45 - Segunda Vida

Levei um tempo para abrir os olhos depois de acordar. Meu corpo continuava pesado, minha respiração estava difícil e eu permanecia com muito sono.

— Mãe? — chamei com dificuldade.

— Nossa mãe já volta, irmão — respondeu Shawn sentado na poltrona do quarto.

— O que aconteceu? — perguntei antes de tossir.

— Vai ficar tudo bem — disse ele se aproximando da cama. — Você precisa descansar bastante para se recuperar.

— Onde está o Pete? — perguntei sentindo meus olhos quererem fechar mais uma vez. — Eu preciso ver o Pete...

— Você precisa descansar, Klay — insistiu Shawn dando a volta na cama e saindo do quarto.

Eu queria levantar, seguir meu irmão e saber se meu sacrifício tinha funcionado, mas eu não tinha forças.

Segundos depois de meu irmão sair do quarto, uma enfermeira chegou e apertou um botão em um aparelho que estava ligado a meu braço. Segundos depois, minha visão voltou a escurecer e meu corpo a relaxar.

— Pete... — murmurei pouco antes de desmaiar.

***

— Devíamos falar com um médico. — Ouvi meu pai falar pouco depois de eu acordar.

— Ele precisa descansar, querido — disse minha mãe.

— Ele está desacordado há dois dias — resmungou ele. — Isso não é normal, Alice.

— Você já ouviu os médicos, Albert — retrucou minha mãe. — Ele precisa descansar bastante para se recuperar completamente.

Apertei os olhos e pigarreei.
Apesar de ainda estar com o corpo cansado, eu me sentia bem melhor.

— O que aconteceu? — perguntei tentando erguer meu tronco.

— Não se esforce, querido — disse minha mãe colocando a mão em meu peito para me impedir.

— Não importa o que aconteceu, filho — disse meu pai. — Estamos aqui com você.

— Onde está o Pete? — questionei. — O que aconteceu com ele?

Naquele momento, dois médicos e uma enfermeira entraram no quarto.

— Sr. e Sra. Nivans, peço que venham comigo até a recepção — disse uma enfermeira.

— Aconteceu alguma coisa? — perguntou meu pai.

— Preciso que vocês assinem alguns papéis antes de levarmos o paciente para outro quarto — respondeu a enfermeira.

A dúvida estava me matando.

— Pete... — murmurei antes de tossir algumas vezes. — Onde está o Pete?

Meus pais não responderam e saíram do quarto na companhia das enfermeiras. O médico permaneceu a meu lado com uma prancheta anotando algumas coisas enquanto via a máquina que não parava de calcular meus batimentos cardíacos.

— Você se sente melhor? — Ele perguntou.

— Sim — respondi tentando erguer meu tronco mais uma vez.

— Você será transferido para um quarto mais confortável — disse o médico. — Não há mais necessidade de ficar na UTI.

— Preciso saber o que aconteceu com o Pete — afirmei sentando na cama.

Naquele momento, uma das enfermeiras entrou novamente no quarto.

— Podemos leva-lo? — perguntou a enfermeira assim que voltou.

— Por favor! — exclamou o médico animado. — Se precisarem de mim, estarei na emergência.

Voltei a deitar enquanto a enfermeira desligava os aparelhos e tirava os acessos intravenosos do meu pulso. Eu estava ansioso e inquieto, mas a fraqueza que eu sentia dificultava muito minha comunicação.

Eu precisava saber o que tinha acontecido com o Pete.

— Vou te levar para um quarto bem confortável — disse a enfermeira.

— Meus pais vão voltar logo? — perguntei.

— Sim, não se preocupe — respondeu ela. — Enquanto isso, vou te deixar com seu novo colega de quarto.

— Colega de quarto? — indaguei enquanto ela me ajudava a subir na maca para me levar para a ala de observação.

Passando pelos corredores do hospital, vi meus pais na recepção conversando e assinando alguns papéis enquanto meu irmão Shawn mexia no celular. Passei pela sala de visitas e vi de longe a mãe do Pete tomando café ao lado do Nuri, primo dele.

— Nuri? — questionei.

— Disse alguma coisa? — perguntou a enfermeira.

— Falei comigo mesmo — afirmei fechando os olhos e respirando fundo para tentar me acalmar.

Se o primo do Pete estava ali, alguma coisa tinha acontecido. Aquela dúvida estava me angustiando e quanto mais o tempo passava, mais ansioso eu ficava.

— Chegamos — disse a enfermeira assim que a maca parou.

— Pode chamar meus pais, por favor? — pedi me esforçando para pular da maca para a cama.

— Eles já devem estar terminando — disse a enfermeira me ajudando a arrumar o travesseiro. — Por que você não espera um pouco e relaxa?

— Vai ser difícil eu conseguir relaxar — resmunguei deitando a cabeça no travesseiro e voltando a fechar os olhos.

Eu queria levantar daquela cama e correr por aquele hospital atrás de alguma informação, mas eu mal conseguia sentar e só o esforço de ter trocado de quarto já tinha me esgotado. Tentei fechar meus olhos e usar meus dons para ver o que estava acontecendo, mas não consegui sentir vibrações ou energias a minha volta.

— Que droga! — resmunguei ainda de olhos fechados. — Por que ninguém me fala o que está acontecendo?

— O que você quer saber, colega de quarto? — perguntou uma voz familiar.

Tive que abrir os olhos para acreditar e não achar que minha audição estava me iludindo.

— Pete?! — exclamei em êxtase.

— Até doente você consegue ser marrento, Klay — disse ele abrindo aquele sorriso que eu tanto amava admirar.

— Você está bem?! — perguntei querendo chorar. — O que aconteceu? Você já está recuperado? O que os médicos disseram?

Pete andou lentamente até a cama ao lado, sentou e ajeitou o travesseiro enquanto eu o enchia de perguntas.

— Eu não sei o que aconteceu, amor. — Ele respondeu. — Os médicos disseram que bati a cabeça e quase morri, mas que o inchaço passou e vou me recuperar.

Mesmo ainda com um pouco de dificuldade, consegui respirar aliviado.
Pude sentir minha alma voltar a meu corpo.

— Eu fiquei tão preocupado — falei começando a chorar. — Achei que fosse te perder.

— Você lutou por mim, Klay — disse Pete com aquele olhar carinhoso e generoso. — Você lutou e venceu, amor. Eu serei eternamente grato e apaixonado por você.

Eu não sabia se minha luta tinha acabado, mas sabia que minha ideia e meu sacrifício tinham dado certo.
Pete estava bem.

— Não acredito que vocês estão no mesmo quarto — disse Nuri assim que passou pela porta. — O destino quer mesmo que vocês fiquem juntos, hein?

— Fala baixo, primo — sussurrou Pete preocupado. — Os pais do Klay ainda não sabem.

— Eles estão na recepção conversando com um médico — disse Nuri se aproximando e sentando na beirada da minha cama. — Pelo tanto de perguntas que o pai do Klay faz, acho que eles vão demorar.

As risadas ecoaram naquele espaço.

— Te mandaram para o quarto bem rápido, primo — comentou Nuri. — Ainda bem que nada grave aconteceu com você.

— Os médicos disseram que foi um milagre — disse Pete desviando o olhar para mim por um breve segundo. — Devo ter um forte e destemido anjo da guarda.

— E que bom que você está bem, Klay — disse Nuri segurando minha mão. — Se precisar de alguém para conversar ou desabafar, pode contar comigo. Estarei disposto a te apoiar em todos os momentos.

Só naquele momento me dei conta de que para todos – talvez, menos para Pete –, eu tinha pulado no lago na intenção de me matar.
Isso era apenas uma meia verdade.

— Obrigado, Nuri — falei coçando a nuca para disfarçar. — Eu prometo que isso não vai mais acontecer.

Depois da visita do Nuri, meus pais, meu irmão e a mãe do Pete também entraram no quarto para se despedirem. Já tinha escurecido e como Pete e eu estávamos apenas em observação, todos resolveram ir para casa descansar e voltar no dia seguinte.
Pete e eu não conversamos sobre o que tinha acontecido. Apesar de feliz, eu ainda estava exausto. Eu não fazia ideia do que ele estava pensando ou se perguntando, mas levando em conta todos os gestos, sorrisos e cuidados que Pete teve comigo nas horas que passamos juntos naquele quarto, pude sentir o quanto ele estava feliz e agradecido.

Parte daquele pesadelo finalmente tinha acabado para nós dois.

***

Passaram-se algumas semanas depois de tudo o que aconteceu no lago. Mesmo passando horas pesquisando sobre experiências de quase morte, eu ainda não conseguia entender ou lembrar o que tinha acontecido depois que encontrei minha avó naquele lugar vazio e iluminado. Eu sabia que tinha conversado com alguém, mas não lembrava de nada além de uma silhueta embaçada e uma voz estranha que não parecia ser masculina ou feminina.

Meus pais redobraram a atenção e não me deixaram em paz nem por um segundo. Eles achavam que eu tinha tentado me matar quando pulei naquele lago, então, me forçaram a visitar um psicólogo uma vez por semana e criaram um cronograma familiar onde eles, meu irmão Shawn e eu tínhamos que nos reunir duas vezes por semana para conversar, assistir filmes, jogar cartas ou jogos de tabuleiro.

Pete me visitava quase todas as noites depois de sair do novo trabalho. Agora, os irmãos mais novos dele eram cuidados por uma babá. A mãe dele deixou o trabalho que fazia no restaurante e optou por fazer plantões extras no hospital. As dívidas deixadas pelo pai dele tinham acabado e Pete podia voltar a ter a vida normal que tanto queria.

Tyler, Sue, Arth, Andie e Mike continuavam na luta com a faculdade de Direito. Sempre que os visitava no campus, eu tropeçava nas dezenas de papéis, livros e apostilas de estudos. Arth foi discreto e não disse nada a eles sobre o incidente que ocorreu na piscina do campus. Claro que eles ficaram sabendo da história de um ex aluno que tentou se suicidar, mas não quiseram ir atrás de mais detalhes.

Pete e eu já estávamos nos preparando para os testes de admissão da faculdade para as turmas dos próximos semestres. Passávamos horas estudando, namorando e disfarçando quando meus pais batiam na porta do meu quarto para nos oferecer comida.

Conforme os dias passavam, mais eu me convencia de que tudo tinha voltado ao normal. Não tive mais sonhos lúcidos, premonições ou sensações ruins desde minha experiência de quase morte. Quando eu deitava minha cabeça no travesseiro para dormir, eu apagava completamente. Eu também não conseguia sentir vibrações ou os sentimentos das pessoas como eu tinha aprendido a fazer.

Eu estava começando a me acostumar a ser um ex desmiolado com problemas de ansiedade que lutava contra a morte.

...

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