02 - Incômodo

O curso de Biotecnologia era tão interessante quanto eu tinha imaginado. As matérias não eram tão chatas e eu conseguia entender as explicações dos professores com mais facilidade. O prédio ficava um pouco mais distante do que eu estava acostumado, mas pelo menos não era tão longe do prédio onde Pete fazia Administração.

Jessica e Sara eram minhas mais novas e inseparáveis colegas de curso. Desde o dia que elas me viram sair do carro do Pete depois de darmos um selinho que elas não desgrudaram mais de mim.
No começo, achei meio estranho todo aquele carinho e entusiasmo só por elas descobrirem que sou gay, mas depois entendi que tudo aquilo tinha alguma coisa a ver com confiança.
Eu era o único homem do curso que elas se sentiam confortáveis para conversar.

— Odeio meu irmão — resmungou Sara enquanto esperávamos o professor chegar para dar aula.

— O que ele fez agora, amiga? — questionou Jessica.

— Ele conseguiu convencer nossos pais a trocar de quarto comigo — respondeu ela revoltada. — Ele vivia reclamando que o quarto dele é o menor da casa.

— Mas se você mora no campus, qual é o problema de trocar de quarto com ele? — perguntei.

— O problema é que ele é um folgado — disse ela batendo com força a palma da mão em minha mesa. — E eu não vou morar no campus para sempre.

Jessica e eu trocamos olhares segurando a vontade de rir.

— Amiga, quando você terminar a faculdade, você terá um emprego, um marido e uma casa só pra você — disse Jessica.

— Não pode ser só um emprego e uma casa? — questionou Sara fazendo biquinho. — Por que eu preciso de um homem a meu lado?

— Porque você é galinha — respondeu Jessica imediatamente.

— Verdade — concordou Sara jogando para o lado seu longo cabelo castanho-claro.

Tivemos que engolir as risadas quando o professor entrou na sala segundos depois para iniciar a aula do dia.

Durante a aula de microbiologia, Pete me enviou algumas mensagens falando o quanto estava entediado e com saudade de ficar a sós comigo. Ele propôs de nos encontrarmos na hora do almoço, pois ele teria que correr para o trabalho depois das aulas.

"E você vai conseguir voltar a tempo para as últimas aulas do dia?" perguntei.

"O prédio de Biotecnologia não é tão distante e vale a pena qualquer esforço para te dar um beijo" respondeu Pete.

— Que romântico — disse uma voz masculina familiar.

Dei um pulo da cadeira por conta do susto.

— O que faz aqui? — sussurrei.

Sara, Jessica e outros dos meus colegas do curso de Biotecnologia desviaram a atenção para mim.

— Com quem você está falando, Klay? — perguntou Sara.

— Ninguém — falei forçando um sorriso. — Eu só estou estudando em voz alta.

— Então estude em voz baixa, por favor — pediu um dos meus colegas de curso que eu não lembrava o nome.

— Desculpe — murmurei.

As alucinações tinham voltado.
O rapaz que eu tinha visto no meu quarto na noite anterior estava a meu lado na sala do curso.

— Sim, eu estou te seguindo — disse ele. — Você é o único que consegue me ver e que pode me ajudar, Klay.

— Cala a boca — sussurrei.

— Eu sei que você acha que sou uma alucinação, mas eu sou real — disse ele ajoelhando no chão a meu lado. — Eu também quero respostas e sei que você pode me ajudar.

A temperatura da sala começou a cair, minha cabeça começou a doer e tive que cruzar os braços para disfarçar o arrepio que senti quando aquele rapaz se aproximou ainda mais de mim.  

— Por favor, vai embora — sussurrei.

— Por favor, me ajuda — pediu ele. — Eu quero ir embora, mas não consigo.

— Cala a boca — murmurei.

A atenção dos meus colegas novamente foi desviada para mim. Meu professor parou a explicação, colocou as mãos nos bolsos de sua calça jeans surrada e suspirou enquanto me encarava com uma expressão nada feliz.

— Algum problema, Sr. Nivans? — questionou ele.

— Não, professor — respondi descruzando os braços e pegando uma de minhas canetas para disfarçar.

— Se tem algo te incomodando, você pode sair da sala quando quiser — sugeriu ele de uma forma nada amigável.

— Estou bem, me desculpe — falei forçando outro sorriso. — Prometo que vou estudar em silêncio.

Depois que todas as atenções da sala voltaram para a explicação do professor, encarei aquela alucinação desejando que ela desaparecesse.

— Não estou brincando — Ele insistiu.

Balancei a cabeça negativamente.

— Só você pode me ajudar, Klay — disse ele aparentando nervosismo.

Por um segundo, senti a energia de alguém que estava perto de mim mudar. Eu não conseguia mais sentir a energia das pessoas desde o dia que pulei no lago na intenção de morrer por alguns minutos, mas, por alguma razão, eu tinha conseguido captar a preocupação e o desespero que alguém naquela sala sentia.
Olhei para os lados na tentativa de identificar de onde vinha aquela energia agoniante, mas não consegui sentir mais nada.
Até o rapaz da minha alucinação tinha desaparecido.

— Eu tô ficando maluco — sussurrei a mim mesmo antes de voltar a prestar atenção na aula.

No almoço, como de costume, fiquei esperando Pete chegar na entrada do prédio do curso de Biotecnologia. Eu preferia encontra-lo sem a presença da Sara, da Jessica ou de qualquer outro colega. Minha intenção era evitar comentários, questionamentos e qualquer situação vergonhosa ou constrangedora que meus novos amigos poderiam causar.
Eu não tinha tanta confiança neles quanto tinha por meus ex colegas Tyler, Sue e Arth.

Pete demorou para chegar, mas quando o vi correndo em direção a entrada do prédio de Biotecnologia, senti meu dia melhorar infinitamente. As preocupações com minhas alucinações e o estresse que aquilo me causava pareciam desaparecer só de ver o rapaz mais lindo do mundo sorrir enquanto corria em minha direção.

— Desculpa a demora, amor — disse ele ofegante por conta da corrida. — Tive problemas para sair do prédio de Administração.

Olhei no celular para ver as horas.

— Só temos dez minutos — falei decepcionado.

— Vou fazer valer a pena — disse Pete olhando em volta antes de se aproximar, me tomar em seus braços e me beijar.

Aquele beijo era tudo que eu precisava.

— Eu trouxe um presente — disse Pete tirando um pirulito do bolso do casaco. —, mas promete que só vai comer depois do almoço?

— Já almocei — afirmei. — Você demorou, lembra?

Pete balançou a cabeça e fez um biquinho fofo de desapontamento antes de voltar a me beijar.

— Ele é um fofo com você, Klay — disse aquela mesma voz masculina.

Foi impossível disfarçar meu incômodo.

— De novo?! — indaguei parando o beijo imediatamente.

— O que, amor? — Pete questionou confuso.

Mais uma vez aquela alucinação.
Mais uma vez aquele rapaz que insistia em me pedir ajuda.

— Nada demais... — murmurei depois de pigarrear. — É que de novo só vou ter alguns minutos com você, Pete.

— Desculpa, amor — disse ele me apertando carinhosamente em um abraço. — Prometo não parar de te beijar neste final de semana.

O rapaz da alucinação continuava a nos observar. Era possível sentir sua impaciência, frustração e desespero. Aqueles sentimentos não eram apenas visíveis nas expressões que ele fazia...
Eu podia senti-las.

Tentei ignorar ao máximo aquela falsa presença enquanto conversava com meu namorado sobre nossos planos para aquele final de semana. Apesar de conseguir ignora-la visualmente, não consegui parar de sentir calafrios e uma sensação de peso no corpo.
Estava impossível disfarçar.

— Klay?!

— Pete?!

— Você está estranho, amor.

— Não estou!

Tive que sorrir e dar um longo selinho nele para disfarçar.

— Suas mãos estão frias, Klay.

— É normal.

— Você tá meio pálido.

— Impressão sua, Pete.

Voltei a abraça-lo para evitar que ele continuasse me avaliando. Pete não podia saber o que estava acontecendo comigo. Ele se culparia, tentaria encontrar soluções e ficaria muito preocupado.
Eu não queria vê-lo preocupado.
Não agora que ele finalmente tinha a vida e a rotina que tanto queria.

— Preciso ir embora, amor. — Ele sussurrou ainda abraçado comigo. — Se não, vamos nos atrasar para as últimas aulas do dia.

— Eu entendo — murmurei. —, mas já estou com saudade.

Pete me deu um rápido e molhado beijo antes de partir. Enquanto se afastava, ele olhava de segundo em segundo para trás para sorrir e acenar em minha direção.

— Que lindo — disse a alucinação. — Agora que ele já foi embora, você pode me ajudar?

— Cala a boca — resmunguei me virando para voltar ao prédio da faculdade.

— Por favor, Klay — insistiu aquele rapaz. — Eu não sou uma alucinação como você pensa.

— Você não existe — falei mentalizando meu desejo de que aquela alucinação parasse de uma vez por todas. — Você é apenas uma ilusão criada por meu cérebro por conta de um estresse pós trauma.

— Meu nome é Nathan Lewis, tenho dezoito anos e tenho um gato de estimação chamado Phelps! — exclamou ele enquanto me seguia pelo corredor da recepção até os elevadores do prédio. — Tenho uma irmã de seis anos e fui eleito o melhor jogador de basquete do colégio McKinley da última temporada!

Tive que parar no meio do corredor para ouvir e tentar entender toda aquela loucura que meu cérebro estava criando.

— Eu sou real, Klay — disse o rapaz. — Eu sou tão real quanto você!

— Se você é mesmo real... — Tive que fazer uma pausa para respirar profundamente. — Por que mais ninguém consegue te ver?

A energia do rapaz pareceu se intensificar naquele momento. Ele emanava raiva, medo, frustração e diversos outros sentimentos perturbadores.

— Acho que é porque estou morto. — Ele respondeu seriamente.

Senti um arrepio apavorante ao ouvir aquela resposta.
Era impossível ser verdade.

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