mas só abri uma pequena fresta por esquecer por um momento que eu era o único capaz de ver o espírito do Nathan. Quando lembrei, abri a porta completamente para que minha mãe pudesse entrar.
— Com quem você estava falando? — Ela perguntou.
— Com ninguém — menti coçando a nuca.
— Ainda não estou maluca, filho — disse ela abrindo meu guarda roupas. — Você estava conversando com alguém.
— Com um colega da faculdade por chamada de voz — menti. — Estávamos falando sobre as próximas aulas.
Nathan desapareceu depois que desviei a atenção para minha mãe por um segundo. Ele não estava mais sentado em minha cama ou em qualquer lugar do quarto. As sensações de peso e cansaço também começavam a aliviar apesar de minha dor de cabeça persistir.
— O jantar é daqui a meia hora — avisou minha mãe depois de pegar algumas das camisetas que eu mais usava.
Balancei a cabeça confirmando a informação e agradecendo minha mãe antes de acompanhá-la até a porta para fechá-la novamente.
Respirei aliviado por ela não ter desconfiado de nada.
— Já pode me contar tudo, Nathan — afirmei.
Ele não respondeu.
— Nathan?! — chamei.
Ele não voltou a aparecer.
Arrumei meus livros e cadernos de anotações da faculdade e tomei banho antes de jantar. Fiquei um tempo conversando com meus pais e meu irmão na cozinha antes de escovar os dentes e voltar a meu quarto para finalmente descansar.
Antes de eu pegar no sono, meu celular começou a vibrar. Era Pete querendo iniciar uma conversa de vídeo...
— Hey, Pete! — exclamei assim que atendi.
— Hey, loirinho! — respondeu ele com aquele sorriso que eu tanto amava. — Já vai dormir?
— Sim — confirmei balançando a cabeça. — E você? Que horas pretende dormir? Temos aulas amanhã.
— Vou tomar um banho antes — Pete respondeu. — Só liguei para dizer que te amo e que amanhã vou até o prédio da sua faculdade na hora do almoço com uma surpresa.
— Uma surpresa? — questionei curioso.
— Prometo que você vai gostar — disse ele.
Foi impossível não pensar nas palavras do Nathan enquanto Pete e eu conversávamos por aquela chamada de vídeo. Eu o amava tanto que era impossível imaginar um mundo onde meu namorado não existisse. Ele era tão fofo, carinhoso e especial. Eu o salvei de um destino injusto e cruel no começo mesmo sem conhece-lo, então, por que eu não ajudaria Nathan a encontrar a paz que tanto queria?
— Vou deixar você dormir, amor — disse Pete depois de alguns minutos de conversa. — Eu te amo muito!
— Também te amo muito, Pete — respondi antes de encerrar a ligação.
Não era uma decisão fácil, mas eu não tinha escolha. Ou eu ajudava o Nathan e ao mesmo tempo tentava encontrar respostas para minha nova condição de ver pessoas mortas, ou eu viveria atormentado e assombrado por fantasmas.
A primeira opção, na minha opinião, era a menos pior.
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