34 - Nuri
Eu ainda estava com sono. O sonho lúcido daquela noite e a resposta do Pete falso não me deixaram dormir o resto da madrugada. Meus olhos estavam pesados, meu corpo estava dolorido pela agitação da noite anterior e a preguiça me fazia bocejar de minuto em minuto.
Pete marcou um encontro com o primo dele antes do almoço no Battery Park. Aquele lugar era perfeito para passear e conversar além de ter uma bela vista da Estátua da Liberdade.
Eu estava com preguiça, preocupado e não conseguia retribuir toda a animação do Pete. Ele tirava fotos, pesquisava curiosidades sobre Manhattan e tentava me animar com beijos e carinhos...
Mas eu não conseguia parar de pensar em meu último sonho.
— O que você tem, amor? — perguntou Pete me abraçando. — Parece desanimado, cansado...
— Não dormi bem ontem a noite — falei antes de bocejar mais uma vez.
— Mas acho que não é só isso, Klay — supôs ele. — Você está triste e um pouco distante.
Eu não queria ter segredos com ele, mas contar o sonho que tive e dizer que o que Theodora previu era verdade daria mais motivos para ele desistir.
E eu não queria que ele desistisse.
— Só estou um pouco cansado — afirmei forçando um sorriso.
— Está com medo de meu primo não gostar de você? — perguntou Pete me puxando para a beira da ilha.
Aquela era uma das paisagens mais lindas que já vi. Estávamos em um dos pontos extremos da ilha de Manhattan e bem em frente à Estátua da Liberdade. Os barcos navegavam próximo a ilha, os pássaros pousavam pertinho da gente e não pareciam ter medo da interação com seres humanos...
Eu queria muito estar curtindo aquele momento sem nem um tipo de preocupação.
— Pete, eu estou bem, sério! — menti.
— Você sonhou com alguma coisa esta noite? — perguntou ele colocando a mão carinhosamente em meu rosto. — Você estava resmungando enquanto dormia.
— Não se preocupe comig...
Naquele exato segundo e antes que eu pudesse terminar a frase, o celular do Pete começou a tocar encerrando de vez com aquele assunto. Era Nuri, primo dele que já havia chegado no parque, mas não tinha conseguido nos encontrar.
— Vou procura-lo e traze-lo aqui, tudo bem? — Pete sugeriu.
Assenti fazendo que sim com a cabeça. Pete me deu um rápido selinho antes de atender a ligação e se afastar.
E novamente fui tragado pela preocupação, tristeza e dúvida.
Eu não podia morrer.
Como eu ia morrer tranquilo sem saber o que ia acontecer com Pete depois? Como eu poderia deixa-lo sozinho? Como eu saberia se aquele sacrifício valeu a pena ou foi em vão?
Muitas coisas estavam em jogo. Ao mesmo tempo que eu pensava em meus pais e no meu irmão Shawn, eu pensava na mãe e nos três irmãos pequenos do Pete. Era impossível colocar em uma balança o amor que eu tinha pela minha família contra o amor que ele tinha pela dele e decidir quem deveria viver ou morrer. Era cruel tentar colocar nosso amor em uma balança e decidir quem deveria se sacrificar por quem.
Me apoiei na mureta do parque para ficar de frente para o mar. Fechei os olhos por um instante para respirar fundo e sentir a brisa gélida do vento afim de tentar me acalmar e pensar com mais clareza.
— Klay, você precisa pensar — sussurrei.
Quando abri os olhos e olhei diretamente para a água, tudo ficou escuro de repente. Fui tragado para um lugar escuro, confuso e aparentemente molhado. Eu senti como se não conseguisse respirar. Eu estava me afogando, afundando e indo de encontro com a morte, porém ao mesmo tempo, eu sabia que estava seguro. Eu não me debatia, não reclamava e não estava assustado...
Eu estava afundando e perdendo a consciência lentamente.
— Klay?! — chamou Pete alegremente colocando a mão em meu ombro.
Em um estalar de dedos, tudo voltou ao normal. Eu estava novamente na borda da ilha de Manhattan.
— Então, você é o famoso Klay? — questionou um rapaz tão bonito e asiático quanto o Pete. — Meu primo fala muito de você!
— É um prazer te conhecer — falei ainda um pouco atordoado com aquele devaneio. — Seu nome é Nuri, né?
— Parece que meu primo também falou bastante de mim — supôs ele envergonhado. — Ou talvez meu nome que é diferente e fácil de lembrar.
— Ele fala de você o tempo todo — afirmei tentando manter um sorriso simpático em meu rosto.
O primo do Pete não era tão parecido com ele quanto eu pensava. Nuri era um pouco mais alto, mais magro, a pele era mais clara e os traços mais delicados.
— Estão gostando de Manhattan? — questionou Nuri também encostando na mureta.
— É incrível, primo! — exclamou Pete. — Como você e minha tia conseguem viver em um lugar tão grandioso quanto este?
— Você se acostuma com o tempo — respondeu Nuri. — Aqui as pessoas são intensas e a cidade vive com pressa.
— Você trabalha com o que mesmo? — perguntei para não parecer distante da conversa.
— Em uma multinacional têxtil, amor — respondeu Pete antes de beijar meu rosto. — Ele é assistente pessoal da dona da empresa. O braço direito dela!
— Não exagera, primo — murmurou Nuri envergonhado. — Ah! Falando nisso, eu já falei com meu senhorio sobre o apartamento que ficará vago. Ele disse que...
— Obrigado, primo! — exclamou Pete interrompendo o que Nuri ia dizer. — Falamos sobre isso depois, né? Não quero falar de negócios agora, pois estamos matando a saudade, concorda?!
Apartamento?
— Que apartamento? — questionei imediatamente.
— Um apartamento no mesmo prédio que o do meu primo que ficará vago em breve, amor — falou Pete aparentemente nervoso com aquele assunto.
— Tenho certeza que você e sua família vão adorar Manhattan, Pete — disse Nuri amigavelmente. — Vou ajudar vocês em tudo que precisarem.
Eu não quis prolongar e insistir no assunto, pois estava claro que Pete estava escondendo alguma coisa que não tinha a intenção de me contar.
Claro que eu não deixaria aquilo passar...
Pete, o primo dele e eu passamos o resto do dia juntos. Nuri prometeu nos mostrar mais lugares interessantes de Manhattan, mas depois de um longo passeio pelo Battery Park, ficamos com fome e resolvemos parar em um restaurante para almoçar.
Apesar de eu ainda estar cansado, tentei ao máximo não parecer indisposto na frente do Pete e do primo dele. Eu não queria parecer uma pessoa antipática ou dar a impressão de que não estava gostando da companhia deles.
Durante o almoço, Pete e Nuri falaram sobre a família, o que tinham feito nos últimos meses e o que tinha mudado em suas rotinas desde a última vez que eles se viram. Descobri naquela conversa que um dos desejos de criança do Pete era ser Pediatra, mas na adolescência mudou de ideia e colocou na cabeça que queria fazer Administração.
Todos esses planos infelizmente mudaram após a morte do pai dele.
Nuri cursou Administração e começou como secretário na mesma empresa têxtil que trabalhava como assistente pessoal. Ele pareceu desconfortável e a energia emanada por ele ficou tensa depois de começar a falar sobre o trabalho...
— Que tal mudarmos de assunto e pedirmos sobremesa? — sugeriu Nuri levantando a mão para chamar o garçom.
— Pode escolher minha sobremesa enquanto vou ao banheiro? — pediu Pete. — Acho que bebi muito suco e preciso esvaziar a bexiga.
— O que você vai querer? — questionei.
— Qualquer coisa que tenha chocolate está bom, amor — respondeu Pete levantando, beijando minha testa e saindo em direção ao banheiro.
Aquela era a oportunidade que eu esperava...
Pouco depois de Pete entrar no banheiro, o garçom chegou para anotar o que íamos pedir de sobremesa. Nuri pediu três pedaços de torta crocante de chocolate, pois segundo ele, aquela sobremesa era a mais pedida e mais deliciosa da região.
— Tenho certeza que você vai gostar da torta de chocolate, Klay — disse ele assim que que o garçom se afastou.
— E o apartamento que você está vendo para o Pete? — perguntei diretamente e tentando parecer desinteressado. — Será que vai dar certo mesmo? Pete não para de falar sobre isso, sabe? Estamos bem preocupados...
— Não se preocupe — disse Nuri tranquilamente. — Já está tudo certo com o apartamento. Pete, minha tia e meus primos pequenos poderão mudar para cá sem problemas.
— Que bom que está tudo certo — murmurei entredentes tentando disfarçar minha raiva. — Se é o que ele quer, tenho que aceitar. É o que bons namorados fazem, né?
— Ele te ama muito, Klay — disse ele seriamente. — Tenho certeza que meu primo também tem planos para você. Ele não vai simplesmente mudar para cá e te deixar na Pensilvânia.
— Não tenho tenta certeza, Nuri — afirmei abaixando a cabeça.
— Eu tenho — disse ele pegando minha mão para me animar. — Pete me falou que você largou a faculdade, não é? Mesmo não completando seus estudos, eu consigo encaixar você e ele em algum departamento da empresa que eu trabalho. Com o bom salário que eles pagam, você consegue um apartamento pequeno ou até dividir um lugar com o Pete.
— Ele pediu um emprego pra você? — perguntei rapidamente assim que vi Pete saindo do banheiro.
— Ainda não — respondeu Nuri. — Ele só pediu ajuda com o apartamento e com vagas para a minha tia. Acho que ele tem vergonha de pedir mais coisas, mas não se preocupe, pois eu vou ajuda-lo!
— Poderíamos mudar de assunto agora? — sussurrei.
Nuri concordou e pareceu não perceber meu descontentamento com o que tínhamos conversado. Pete voltou, beijou meu rosto antes de sentar à mesa e voltou a falar com o primo dele sobre assuntos aleatórios até pagarmos a conta e sairmos do restaurante.
E passamos o resto da tarde juntos.
Nuri fez questão de mostrar para Pete e eu um pouco mais de Manhattan. Conhecemos mais pontos turísticos, monumentos e ruas famosas. Comemos cachorro quente, rodamos a cidade de metrô e visitamos o Rockefeller Center pouco antes do anoitecer.
Eu estava irritado, distante e querendo que aquele dia acabasse logo. A companhia do Nuri era agradável e divertida, mas eu não conseguia fingir que nada estava acontecendo.
— Preciso ir embora, primo — disse Nuri olhando no relógio de pulso. — Minha mãe deve estar precisando de mim.
— Vamos juntos, primo — sugeriu Pete envolvendo o braço no pescoço dele.
— Não, fique aqui com o Klay! — exclamou Nuri animado. — Vocês estão no Rockefeller Center agora. Este é um dos lugares mais românticos das noites de Manhattan.
— Você vai nos deixar sozinhos aqui? — questionou Pete preocupado.
— Essa é a ideia — respondeu Nuri. — Vocês estão próximos a Time Square, então, não é difícil encontrar o caminho do hotel de vocês ou do meu apartamento, primo!
Pete olhou e sorriu para mim. Fui obrigado a sorrir de volta para que o primo dele não pensasse que havia algo errado.
— Foi um prazer te conhecer, Klay — disse Nuri se aproximando e me dando um forte abraço. — Minha mãe e eu esperamos você e meu primo amanhã. Vamos dar um jantar em família e você faz parte da família agora!
— Eu vou adorar, obrigado — afirmei sinceramente.
— Cuida deste gatinho, hein?! — pediu Nuri diretamente para Pete antes de abraça-lo. — Se você não cuidar do Klay, vou rouba-lo de você!
— Só quando eu morrer, primo! — exclamou Pete retribuindo o abraço.
Nuri foi embora depois das despedidas. Permaneci imóvel com as mãos nos bolsos da blusa enquanto Pete observava o primo dele atravessar a rua e desaparecer entre as pessoas.
Eu precisava manter a calma.
Seria horrível termos outra briga.
— Meu primo Nuri é muito bacana — disse Pete voltando a atenção para mim. — Ele é mais velho, porém parece bem mais novo que eu.
Balancei a cabeça positivamente e forcei outro sorriso.
— Ele gostou de você — continuou Pete ainda animado. — O que você acha de levarmos um presente para ele e para minha tia amanhã no jantar?
— Vai ser ótimo — falei rispidamente.
E ele percebeu.
— Algo errado, Klay? — questionou Pete se aproximando.
— Talvez — respondi cruzando os braços.
Pete suspirou franzindo o cenho e piscando algumas vezes.
— O que aconteceu? — Ele perguntou.
— Eu sei que você fez planos para sua mãe e seus irmãos — afirmei já irritado. — Eu sei o que você está planejando por achar que vai morrer.
— Klay... — Pete tentou falar.
— Você não vai morrer, Pete! — exclamei perdendo totalmente a calma. — Para de fazer isso! Para de fazer planos por algo que não vai acontecer! Para de tentar se despedir de mim, do seu primo, da sua mãe, de seus irmãos...
Eu sentia algo entalado em minha garganta. Em meu peito, a sensação de vazio e desesperança cresciam. Eram tantas coisas para assimilar, decidir e esclarecer...
Foi impossível segurar a vontade de chorar.
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