38 - Nêmesis
– 15 –
— Eu morri? — indaguei assim que abri os olhos.
Eu estava deitado em um lugar escuro.
Não havia nada a minha volta além de uma total e completa escuridão.
— O que acha? — perguntou uma voz distante e muito parecida com a do Pete.
— Quem é? — questionei olhando em volta.
— É sério que só foi eu dizer que você precisa morrer para me salvar que você pulou de uma passarela? — perguntou aquela mesma voz.
Não era possível.
Aquilo não podia ser um sonho.
— Falso Pete? — deduzi.
— Você ainda está vivo, Klay — disse a voz dele ficando cada vez mais próxima.
De repente, um estalo...
E eu estava sentado na mesma mesa da mesma lanchonete que eu costumava sonhar com o falso Pete.
— Como eu estou vivo? — questionei confuso. — Eu caí de aproximadamente dez metros de altura.
— Milagres acontecem — disse ele sentado a meu lado com aquele mesmo sorriso fofo e especial de sempre. — Sem falar que ainda não é a sua hora de morrer, Klay.
Então...
— O que aconteceu com o Pete?! — exclamei levantando da mesa bruscamente.
— Comigo? — questionou ele. — Eu estou bem!
— Não com você, caramba! — resmunguei. — O que aconteceu com o verdadeiro Pete?!
— Eu não sei — respondeu o falso Pete coçando a cabeça. — Ele ficou sozinho naquela passarela de dez metros de altura.
Eu não tinha tempo para aquelas bobagens.
Eu precisava acordar para saber o que estava acontecendo.
— Eu preciso acordar! — exclamei colocando as mãos na cabeça e fechando os olhos para me concentrar. — Eu preciso acordar agora!
— Por que a pressa? — questionou o falso Pete. — Você já está desacordado há bastante tempo, Klay.
— Não é verdade! — exclamei ficando mais irritado. — Eu acabei de cair daquela passarela, droga!
— Você está desacordado há muito tempo — reafirmou ele. — Tanto que nem faz ideia!
Apesar de tudo, eu não me sentia diferente. Aquele sonho era igual aos outros que eu costumava ter. Os sentimentos estavam intensificados, as cores mais vivas e eu sentia quase que o total controle de tudo que estava acontecendo...
Eu só não tinha controle sobre o falso Pete.
— Me ajuda, por favor — pedi humildemente.
— Ajudar no que? — questionou ele.
— Você sabe tudo que acontece comigo e já provou que sabe o que vai acontecer no futuro, então, por que não me ajuda? — perguntei batendo com as mãos na mesa.
— Não funciona assim, Klay — respondeu ele desviando o olhar.
Tive que respirar para não começar a gritar.
— Então me explica como isso tudo funciona?
— Klay...
— Você aparece em meus sonhos, diz coisas confusas e faz piada da minha cara como se estivesse brincando comigo e com o verdadeiro Pete.
— Isso não é verdade.
— Se você fosse meu subconsciente, me ajudaria! Se você fosse uma parte de mim, também estaria desesperada atrás de uma solução e...
Parei de tagarelar quando uma ideia insana veio à minha mente.
— Klay, eu quero te ajudar, mas...
— Você não é meu subconsciente e nem faz parte de mim.
— Klay...
— Você é ela, não é?
O falso Pete me olhou de maneira confusa.
— Ela quem?!
— A morte! Você é a morte, não é?!
— Ficou louco?!
— Todo esse tempo tem encontrado e conversado comigo com a imagem do Pete para me confundir, não é?!
Ele continuava a me olhar com incredulidade.
Aquela ideia não era tão absurda e eu não tinha outra teoria.
— Sempre consegui controlar meus sonhos, mas toda a vez que te encontro, me sinto preso em minha própria mente.
— Eu não sou a morte, Klay.
— Então, como sabe o que acontece e o que ainda vai acontecer?
— E você? Como prevê o que vai acontecer? Você é a morte por acaso?
— É diferente!
Senti meus lábios secarem.
Meu pulso e minhas costas começaram a doer.
— Eu sei o que vai acontecer porquê sou você, Klay — disse o falso Pete. — Sou uma parte de você.
— Mentira! — exclamei furioso.
— Não temos mais tempo, mas você vai acabar se convencendo de que eu não sou o que você pensa — disse o falso Pete levantando da cadeira a meu lado.
Meu estômago começou a embrulhar e meu corpo a ficar mais pesado.
— O que você está fazendo comigo?
— Nada! Você só está acordando.
— Acordando? ...
— Continue lutando, Klay.
— Espera, falso Pete!
(...)
Senti todo o meu corpo doer antes de abrir os olhos. Minha boca estava seca, meus olhos ardiam e minha mão esquerda parecia pegar fogo.
— Bem-vindo de volta — disse uma voz feminina.
— O que aconteceu? — questionei abrindo os olhos pouco a pouco para me acostumar com a luz do quarto.
— Um grave acidente, mas felizmente você vai ficar bem — disse ela escrevendo alguma coisa em uma prancheta.
Olhei em volta à procura do Pete.
Saber se ele estava bem era a única coisa que me interessava.
— Eu preciso sair daqui — falei tentando levantar, mas sentindo uma dor intensa no pulso esquerdo.
— Nada disso, mocinho! — exclamou a enfermeira colocando a mão em meu ombro. — Você não pode sair daqui sem ser examinado por sua médica.
— Eu preciso saber se a pessoa que estava comigo na passarela está bem! — exclamei aflito.
— Qual é o nome da pessoa? — perguntou a enfermeira. — Todos os acidentados naquela passarela vieram para este hospital.
— Pete Praves — respondi. — Ele estava comigo na passarela! Eu preciso saber se...
— Ele teve uma pequena concussão na cabeça, mas vai ficar bem — disse ela. — Ele está esperando você acordar na sala de espera. Quer que eu o chame?
Respirei aliviado.
— Se você puder chama-lo, vou agradecer muito — falei voltando a deitar naquela cama desconfortável.
— Ele só poderá ficar alguns minutos, okay? — alertou ela. — Você teve uma luxação no punho e estamos esperando os resultados dos exames para saber se vocês poderão ir para casa.
De repente, as lembranças do acidente na passarela vieram à minha mente.
— Eu caí daquela passarela e só tive uma luxação no punho? — questionei surpreso.
— Sorte que aquele caminhão com a caçamba cheia de palha estava naquela avenida — respondeu a enfermeira. — O motorista foi rápido quando te viu prestes a cair. Ele arriscou a própria vida para te salvar.
Era inacreditável.
O falso Pete estava certo quando disse que não era a minha hora de morrer, pois um salvamento como aquele era estranho e conveniente demais.
— Vou chamar seu amigo e a médica para trazer seus exames — disse a enfermeira saindo da sala.
— Obrigado — agradeci, mas não sei se ela me ouviu.
Minha cabeça girava com a quantidade de pensamentos e dúvidas que passavam por ela. Quando eu pensava que tudo estava esclarecido e toda aquela situação ia ser resolvida, mais dúvidas inundavam minha mente.
Minha morte devia ser o ponto final naquela história. O sonho que tive do meu velório, o falso Pete dizendo que eu precisava morrer para salvar o verdadeiro e o fato de eu ter tido uma premonição acordado...
E a teoria de que o falso Pete era a morte.
Parecia uma teoria absurda, mas tudo o que tinha acontecido em minha vida naquelas últimas semanas foram coisas absurdas e inacreditáveis. Eu estava lutando contra a morte do Pete há semanas, tendo visões em meus sonhos lúcidos e começando a captar energias, auras, sentimentos...
Conversar com a própria morte em meus sonhos seria o ápice da minha loucura.
— Klay, graças a Deus você acordou! — exclamou Pete animado assim que entrou no quarto.
Ele se aproximou, sentou na lateral da cama e deu um beijo longo e carinhoso em minha testa.
— Você está bem? — perguntei ainda preocupado.
— Só com um calombo bem dolorido na cabeça — respondeu ele com um lindo e radiante sorriso. — O importante é que você está bem, amor.
— Eu não entendo o que aconteceu — resmunguei erguendo meu corpo para sentar ao lado dele.
Pete desfez o sorriso e respirou profundamente.
— Você quebrou sua promessa, Klay — disse ele severamente. — Você se jogou com a intenção de morrer para me salvar.
— Pete, eu sinto muito, mas... — Tentei argumentar.
— Você não imagina o que eu senti quando sai vivo daquela passarela — continuou ele. — Pensei que você tinha morrido! Pensei que eu tinha te perdido!
— Não era minha hora de morrer — afirmei.
Pete me olhou confuso. Ele não estava ciente de tudo o que estava acontecendo e aquele era o momento perfeito para atualizá-lo.
Contei a ele sobre meus sonhos com o falso Pete e a teoria de que estive conversando com a morte por semanas sem perceber; falei animado sobre a premonição que tive acordado e o quão importante a descoberta daquela habilidade seria para o nosso futuro; fui obrigado a contar detalhes do que eu tinha sonhado na noite anterior...
— É mais complexo do que pensei, amor — disse ele. — Sinceramente, eu não estou entendendo mais nada!
— O Pete que aparece em meus sonhos disse que eu tenho que morrer para te salvar, certo? — pontuei. — Mas quando me joguei da passarela...
— E que graças a Deus não aconteceu o pior com você — acrescentou Pete no meio do meu questionamento.
— Será que ele mentiu? — indaguei ainda mais confuso. — Será que é a morte mentindo e me confundindo sonho após sonho?
Pete balançou a cabeça negativamente.
Ele pareceu não acreditar em nada daquilo.
— Não pode ser, Klay. — Ele afirmou.
— Sem falar que a premonição que tive da passarela caindo foi diferente do que de fato aconteceu — comentei.
— Talvez tenha mudado porquê você apareceu para me salvar — teorizou Pete. — Se você não estivesse lá, talvez tudo teria acontecido igual na sua premonição.
— Esta é a única explicação crível até agora — afirmei.
— Seja o que for, eu fico mais tranquilo — disse ele. —, pois tudo isso prova ainda mais que as pessoas tem sua hora de partir desta vida, Klay.
— Eu sei onde você quer chegar e agradeceria muito se você parasse por aí, Pete — resmunguei.
Pete assentiu e voltou a sorrir.
— Eu só estou feliz por você estar bem, amor — disse ele se aproximando para beijar meu rosto. — Hoje, por alguns minutos, achei que eu fosse te perder.
— Mas não perdeu — falei seriamente. — Ninguém vai perder ninguém aqui.
Ele pareceu não concordar, mas não retrucou. Pete ainda estava preocupado comigo, com minha luxação no punho e em toda aquela história confusa que eu tinha contado sobre minhas teorias e paranoias. Deu para perceber que ele estava incomodado com minha atitude, mas que não queria discutir ou me chatear naquele momento.
Estávamos agradecidos por mais aquele dia juntos.
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