37 - Abnegação

Desbloqueei o celular com a digital, procurei o número do Pete na agenda e pressionei o ícone do telefone para iniciar uma chamada. Pulei da cama, corri para o guarda roupa e pressionei o botão do viva-voz antes de colocar o celular em cima do gaveteiro.
Meu coração estava tão acelerado que tive a impressão que ele ia pular para fora do peito.

— Meu amor! — exclamou ele animado. — Já está acordado?

— Pete, onde você está agora?! — perguntei enquanto me trocava.

— Há poucos minutos do hotel — respondeu ele. — Já estou com nosso café da manhã e tenho certeza que você vai adorar, Klay.

— Eu tive um sonho, Pete! — exclamei ainda atordoado. — Acho que alguma coisa grave está para acontecer.

Pete ficou em silêncio do outro lado da linha por alguns segundos. Também fiquei em silêncio, pois eu não fazia ideia do que estava para acontecer.

— O que você sonhou, Klay?

— Sonhei que acordei e não te encontrei a meu lado na cama. Sonhei com o bilhete que você deixou, comigo trocando de roupa...

— O que mais?

— Depois mudou e eu apareci na rua em meio a uma multidão de pessoas. Havia muito empurra-empurra e barulho por conta de alguma coisa que eu não consegui ver.

— Você me viu morrer? Viu algum acidente ou sonhou com mais alguma coisa?

Eu não podia falar sobre o cemitério.
Pete não me diria onde estava se soubesse que sonhei com meu próprio velório.

— Depois eu acordei, Pete! — menti. — Não sei o que aconteceu, mas não estou com um bom pressentimento.

— Tudo bem, amor — respondeu ele suspirando do outro lado da linha. — Fique aí no hotel que eu vou ficar alerta para qualquer coisa que acontecer por aqui.

— Ficou maluco?! — exclamei pegando sem perceber a mesma blusa que eu estava usando no sonho. — Me fala onde você está que eu vou te buscar.

— Eu vou ficar bem, Klay — disse ele. — Você disse que estava na rua em meio a uma multidão e empurra-empurra, não é?

— Sim, por que? — questionei terminando de me vestir.

— Então vou evitar ficar na rua até você vir me encontrar — disse ele. — Vou procurar um lugar tranquilo e longe de qualquer possibilidade de problema, okay?

Era um bom plano, mas eu ainda estava no escuro. Tudo era possível e eu não conseguiria ficar tranquilo.

— Onde você está, Pete? — perguntei novamente.

— Vou compartilhar com você minha localização em tempo real — respondeu ele. — Estou a uns cinco minutos do hotel.

— Me espera em um lugar seguro que já estou indo — falei antes de pegar o cartão chave do quarto.

— Espera, Klay! — exclamou Pete do outro lado antes que eu chegasse na porta. — Você lembra da promessa que me fez, certo?

— Lembro — retruquei antes de desligar a chamada.

Eu tinha prometido não me arriscar, mas naquele momento não havia nada que me impedisse de tentar salva-lo.

Antes de sair do quarto, fechei os olhos para pensar em meu último sonho. Ele foi muito confuso, misterioso e não tinha me dado pistas ou qualquer indicio de que Pete sofreria um acidente naquela manhã...
Mas meu coração dizia que algo ruim estava para acontecer.

— Se concentra, Klay — sussurrei respirando fundo.

Pouco a pouco, a atmosfera a meu redor começou a mudar. Senti o mesmo frio apavorante de sempre junto com uma pequena e incômoda pontada na cabeça. O quarto parecia girar, minhas roupas e meu cabelo se moviam como se estivesse ventando e, mesmo com os olhos fechados, eu conseguia sentir todas as luzes do quarto piscarem.
Meus olhos ardiam, minha cabeça recebia mais pontadas e meu corpo ficava a cada segundo mais leve...
Eu sentia como se fosse flutuar.
Aquela sensação era diferente da que eu tinha quando sonhava. As imagens vinham à minha mente em flashes rápidos e sem ordem lógica, porém, eu conseguia entender tudo com muita clareza.

De repente, o mesmo estalo que eu costumava ouvir em meus sonhos me fez abrir os olhos...
Eu tinha conseguido.
Eu sabia exatamente o que o destino estava planejando.

— A morte deve estar brincando com a gente! — exclamei finalmente saindo do quarto.

Assim que passei pela porta do quarto e entrei no corredor do hotel, as pontadas em minha cabeça e a ardência em meus olhos começaram a ficar mais fortes. Meu corpo estava bem e eu não me sentia nem um pouco cansado, mas o incomodo na cabeça me fizeram cambalear pelo corredor até chegar no elevador.

— Algum problema, querido? — perguntou a mesma camareira que vi em meu sonho.

— Não se preocupe, pois está tudo bem — menti tentando disfarçar a dor.

— Você está bem? — insistiu a mulher. — Você está pálido e nervoso...

— Podemos ajuda-lo de alguma forma? — questionou a colega dela.

Apesar de estar certo do que eu precisava fazer, não custava nada confirmar. Aquela foi a primeira vez que tive uma premonição acordado, então, eu não podia arriscar estar errado.

— Há uma reforma em uma avenida aqui perto, certo? — questionei insistindo em apertar o botão do elevador.

— Sim — confirmou uma das camareiras. — Fica a duas quadras daqui do hotel.

— E eles construíram uma passarela para os pedestres? — perguntei.

Quando as camareiras confirmaram com a cabeça, o elevador chegou naquele andar. Eu não podia perder mais tempo, pois se o que eu vi estava correto, Pete precisava de mim o quanto antes.

— Obrigado — agradeci depois de entrar no elevador e apertar o botão do térreo.

Enquanto eu corria desesperadamente pelas ruas de Manhattan, tentei ligar no celular do Pete algumas vezes para alerta-lo de minhas novas descobertas, mas a chamada caía diretamente na caixa postal. Não havia tempo para deixar mensagens de voz ou de texto, pois quanto mais eu demorava, mais perigo ele corria.

Quando cheguei no local onde a reforma da avenida estava sendo feita, subi as escadas de acesso à passarela abrindo caminho e empurrando quem eu visse pela frente. Haviam dezenas de pessoas passando por ela naquele momento...

— Pete! — gritei desesperado enquanto corria pela passarela.

— Klay?! — respondeu ele poucos metros à frente.

Abracei ele bem forte.

— Precisamos sair daqui agora! — exclamei puxando Pete pelo braço.

— Por que? — questionou ele me acompanhando. — Você disse que alguma coisa ia acontecer na rua, então, aqui em cima estamos mais seguros.

— A passarela vai cair, Pete! — falei me apoiando em uma das colunas de ferro para olhar para baixo e checar se ainda estava tudo bem.

Pete soltou minha mão e olhou preocupado para os lados.
Ele parecia tão assustado quanto eu.

— Como uma passarela de ferro vai cair, Klay? — questionou ele.

— A reforma vai dar errado, os fios que sustentam a passarela vão romper e tudo vai desmoronar — afirmei sentindo minha cabeça voltar a dar pontadas. — Precisamos sair daqui o quanto antes!

— Precisamos avisar todo mundo! — exclamou ele.

— Não há tempo! — Quase gritei.

Pete pareceu não concordar.
Ele estava tão transtornado quanto eu.

— Estas pessoas podem morrer se você não as avisar, Klay.

— Você pode morrer se continuar aqui, Pete!

— Minha vida não vale mais que a de ninguém, amor.

— Ninguém vai acreditar na gente e a sua vida vale para mim mais que a de qualquer outra pessoa daqui!

De repente, o chão da passarela começou a tremer e o barulho agudo dos ferros se chocando fez todos se agarrarem nos corrimões internos. A passarela começou a inclinar e os fios que ajudavam a sustenta-la estavam se rompendo um por um.
Agarrei Pete pelo braço e voltei a puxa-lo comigo para sairmos dali, mas ele resistiu...

— A passarela vai cair! — gritou ele. — Corram! Saiam daqui!

— Pete, temos que ir! — exclamei voltando a puxa-lo.

— Você precisa sair logo daqui, Klay — disse ele colocando as mãos em meu rosto para me olhar diretamente.

— Eu não vou deixar você aqu...

Antes que eu terminasse a frase, um forte solavanco fez a passarela inclinar bruscamente para o lado. Pete me abraçou antes de cairmos no chão junto com todos a nossa volta.
O barulho da estrutura de ferro e dos fios destrinçando continuavam enquanto sentíamos a passarela inclinar mais a cada segundo.

— Amor, você está bem?! — perguntou Pete afrouxando um pouco os braços em volta do meu corpo.

A estrutura continuava a inclinar e cada vez mais eu sentia dificuldades para me manter no chão. As pessoas a nossa volta gritavam por socorro e tentavam desesperadamente engatinhar até as duas saídas da passarela.
Pete apoiou um dos pés em uma das colunas verticais de ferro da estrutura. A pressão que os braços dele faziam em meu corpo para me segurar chegavam a doer.

— Você precisa ir até a saída, Klay — disse ele pouco a pouco inclinando nossos corpos para o lado. — Se você segurar no corrimão, poderá chegar na saída que não está muito longe.

— Eu não vou sair daqui sem você — afirmei.

— Você fez uma promessa, Klay! — exclamou ele guiando meu corpo para o corrimão.

— Podemos sair juntos daqui, Pete! — exclamei não segurando a vontade de chorar.

Meu maior medo era perde-lo. Eu não me importava com o que podia acontecer comigo.
Eu não podia deixa-lo lá.

— Eu também vou sair, Klay — disse ele forçando um sorriso. — Estarei bem atrás de você, amor.

— Então vai primeiro — ordenei.

Pete voltou a sorrir antes de me dar um longo e carinhoso selinho.

— Nem em situações como esta você deixa de ser marrento e mandão, né? — brincou ele.

Naquele momento, outro solavanco chacoalhou a passarela. Uma de minhas mãos escapou do corrimão e consequentemente parte do meu corpo ficou suspenso para o lado de fora.
Ouvimos uma pessoa gritar, um baque e muitos gritos na parte de baixo da passarela.
Não conseguimos ver, mas provavelmente alguém tinha caído.

— Klay, segura firme! — exclamou Pete segurando meu braço com as duas mãos. — Eu não vou te soltar, amor.

Talvez, se eu me soltasse naquele momento, Pete poderia ser salvo. Talvez, se eu morresse naquele momento, o destino do Pete poderia ser alterado como o falso Pete disse em meu sonho.

— Pete...

— Klay, por favor, segura firme!

— Me solta, Pete...

— Não! Droga!

— Você vai ficar bem se me soltar agora.

— Eu nunca vou te soltar, Klay!

Minha cabeça não doía, meu corpo não estava cansado e nem um dos sintomas que eu geralmente tinha quando estava prestes a mudar o destino do Pete estava se manifestando.
Isso só podia significar uma coisa...

— Eu estou pronto, Pete — falei olhando fundo nos olhos dele.

— Você prometeu, amor — disse ele começando a chorar. — Você fez uma promessa, lembra?

— Eu sonhei com a minha morte ontem — afirmei enquanto pouco a pouco eu tentava me soltar. — Você vai ficar bem, okay?!

— Não desista da gente agora, Klay. — Ele disse enquanto meu braço começava a escorregar. — Não solta agora, por favor!

Dezenas de pensamentos inundavam minha cabeça. Uma enxurrada de sentimentos me dominou e a única coisa que eu queria era que tudo aquilo acabasse.
Eu estava cansado e disposto a por um fim em tudo.

— Garotos, segurem firme! — gritou um homem na rua. — Vamos ajudar vocês!

— Segura, Klay! — insistiu Pete. — Eles vão nos ajudar.

Eu não queria ajuda.
Minha decisão estava tomada.

— É a minha hora, Pete.

— Klay, por favor, não solta!

— Tudo bem, amor. Vai ficar tudo bem...

— Você prometeu!

— Eu te amo.

Puxei o braço com todas as forças que consegui acumular. A última coisa que ouvi antes de fechar os olhos foi Pete gritar por meu nome...

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