42 - Ruptura

Acordei sem sono pouco antes do sol nascer. Sentei na cama, estiquei os braços e as pernas para relaxar os músculos e desbloqueei meu celular para ver as horas.
Faltavam cinco minutos para as seis da manhã.

Pete estava dormindo com o corpo virado para o outro lado do quarto. Como ele estava cansado do dia anterior e com dores de cabeça por conta da gripe, levantei com cuidado e andei pelo quarto lentamente para não perturba-lo.

Depois de descer as escadas e ir para a cozinha, encontrei meu pai sentado à mesa mexendo no celular e bebendo em uma xícara que exalava um cheiro delicioso de café fresco.

— Bom dia, filhão — disse ele concentrado na tela do celular. — Dormiu bem?

— Muito bem, obrigado — respondi pegando uma xícara no armário para começar a me servir. — E você? Caiu da cama?

— Sua mãe me empurrou enquanto dormia — brincou ele. — Estamos há anos casados e ela sempre gostou de tomar a cama toda só para ela.

Peguei o leite na geladeira e misturei com o café quente que meu pai tinha acabado de preparar. Sentei à mesa, cortei uma fatia do bolo que minha mãe tinha comprado e peguei dois cookies de um pote grande que foi pintado a mão por minha avó paterna.

— Como está o seu pulso? — perguntou meu pai desviando a atenção para mim.

— Melhor — respondi começando a comer.

— Você precisa tomar mais cuidado, Klay — disse meu pai. — Sei que você já é maior de idade e que sou um chato com você às vezes, mas um dia você será pai e vai entender que é difícil soltarmos os filhos no mundo.

Quase engasguei bebendo o café com leite.

— Por que tá falando isso? — questionei. — Eu não estou solto no mundo, pai.

— Você foi para a casa da sua avó sozinho, foi para Nova Iorque e teve a coragem de largar a faculdade para seguir aquilo que você realmente quer — disse ele parecendo orgulhoso. — Quando você começou a escapar de minhas mãos, rapazinho?

Balancei os ombros e apertei os lábios.
Duvido que meu pai pensaria da mesma forma se soubesse os reais motivos que me levaram a fazer tudo aquilo nas últimas semanas.

— Pretendo voltar para a faculdade no próximo semestre, porém, em outro curso — informei.

— Tem todo o meu apoio — falou meu pai levantando da mesa.

— Jamais duvidei disso, pai — afirmei com um meio sorriso.

Meu pai cruzou o curto espaço que nos separava, beijou minha cabeça e bagunçou meu cabelo.

— Vou voltar para cama e ver se sua mãe me deixa dormir por mais duas horas — resmungou ele bocejando e saindo da cozinha.

Disfrutei do silêncio e tranquilidade da cozinha enquanto terminava de tomar meu café. Há muito tempo eu não me sentia mais feliz, completo e levando uma vida normal. As preocupações pareciam pequenas depois de tudo que aprendi e desenvolvi naquelas semanas. Eu conseguia ter visões acordado, meus sonhos lúcidos estavam mais fáceis de controlar e eu sentia que tinha tudo sob controle.

Nada mais podia dar errado.

Assim que terminei meu café da manhã, fiz questão de preparar um suco natural de laranja com bolo, biscoitos e fatias de queijo branco com manteiga de amendoin para levar na cama para o meu namorado. Tínhamos muitos motivos para celebrar, assuntos inacabados para esclarecer e planos para o futuro para elaborar.

— Pete?! — O chamei assim que entrei no quarto com a bandeja. — Eu sei que está meio cedo, mas o dia está incrível e eu trouxe seu café da manhã.

Ele não respondeu.
Pete continuava deitado de lado com o corpo virado para a janela.

— Pete? — chamei novamente. — Não seja preguiçoso! Eu trouxe queijo branco com manteiga de amendoin.

Deixei a bandeja de café da manhã na escrivaninha e fui até o criado mudo olhar as horas no celular.
Eram seis e trinta e cinco da manhã.

— Desculpe te acordar tão cedo, amor — murmurei coçando a nuca. — É que estou animado com tudo que tem acontecido e com as novidades que você me falou ontem.

Sentei na cama e coloquei a mão no braço do Pete.
Ele estava frio.

— Pete?! — O chamei mais uma vez. — Eu fiz suco natural de laranja e sei que você adora.

Ele não respondia.
Meu coração começou a acelerar.

— Pete?! — exclamei chacoalhando o corpo dele. — Isso não tem graça, okay?!

Puxei o braço dele para move-lo e tirá-lo da posição que estava. Pete parecia estar dormindo, mas seu corpo estava frio e ele não respondia meus chamados. Sua barriga se movia lentamente dando a entender que ele estava respirando bem devagar. Seu rosto estava pálido e os lábios pareciam ressecados.

— Pete! — gritei chacoalhando o corpo dele. — Droga! Não faz isso comigo agora, por favor!

Meu mundo desmoronou.
Eu sentia um vazio cruel em meu peito, meu estômago ficou gelado e minhas mãos começaram a tremer. As lágrimas já tinham começado a cair dos meus olhos e minha respiração ficava a cada segundo mais acelerada.

— Pete, acorda! — Eu gritava. — Nós temos planos, lembra? Temos a faculdade, seu novo trabalho, o passeio no lago... E eu fiz seu café da manhã!

Ele não reagia.
Ergui o corpo do Pete com toda a força que consegui acumular e o abracei enquanto soluçava de tanto chorar.

— Por favor, Pete — murmurei. — Não vá para onde eu não possa te seguir.

Meus pais e meu irmão chegaram no quarto segundos depois. Shawn correu em minha direção, pegou em meus braços e me tirou de perto do Pete para que meus pais pudessem se aproximar.

— O que aconteceu, Klay? — questionou minha mãe preocupada.

— Irmão, fica calmo! — exclamou Shawn me abraçando.

— Pete, acorda! — chamou meu pai chacoalhando e dando leves tapas no rosto dele.

Eu não conseguia raciocinar.
Eu estava sem ação, sem fala, sem rumo...
Era como se o universo parasse naquele momento de dor e desespero.

— Klay, o que aconteceu? — perguntou meu pai enquanto tentava acordar o Pete.

— Eu não... — Tentei falar, mas nada mais saía.

— Ele está gelado, Alice — disse meu pai diretamente à minha mãe. — Tira o carro da garagem, agora! Precisamos leva-lo a um hospital.

— Ele tá morto? — perguntou Shawn.

— Ele está respirando, mas parece muito mal — falou meu pai. — Por favor, separem uma muda de roupa para mim e para o Pete. Vamos leva-lo ao hospital.

Fiquei imóvel ao lado da cama olhando meu pai pegar meu namorado no colo e sair carregando-o para fora do quarto. Eu estava paralisado de medo e inconformado com o que estava acontecendo.
Eu não tinha previsto aquilo.

— Klay! — chamou meu irmão. — Temos que ir!

— Eu não previ isso, Shawn — murmurei socando meu peito. — Eu devia ter previsto isso! Eu devia ter previsto!

— Klay, o Pete precisa de você — disse Shawn me puxando pelos braços. — Vem! Eu te ajudo a se trocar.

— Ele não pode morrer, Shawn — falei quase sem voz.

— Quando mais rápido levarmos ele ao hospital, mais chances ele terá de ficar bem — disse Shawn insistindo em me puxar em direção ao guarda roupa. — Vamos, irmão!

Eu me sentia oco.
Eu estava morrendo de dentro para fora.

Fiquei paralisado durante todo o caminho até o hospital. Pete permanecia desacordado com a cabeça deitada em meu colo. Eu não conseguia olhar para ele. Eu não conseguia abrir os olhos e ver minha falha tirar a vida do amor da minha vida.
Eu não conseguia e nem queria encarar a realidade.

Após chegarmos no hospital e os médicos levarem Pete para a UTI, meu pai recebeu uma ligação da minha mãe informando que já tinha falado com a mãe do Pete e que as duas estavam indo para o hospital. Enquanto meu pai conversava com minha mãe no telefone, eu abraçava a mochila com as roupas do Pete com força para meus braços doerem, pois a dor era a única coisa que aliviava o vazio que eu estava sentindo.

Até de repente, uma ideia surgiu em minha mente.

— Posso falar com minha mãe? — pedi.

Meu pai concordou e me entregou o celular.

— Mãe?

— Oi, querido. Está mais calmo?

— Shawn vai vir com você?

— Sim! Já estamos saindo daqui.

— Há um livro que ele me emprestou que está em cima da minha escrivaninha e ao lado da bandeja com o café que preparei para o Pete. Você poderia pedir para ele trazer aqui, por favor?

— Um livro?

— Sim, por favor...

Minha mãe concordou antes de encerrar a ligação.
Pete ainda estava vivo, então, eu não podia perder as esperanças.

— Quem está acompanhando o paciente Peter Praves? — questionou um médico chegando na sala de espera.

— Aqui! — exclamou meu pai levantando do banco. — Eu e meu filho estamos com o Pete.

— Onde está a família do paciente? — perguntou o médico.

— Está vindo — respondeu meu pai. — Ele é amigo do meu filho. Pete dormiu em casa esta noite, pois foi em um evento com meus dois filhos ontem.

O médico franziu o cenho e abaixou a cabeça.
Senti meu coração falhar.

— O que aconteceu com o Pete? — questionei me controlando para não voltar a chorar.

— Preciso falar com a família dele, pois o estado do paciente Peter é muito grave — disse o médico. — Basicamente, ele deu entrada no hospital já em estado de coma.

— Em coma? — questionou meu pai atordoado com a notícia.

— Estamos fazendo exames para identificar o que causou o coma — continuou o médico. — Qualquer informação é de suma importância neste momento.

Foi o acidente em Manhattan.

— Ele bateu a cabeça — falei voltando a chorar. — Em Manhattan, Nova Iorque.

— Como assim, Klay? — questionou meu pai.

— Pete estava comigo em Nova Iorque, pai — confessei. — Houve um acidente em uma passarela de ferro. Eu tive uma luxação no braço e o Pete bateu a cabeça.

— Vocês foram atendidos por algum hospital de Nova Iorque? — perguntou o médico.

Eu não lembrava o nome do hospital, mas dei todas as informações que pude para ajuda-los a salvar a vida do Pete.
A vida dele não podia acabar daquele jeito.

— Pete estava com você em Nova Iorque? — perguntou meu pai assim que o médico saiu da sala de espera.

— A tia dele está com câncer e ele foi visita-la — afirmei. — Me ofereci para ir com ele já que eu estava sozinho na casa da minha avó.

— Mentira! — falou meu pai. — Você já estava planejando ir para Nova Iorque desde o momento que disse que ia largar a faculdade, Klay.

Eu não podia ter aquela discussão naquele momento.

— Pete e eu combinamos tudo com antecedência, pai — falei já atordoado. — Eu não disse nada por achar que não era algo importante.

— Então, vocês não se encontraram por acaso perto do aeroporto? — questionou ele. — Se não é algo importante, por que vocês mentiram?

Eu não sabia o que responder.

— Podemos ter essa discussão uma outra hora? — pedi educadamente. — Eu sei que mentimos, mas não foi por maldade ou para esconder algo de alguém.

— Tudo bem — resmungou meu pai já desconfiado. — A saúde do seu amigo é o mais importante neste momento.

Concordei, sentei na cadeira da sala de espera e abaixei a cabeça sobre as mãos. Eu me sentia anestesiado, sem vida e sem futuro. Eu já havia passado por muitas situações difíceis e dolorosas, mas aquela conseguia ser ainda pior.

Eram quase onze da manhã quando a mãe do Pete chegou no hospital junto com minha mãe e meu irmão Shawn. Os médicos não tinham dado nem uma nova notícia sobre o estado de saúde dele. Tudo que sabíamos era que Pete permanecia desacordado na UTI.

Eu continuava paralisado de medo. Os momentos que Pete e eu passamos juntos nas últimas semanas era tudo que eu conseguia pensar.

— Como está o Pete? — perguntou Shawn assim que sentou a meu lado.

— Não sabemos — murmurei quase sem voz.

— Vai ficar tudo bem, irmão — disse ele segurando minha mão.

Eu ainda tinha forças para lutar.
Não podia ser tarde demais.

— Você trouxe o livro? — perguntei.

Shawn balançou a cabeça e tirou o livro "Além da Matéria" da sacola que ele estava carregando. Encarei aquela capa dura e surrada antes de abri-lo e folheá-lo até a página que minha avó tinha indicado na carta que deixou para mim antes de morrer...

— Experiência de quase-morte — li o título do capítulo em voz baixa.

...

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