40 - Inesperado

Perdi a conta de quantos livros eu li sobre religiões, adivinhações, sonhos e misticismo durante toda a viagem com o Pete. Acredito que parte de toda essa pesquisa e conhecimento contribuíram para que eu conseguisse ter minha primeira premonição acordado naquele hotel de Manhattan.
De qualquer forma não foi o suficiente, pois eu não conseguia ter visões toda a vez que eu quisesse.

Durante boa parte do dia seguinte que cheguei de viagem, fiquei em meu quarto me concentrando e tentando ter alguma visão do que estava por vir. Pensei no Pete, na minha família e até em meus ex colegas de faculdade, mas não consegui prever nada. Eu não me sentia bloqueado e nem pressionado a ter visões, mas elas não vinham.
Se eu conseguisse controla-las, eu estaria um passo mais próximo de alcançar meu objetivo.

Depois do almoço, recebi a ligação do Pete informando que teria o resto da semana livre e que podíamos aproveita-la antes que ele se tornasse novamente responsável por seus irmãos mais novos. Enquanto conversávamos, foi impossível não perceber o quanto ele estava estranho, distraído, abatido e com a voz rouca.

— Vou levar o Shawn em um evento de games e tecnologia nesta sexta-feira — comentei durante a conversa. — Você podia vir com a gente, né?

— Não vai ficar meio estranho? — questionou Pete. — Seu irmão pegou a gente se beijando na sala o dia que eu fui dormir aí, lembra?

— Duvido que ele se importe — afirmei. — Meu irmão não se importa com essas coisas, Pete.

— Se você acha que não terá problema, eu vou! — exclamou ele demonstrando um pouco de animação.

Mas ele estava claramente abatido.

— Depois do evento, você podia dormir aqui de novo, né? — propus.

— Mas e seus pais e seu irmão? — perguntou Pete. — Eu não quero incomoda-los, Klay.

— Eu já estou com saudade de você, amor — murmurei com um tom mais malicioso para instiga-lo. — Saudade do seu corpo, do seu cheiro, dos seus beijos...

Pete pigarreou e tossiu de maneira estranha algumas vezes.

— Também estou com saudade de você, amor — respondeu ele ainda mais rouco.

— Pete, você está bem? — questionei já preocupado. — Você não estava assim ontem.

— Deve ser uma simples gripe — respondeu ele pigarreando mais uma vez para que sua voz pudesse sair. — Minha imunidade deve ter baixado por causa da viagem.

Pete confessou que estava com dor de cabeça, tosse e com o corpo um pouco cansado. Apesar de serem sintomas de uma simples gripe, senti um arrepio apavorante subir por minhas costas e um vazio gigantesco invadir o meu peito.

— Melhor você ir ao médico, Pete — recomendei.

— É só uma gripe, amor — respondeu ele subindo a voz para parecer mais animado.

— De qualquer forma, não podemos arriscar — afirmei.

— Minha mãe vai preparar uma sopa e tem remédios para gripe aqui em casa — disse ele. — Não se preocupe que eu estarei bem melhor na sexta-feira.

Tive que concordar apesar da preocupação. Gripe é algo comum e fácil de tratar, então, tive que me conformar e procurar meios de não surtar com aquilo. Eu tinha que entender que era natural que Pete ficaria doente de vez em quando.

Naquela mesma tarde, pouco antes do anoitecer, passei no campus da faculdade para rever meus ex colegas de curso. Há muito tempo eu não tinha uma boa conversa com o Tyler e a Sue. Trocávamos mensagens de vez em quando, mas nunca nos aprofundávamos em algum assunto.
As conversas geralmente acabavam depois dos cumprimentos.

— Ele está vivo?! — brincou Sue assim que entrou no quarto do Tyler e me viu sentado na cama.

— Também quase desmaiei quando o vi — disse Tyler no mesmo tom de brincadeira.

— Não faz tanto tempo assim, okay?! — resmunguei. — Eu estava viajando e vocês sabem!

— Para Nova Iorque, sabemos! — exclamou Tyler fazendo uma careta. — Metido! Abandonou a faculdade e foi tirar férias em Manhattan.

— Que inveja — murmurou Sue. — Se você soubesse a quantidade de coisas que temos para estudar.

— Eu imagino — afirmei aliviado por não estar mais naquela situação.

Conversamos descontraidamente trocando novidades até os outros membros do grupo de estudos chegar. Andie, Arth e Mike entraram no quarto com sacos de salgadinho, refrigerante e livros para aquela noite de estudos.

— Voltou para a escravidão, Klay Nivans? — questionou Mike virando o saco de livros e apostilas no chão do quarto.

— Só estou de passagem — afirmei.

— Aquele professor é um tirano! — exclamou Andie revoltada. — Ele acha que estudante de Direito tem trinta horas livres e disponíveis em um dia!

— Sem falar nos livros de setecentas páginas que ele pede para lermos em uma semana — resmungou Sue. — Ele não deve ser norte-americano!

— Quando me diziam que metade da turma abandona o curso antes de se formar, eu não acreditei — disse Arth colocando os sacos de salgadinho na cama.

Eu não queria atrapalha-los.
Estava mais do que claro que eles virariam a noite estudando.

— É melhor eu ir — afirmei levantando e desviando de todos aqueles livros no chão do quarto. — Só passei para dar um oi e rever vocês, amigos.

— Tá cedo, Nivans! — exclamou Arth. — Acabamos de chegar.

— Ele deve ter um compromisso com alguma gata de Nova Iorque — zombou Tyler com uma voz de deboche.

— Você foi para Nova Iorque? — Andie. — Eu te odeio!

Revirei os olhos e comecei a rir.

— Na verdade, tenho que voltar para casa e comprar os ingressos daquele evento de games e tecnologia que vai ter na sexta-feira — afirmei. — Vou levar meu irmão para conhecer um desses streamers famosos.

— Qual streamer? — perguntou Sue.

— Matt Hale, eu acho — respondi.

— Matthew Hale?! — exclamou Arthur. — Ele vem pra cidade?

— Sim — confirmei. — Nesta sexta-feira.

Ninguém pareceu se importar com aquela notícia, exceto o Arth. Antes de eu me despedir de todos, cruzar a porta e ir embora, ele pegou o celular do bolso da bermuda, sentou na cama entretido e concentrado com seja lá o que estava começando a fazer.

Talvez, ele também fosse fã daquele streamer.

***

Os dias passaram rápido e a sexta-feira chegou sem eu perceber. Pete estava quase chegando para levar Shawn e eu no evento de games e tecnologia que ia acontecer durante todo aquele final de semana na cidade. Eu já tinha terminado de me arrumar e separar tudo o que íamos precisar em uma mochila. Tínhamos planos de ficar lá a tarde toda passeando, por isso, guardei tudo que achava necessário para não termos nem um tipo de surpresa ou dificuldade.

Há muito tempo eu não via meu irmão Shawn tão animado. Desde o dia que nossa família mudou para a Pensilvânia, ele tem se comportado de forma fria e introvertida. Além de perder muitos amigos, acredito que ele gostava da agitação e das possibilidades que tinha em nossa antiga cidade. Demorou muito para ele começar a se habituar e a gostar da nova casa, do novo colégio e das novas amizades que fizera.

— Shawn! — exclamei batendo na porta do quarto dele. — Você está pronto? O Pete já saiu de casa e vai chegar aqui a qualquer minuto!

— Entra, irmão! — respondeu ele. — Estou me trocando.

Era raro meu irmão Shawn deixar eu entrar no quarto dele. Eu nem lembrava de qual cor eram as paredes daquele cômodo.

— Que demora para se trocar, Shawn — resmunguei. — Já era para você estar pronto!

— Eu me atrasei pesquisando na internet os estandes que quero visitar hoje — respondeu ele animado.

Cruzei os braços e suspirei enquanto olhava os detalhes do quarto do meu irmão. Ele tinha alguns posters de jogos e animês colados na parede, uma escrivaninha grande onde ficava o computador, alguns bonecos que ele colecionava e um pequeno guarda roupa ao lado da cama de solteiro.

— Você vai levar mochila? — perguntou Shawn enquanto colocava a camiseta. — Pode guardar um quadrinho para mim?

— Claro — concordei. — Onde está?

— Na prateleira em cima da escrivaninha, irmão — respondeu ele. — É o único quadrinho que está deitado e não em pé junto com os livros.

Coloquei a mochila na cadeira e estiquei o braço para pegar o quadrinho. Antes de guarda-lo na mochila, meu olhar passou cuidadosa e curiosamente pelos livros que estavam naquela prateleira. Eu já tinha visto a maior parte deles, mas tinha algo diferente...

— Além da Matéria — falei o título depois de encontrar o livro na prateleira do Shawn.

— Esse livro era da vovó — disse ele. — Foi a única coisa que peguei depois que ela morreu.

— Ele estava aqui — murmurei incrédulo. — Este tempo todo, ele estava aqui.

— Ele fala de vida após a morte — disse meu irmão. — Fiquei triste com a morte da vovó e peguei este livro para ler e saber se ela poderia estar bem e em um lugar melhor.

Eu precisava ler aquele livro, mas não podia cancelar aquele dia. Shawn estava animado com o passeio e Pete estava se recuperando da gripe que pegou no retorno de nossa viagem. Aquele dia ia ser perfeito e eu não podia me distrair com aqueles assuntos.
Pete e Shawn jamais me perdoariam.

— Tudo bem se eu pegar emprestado, Shawn?

— Sem problema.

— Eu devolvo assim que eu terminar de ler, okay?

— Na verdade, você pode ficar com ele.

Naquele momento, Pete buzinou anunciando sua chegada. Segundos depois, uma mensagem dele chegou em meu celular avisando que estava nos esperando.

— O Pete chegou — informei observando Shawn colocar o tênis. — Por favor, me fala que você está pronto para ir.

— Seu namorado pode esperar cinco minutos, não pode? — perguntou ele em tom de deboche. — Ou você está tão ansioso assim para vê-lo?

Shawn e eu não tínhamos conversado mais sobre minha sexualidade e meu relacionamento com o Pete.

— Sobre isso, acho que precisamos conversar — afirmei coçando a cabeça envergonhado. — Você é muito novo e precisa entender algumas coisas que...

— Irmão, eu entendo! — exclamou ele me interrompendo. — Se depender de mim, nossos pais nunca vão ficar sabendo.

Não era exatamente aquilo que eu queria falar. A educação e amadurecimento do Shawn em determinados assuntos era o que mais me preocupava. Ele era meu irmão e eu queria que ele entendesse e respeitasse todas as formas de amor.

— Mas e você? — questionei. — Está bem mesmo em saber que seu irmão mais velho gosta de rapazes?

— Os melhores amigos do Matt Hale são gays — respondeu Shawn. — Eles namoram e são muito felizes.

— Matt Hale? — indaguei. — O streamer que você vai conhecer?

— Ele mesmo — respondeu Shawn terminando de se arrumar. — Eu não ligo se você gosta de rapazes.

Respirei e sorri aliviado.

— Pete está nos esperando, Shawn. — O lembrei.

— Vou ter uma conversinha com esse tal de Pete — resmungou Shawn em tom de brincadeira enquanto saía do quarto. — Quero saber quais são as intenções dele com meu irmão.

— Não tá falando sério, né? — questionei pegando a mochila, colocando-a nas costas e acompanhando o acompanhando.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top