36 - Promessas
O jantar no apartamento do Nuri foi divertido e delicioso. O primo do Pete confessou ter encomendado a maior parte da comida no restaurante que seu vizinho trabalha, mas garantiu que a sobremesa foi ele que fez com a ajuda de sua mãe.
A tia do Pete foi muito gentil e hospitaleira. Era notável o quanto ela estava debilitada por causa da doença, mas a todo momento ela sorria e demonstrava o quanto estava grata por nossa visita.
Eu conseguia sentir as vibrações e sentimentos de todos daquela mesa.
Nuri estava feliz pela visita, mas triste e preocupado pelo estado de saúde de sua mãe. Dava para notar o quanto eles eram ligados e o quanto aquela doença terminal estava sendo difícil para ele.
A tia do Pete estava se esforçando para parecer saldável, mas seu cansaço físico e mental eram tão nítidos em suas vibrações que tive que me segurar para não sugerir que ela descansasse e nos deixasse cuidar daquele jantar. Ela estava tão feliz em rever o sobrinho e em me conhecer que estava disposta a ultrapassar seus limites para nos servir e nos deixar confortáveis em sua casa.
Pete, por outro lado, estava realizado. Eu não conseguia sentir nada de ruim nas vibrações dele. Ele estava com saudade de casa e de seus irmãos, mas emanava felicidade, gratidão e amor.
E aquilo me preocupava.
— Você parece feliz, Pete — sussurrei quando o primo e a tia dele se afastaram por um momento.
— Faz muito tempo que não me reúno com eles — disse Pete radiante. — Sem falar que agora tenho você a meu lado, Klay.
Ao mesmo tempo que eu queria sorrir, eu sentia medo e um vazio gélido em meu peito. Um de meus maiores desejos era um dia poder olhar para o Pete e conseguir sorrir sem ter medo de perde-lo no dia seguinte. Admirar o sorriso dele sem o peso de saber que a qualquer momento a luz que ele tinha poderia apagar.
— Estão prontos para a sobremesa? — perguntou Nuri trazendo os pratos e colheres para a mesa. — Se estiver ruim, a receita é da minha mãe.
— Tenho certeza que está delicioso, primo — falou Pete. — Mas se tiver ruim, a gente disfarça.
Tudo que eu podia fazer era aproveitar...
Aproveitar aqueles momentos fingindo que estava tudo bem, pois era o que todos naquela mesa tentavam desesperadamente fazer.
Depois do jantar, Pete e eu decidimos voltar andando para o hotel para aproveitarmos nossa penúltima noite na cidade. A reconciliação daquela tarde e o clima familiar daquela noite ajudaram a acalmar os ânimos, mas os resquícios da tensão e do desconforto do nosso último desentendimento ainda estavam presentes.
Eu não conseguia olhar diretamente para ele. Talvez fosse exagero da minha parte, mas eu não conseguia aceitar as decisões e atitudes do Pete baseadas em algo trágico que não tinha acontecido.
Pete percebeu minha distância, mas não questionou e nem forçou um diálogo durante boa parte do caminho. Ele ainda emanava felicidade, gratidão e um sentimento de saudade que despedaçava meu coração.
— Hey, Klay! — chamou ele parando ao lado de uma praça cheia de esculturas. — Você pode tirar uma foto minha aqui? Eu adorei este lugar!
Concordei imediatamente com a cabeça e peguei meu celular do bolso da blusa para fazer aquela foto. Pete entrou nas dependências da praça, encostou em um dos pilares da maior escultura do lugar e sorriu quando apontei as lentes da câmera do celular na direção dele.
— Como você quer que eu faça? — perguntei enquanto já tirava algumas fotos. — Quer que saia toda a escultura? Quer só você ou parte da praça?
— Confio em você, amor! — exclamou Pete com aquele sorriso que eu tanto amava admirar.
Foi impossível não me contagiar com o sorriso dele. Era tão bom vê-lo feliz e espontâneo. Vê-lo viver, me pedir coisas simples e me chamar de amor.
— O que acha? — questionei entregando meu celular a ele. — Se você não gostar, posso tirar outras.
— Vem aqui — disse ele me puxando pela cintura e posicionando o celular para fazermos uma selfie. — Tira uma foto comigo?!
Pete me abraçou, esticou o braço da mão que segurava o celular e beijou minha bochecha enquanto tirava algumas fotos. O calor e sentimentos que ele emanava por mim eram tão profundos e sinceros que foi impossível não retribuir aqueles beijos e não sorrir para a câmera do celular.
— Sei que você ainda está chateado comigo — sussurrou ele ainda tirando algumas fotos. —, mas não há nada neste mundo que eu não faria por você, Klay.
E mais uma vez me derreti nos braços dele...
— Pete...
— Eu não suporto a ideia de me separar de você. Klay, você faz parte da minha vida agora e só de pensar em te perder, eu...
— Você não vai me perder, okay?!
Peguei meu celular da mão dele e o guardei novamente no bolso da blusa. Pete colocou as mãos em meu rosto, me olhou diretamente e me deu um longo, carinhoso e molhado selinho.
— Eu sou testemunha de tudo que você fez e tem feito por mim desde o dia que me conheceu. Você é meu anjo da guarda, o garoto mais incrível que eu já conheci e a pessoa que eu gostaria de ter para sempre a meu lado.
— Pete...
— Mas temos que por os pés no chão agora, Klay. Eu confio em você e sei que você fará de tudo por mim, mas temos que ser racionais.
Eu sabia como aquela conversa ia terminar, mas não conseguia achar argumentos para debater.
— Se eu estivesse em seu lugar, estaria fazendo a mesma coisa que você tem feito por mim, amor. Eu moveria planetas pra te ver seguro, Klay. Eu entendo o que você sente e entendo a responsabilidade que está em seus ombros agora, por isso, peço que você também me entenda, okay?
Balancei a cabeça positivamente.
— Lute por nós até quando for possível — disse ele antes de engolir com dificuldade e suspirar. — Lute por nossa vida juntos até onde você conseguir, Klay. Você é um cara forte, responsável e esforçado. Tenho certeza que você nunca vai me desapontar.
— Eu vou continuar lutando por nós, Pete — afirmei seguramente.
— Mas me promete que o dia que você sentir suas forças acabarem, que há alguma coisa errada e que você vai se machucar, você vai desistir? — pediu ele.
Eu não podia prometer aquilo.
— Pete, isso não vai acontecer, pois eu vou...
— Me promete, Klay?
— Prometo que vou fazer o impossível para te manter seguro.
Pete me olhou severamente.
Minha teimosia só pioraria as coisas.
— Você está pedindo para eu deixar você morrer, Pete.
— Estou pedindo para você respeitar seus limites, Klay. Por favor, se coloca no meu lugar por um instante e vê o quanto me machuca saber que você pode morrer injustamente por minha causa.
Quando Pete pegou minha mão e a colocou em seu peito, foi como se o mundo a minha volta parasse. Eu consegui sentir exatamente o que ele estava sentindo. A dor, a responsabilidade, a saudade, o amor que ele tinha não só por mim, mas por seus irmãos, sua mãe, sua tia e seu primo...
Era tão puro e incondicional.
— Por favor, Klay — continuou ele. — Tenta me entender.
Foi difícil e doloroso, mas não consegui negar aquele pedido. Por mais que partisse meu coração, tive que concordar.
— Tudo bem, Pete — assenti. — Eu prometo.
— Promete que vai viver por mim? — perguntou ele já emocionado.
— Prometo — afirmei.
— Promete que vai seguir em frente e ser muito feliz se um dia eu não estiver mais a seu lado? — Pete perguntou voltando a colocar a mão em meu rosto e se aproximar para me beijar.
— Prometo — sussurrei sentindo minha voz falhar.
Selamos aquelas promessas com um beijo.
Apesar da tristeza e do peso que aquele momento nos causou, mais uma vez nos esforçamos para fingir que tudo estava bem. Pete e eu enxugamos as lágrimas e voltamos a sorrir como se nada nos incomodasse. Voltamos a tirar selfies, a pesquisar curiosidades de Manhattan, a admirar cada quarteirão que passávamos. Disfarçávamos a todo custo nossas preocupações e reais sentimentos, mas agradecíamos com gestos de carinho mais uma noite que estávamos juntos.
– 14 –
Abri os olhos e rapidamente ergui meu corpo da cama como se eu tivesse acabado de levar um susto, mas nada tinha acontecido. Pete não estava a meu lado, todas as luzes estavam apagadas e a cortina estava parcialmente fechada para a luz do sol não entrar no quarto.
Aquela sensação estranha que há muito tempo que não sentia tinha voltado.
— Pete?! — O chamei.
Cocei os olhos para desembaçar minha visão, levantei os braços para me esticar e soltei um longo e preguiçoso bocejo. Tateei o criado mudo a procura do meu celular e o encontrei junto a um bilhete:
"Fui comprar nosso café da manhã.
Pretendo voltar antes de você acordar"
— Não conseguiu — murmurei voltando a bocejar.
Levantei, fui até o guarda roupa separar uma camiseta aleatória e uma calça de moletom cinza. Pete e eu tínhamos planos de aproveitar o penúltimo dia que passaríamos em Manhattan, então, eu já queria estar pronto quando ele retornasse.
Enquanto eu me vestia, aquele sentimento estranho e frio começou a me incomodar um pouco mais. Havia algo familiar no ar que eu não conseguia identificar. A sensação de déjà vu, a atmosfera diferente e aquela sensação de poder sobre ela...
— É um sonho — concluí pegando minha blusa favorita do guarda roupa.
Fui dominado pelo medo...
Eu estava naquele quarto de hotel e não fazia ideia de onde o Pete estava.
Vesti rapidamente a blusa, peguei meu celular e meu cartão chave do quarto e corri pelo corredor em direção ao elevador. Enquanto eu esperava, duas camareiras saíram de um dos quartos com um carrinho de limpeza.
— Algum problema, querido? — perguntou uma delas.
Elas não eram reais, então eu não precisava me preocupar.
O medo e a ansiedade só cresciam.
Eu tinha que encontrar o Pete antes de acordar, pois precisava saber o que estava acontecendo para intervir antes que o pior acontecesse.
— Você está bem? — insistiu a camareira. — Você está pálido e nervoso...
— Podemos ajuda-lo de alguma forma? — questionou a outra camareira.
— Onde as pessoas costumam comprar café da manhã aqui? — perguntei apertando incansavelmente o botão do elevador.
De repente, um estalo...
E eu estava parado no meio de uma multidão de pessoas.
— Mas que porr... — murmurei sendo empurrado de um lado para outro.
— Saiam da frente, deem espaço! — gritou um policial.
— Por favor, se afastem antes que vocês se machuquem! — gritou outro.
Algo grave tinha acontecido.
Pessoas choravam, gritavam e se empurravam naquele caos.
— O que aconteceu?! — exclamei caminhando e abrindo passagem naquela multidão.
Conforme eu avançava, as pessoas e a atmosfera a minha volta começavam a mudar. Os que antes estavam vestidos com roupas comuns começavam a ficar para trás e davam lugar a pessoas trajadas com ternos e vestidos pretos. O tempo parcialmente ensolarado dava lugar a um céu completamente nublado e o caos e empurra-empurra davam lugar ao silêncio e tranquilidade.
— Pete? — O chamei sentindo uma brisa gélida e apavorante soprar.
Quando finalmente passei por todas aquelas pessoas vestidas de preto, me vi em um cemitério e de frente para um caixão pronto para ser sepultado.
— Não pode ser! — exclamei tentando me aproximar para ver quem estava no caixão.
Uma pessoa segurou meu braço para me impedir de avançar. Virei meu corpo para ver quem era, mas ela não tinha rosto. Era apenas o corpo de um homem com um terno preto, mas com a cabeça completamente branca.
Ele não tinha sobrancelhas, olhos, nariz, boca...
— Me solta! — exclamei assustado.
O homem deitou a cabeça para o lado e apertou meu braço com mais força.
— Me solta! — gritei antes de empurra-lo e cair no chão.
Engatinhei até o caixão para descobrir o que estava acontecendo. Se Pete tinha morrido, eu precisava descobrir o que tinha causado aquela morte para conseguir impedi-la...
Mas não era ele que estava naquele caixão...
Era eu.
— Mas que merd... — resmunguei espantado.
De repente, o "eu" morto naquele caixão abriu os olhos e os desviou em minha direção.
— Eu avisei que não adiantava tentar me enganar, rapaz — disse ele com a voz rouca e perturbadora.
(...)
Abri os olhos e rapidamente ergui meu corpo da cama com o susto causado por aquele pesadelo. Pete não estava a meu lado, todas as luzes estavam apagadas e a cortina estava parcialmente fechada para a luz do sol não entrar no quarto.
— Pete?! — gritei.
Cocei os olhos rapidamente para desembaçar minha visão. Tateei o criado mudo a procura do meu celular e o encontrei junto a um bilhete...
"Fui comprar nosso café da manhã.
Pretendo voltar antes de você acordar"
— Merda! — exclamei sentindo meu coração acelerar e minha cabeça começar a doer.
Não restava dúvida...
Pete estava mais uma vez em perigo.
Notinha do Autor:
Está acabando...
Qual é sua teoria para o final de "Contra o Decesso"?
Espero que tenham gostado até aqui!
Como está no final, toda semana terá capítulos novos. Mais uma vez, desculpem a demora. Meu computador não deu certo, não consegui comprar outro (sou pobre) e estou me virando como posso.
Amo vocês! <3
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