32 - Nova Iorque
Caímos na estrada rumo a Nova Iorque antes do sol nascer naquele dia. Enquanto dirigia, Pete não parava de comentar o quanto os dias que passamos na casa da minha avó foram únicos e especiais.
Apesar dos motivos que nos levaram até aquele lugar, Pete não tinha nada de triste ou negativo para comentar. Até o incidente com a lona e a calha pareceram não ter mais importância.
Pete estava alegre, radiante e cheio de vida.
Claro que aqueles dias também foram incríveis e muito importantes para mim. Nossa primeira vez, os almoços, jantares e todos os pequenos momentos especiais que passamos juntos. Tudo estava guardado em meu coração e eu lembraria daquela semana para sempre...
Porém, eu ainda não conseguia me sentir cem por cento feliz.
Pete ainda estava em perigo. Eu não tinha descoberto uma forma de prolongar a vida dele e tinha que continuar alerta para sonhos, visões e intuições. Só de imaginar perde-lo, eu sentia um cruel frio na barriga e um vazio apavorante em meu peito. Eu até tentava sorrir e parecer animado com a viagem, mas por dentro, parecia que eu estava morrendo aos poucos.
Atravessamos o Holland Tunnel até a ilha de Manhattan pouco antes do meio dia. A movimentação de pessoas, os prédios a nossa volta e até os pequenos congestionamentos eram exatamente iguais a Nova Iorque dos filmes que eu via no cinema. Era impossível passar por qualquer rua ou avenida e não admirar o tamanho e arquitetura dos prédios, lojas, restaurantes...
— É incrível — murmurei deslumbrado.
— E barulhento — acrescentou Pete.
Pete e eu combinamos de ficar em um hotel, pois não queríamos incomodar o primo e a tia doente dele. Como tínhamos planos de passear, conhecer a cidade e continuar aproveitando aqueles dias a sós, pensamos tanto em nossa privacidade quanto em não dar trabalho a família dele.
Escolhemos um hotel simples e muito próximo a casa da tia do Pete. Tivemos que esperar aproximadamente uma hora e meia até o quarto ser liberado por não termos feito reserva. O quarto que escolhemos era bem grande, tinha uma cama imensa e uma vista da varanda extraordinária.
— Está com fome? — perguntou Pete colocando as malas na cama. — Podemos sair e comer alguma coisa.
— Estou com medo de sair, Pete — falei ainda deslumbrado próximo a varanda. — Eu sabia que Nova Iorque era grandiosa, mas...
— Não se preocupe, pois serão os melhores dias de nossas vidas — disse ele me abraçando por trás.
Com aquele abraço, ao mesmo tempo que senti paz e segurança nas energias emanadas por ele, também senti resignação e despedida.
— Por que? — questionei fechando os olhos para tentar entender melhor as energias que ele emanava. — De quem você está se despedindo?
— Despedindo? — Pete indagou.
— Não tente me enganar, okay? — pedi me virando para ficar de frente para ele. — Pete, eu consigo sentir sua energia, suas vibrações e um pouco dos seus sentimentos.
Pete suspirou, desviou o olhar e se afastou.
— Não sei do que você está falando, Klay — mentiu ele.
— Percebi que seu comportamento mudou depois das conversas particulares que tivemos com Theodora — afirmei.
— Você não vai descansar enquanto não souber o que houve na casa daquela mulher, não é? — questionou ele sentando na beirada da cama.
— Não — falei cruzando os braços.
Pete balançou a cabeça e suspirou mais uma vez.
— Não podemos simplesmente curtir estas férias improvisadas? — questionou ele começando a ficar inquieto. — Será que podemos agir como um casal normal por pelo menos dois ou três dias? Podemos ficar de bobeira, comer besteira e transar a tarde toda? Será que você pode largar esses livros velhos e curtir o momento comigo?
— Eu estou tentando te salvar, Pete! — exclamei impaciente. — Eu quero ficar com você, mas eu tenho uma missão e o objetivo de...
— Aí é que está o problema, Klay! — exclamou Pete cortando o resto da minha frase. — Por favor, para de tentar me salvar!
— Ficou maluco? — questionei irritado. — Você pode morrer!
Pete suspirou pela terceira vez, revirou os olhos e esboçou um triste sorriso.
— Você pode morrer, Klay — disse ele inconformado. — Não vou deixar você se sacrificar por mim à toa.
— À toa?! — questionei aumentando o tom de voz. — Pete, não é à toa...
— Foi o que Theodora me disse em particular — confessou ele. — Que você vai morrer tentando me salvar.
Levei alguns segundos para digerir aquela informação.
— Não acredito nela e você também não deve acreditar — resmunguei.
— Você não está pensando direito! — exclamou ele levantando da cama e voltando a ficar à minha frente. — De que adianta você morrer tentando me salvar sendo que depois, quando você não estiver mais aqui, eu vou morrer de qualquer forma?
— Pete, você precisa confiar em mim — supliquei.
— A minha hora chegou, Klay! — exclamou Pete. — A sua não!
— Você pode ser salvo! — retruquei.
— E se não funcionar? — questionou ele. — Acha que eu vou deixar você se matar?
— Eu sei que vou conseguir resolver isso — afirmei concentrando forças para não chorar.
— Não vou deixar você desperdiçar sua vida para salvar a minha que já está condenada — falou Pete visivelmente arrasado. — Theodora disse que não preciso temer a morte e que há um longo caminho do outro lado, mas...
— Ignora o que essa mulher louca disse, por favor — insisti. — Estou começando a entender meus dons e a usá-los de diferentes maneiras. Eu não achei o livro indicado pela minha avó naquela carta, mas sei que já vi ele em algum lugar e aqui em Nova Iorque deve ter uma livraria ou biblioteca e...
— Não, Klay! — exclamou Pete voltando a ficar inquieto. — Não vou permitir que você se machuque. Eu te amo e não vou aguentar ver você morrer por minha culpa.
Pete pegou um dos cartões chave do quarto em cima da escrivaninha, a chave do carro no bolso do casaco e disparou em direção a porta.
— Pete, por favor! — exclamei correndo até ele para impedi-lo. — Confia em mim! Me deixa resolver tudo isso?
— Vou visitar minha tia e volto mais tarde. — Ele avisou. — Meu primo está trabalhando, então, não vou demorar muito.
— Não quer que eu vá com você? — questionei segurando a mão dele.
Pete balançou a cabeça negativamente, fechou os olhos e levou alguns segundos para se acalmar. Eu conseguia sentir o quanto ele estava tenso, chateado e com medo de tudo aquilo.
— Acho que preciso de um tempo sozinho, Klay — murmurou ele. — Me perdoa por estar sendo um perfeito idiota com você? Devíamos estar felizes, curtindo esta cidade e...
Era nítido o quanto ele precisava respirar. Pete precisava de espaço e tempo para assimilar todo aquele filme de terror que estávamos vivendo.
E para ser sincero, eu também precisava.
— Estarei aqui quando você voltar, Pete — falei antes de acariciar e soltar a mão dele.
Ele resistiu por um momento como se não tivesse certeza do que queria fazer, mas depois de alguns segundos, Pete abriu a porta e saiu do quarto.
Seria injusto julga-lo e culpa-lo por estar daquele jeito. Mesmo captando a energia e os sentimentos dele, era impossível entender tudo o que ele estava passando.
E aquilo era uma das coisas que mais partiam o meu coração.
Durante boa parte do tempo que fiquei sozinho naquele quarto de hotel, pesquisei na internet o livro "Além da Matéria" que minha avó me indicou na carta que deixou antes de falecer. Haviam títulos parecidos em versões física e e-book, mas não encontrei o livro indicado nos sites de vendas online.
Os livros com títulos parecidos ao que eu procurava continham temas como reencarnação, vida após a morte e religiões como o cristianismo, budismo, hinduísmo e espiritismo. Aqueles livros pareciam ser bem populares e, segundo informações dos sites, várias livrarias e bibliotecas do país continham cópias em estoque...
E eu estava em uma das maiores cidades do mundo.
A decisão de sair daquele tédio e procurar uma livraria foi tomada quando abri minha mala para trocar a camiseta e a blusa que eu estava usando por algo mais confortável. Coloquei os óculos escuros que Pete tinha levado e meus fones de ouvido antes de pegar meu cartão chave em cima da escrivaninha.
Eu precisava continuar procurando soluções. Não me importava se Pete ia descordar e ficar chateado comigo. Não me importava se ele achava que eu ia morrer por tentar salva-lo.
A decisão era minha e eu não podia ficar parado.
Saí do hotel e caminhei pela primeira vez pelas ruas de Nova Iorque. O ar era definitivamente bem mais poluído que o da Pensilvânia. Apesar do odor da poluição, era impossível não sentir o aroma delicioso das comidas de rua.
Enquanto andava pela calçada, passei em frente a alguns trailers que vendiam comida indiana, japonesa, brasileira e até os famosos cachorros quentes novaiorquinos. Depois de comer um Pretzel e beber um copo grande de suco de limão em um dos trailers, segui meu caminho admirando e tirando algumas fotos.
O brilho e beleza da cidade eram apaixonantes, os edifícios me hipnotizavam de tão grandes e luxuosos e os manequins nas vitrines das lojas pareciam ter vida própria. Foi impossível não ficar tonto com tanta informação, tanta gente indo e vindo e tantas coisas incríveis para admirar e registrar em fotos.
Percorri algumas ruas antes de por acaso encontrar uma livraria. Assim que entrei na loja, peguei o celular do bolso da calça para checar se Pete tinha me enviado alguma mensagem. Eu estava preocupado e queria ligar para ele, mas também tinha que respeitar o tempo e o espaço que ele precisava.
— Precisa de ajuda? — perguntou uma moça assim que me viu parado próximo a entrada. — Está procurando algo específico?
— Não, eu só... — Parei de responder assim que uma mensagem do Pete apareceu na minha tela inicial.
"Estou bem!
Te amo e me desculpe por hoje.
Nos vemos mais tarde" dizia a mensagem.
— Está tudo bem? — perguntou a moça da livraria.
— Sim, obrigado! — agradeci tirando os óculos escuros para conversar com ela. — Estou procurando livros sobre espiritismo, vida após a morte, presságios...
— Por aqui! — chamou a moça prontamente.
A atendente me levou ao corredor que tinha os títulos que eu procurava. Haviam centenas de livros dos mais variados assuntos, porém, percebi que nem um daqueles livros eram iguais aos que eu tinha estudado na casa da minha avó.
Os livros dela eram mais antigos e grande parte deles eram de capa dura.
— Está procurando algum autor ou obra específica? — perguntou a atendente.
— Minha avó sugeriu que eu lesse o livro "Além da Matéria" — afirmei. —, não encontrei ele na internet, pois creio que seja bem antigo.
— Se quiser, posso fazer uma busca no sistema — ofertou ela. — Qual é o assunto abordado no livro?
— Não sei ao certo, mas deve ser vida após a morte — respondi.
A atendente sorriu e fez um sinal positivo com as mãos antes de sair em direção aos computadores de pesquisa.
— Vida após a morte?! — perguntou um rapaz do outro lado da prateleira de livros. — Assunto interessante!
Olhei entre os espaços dos livros da prateleira e encontrei um par de olhos me observando.
— Pois é! — exclamei simpaticamente.
— Você acredita em vida após a morte? — questionou ele.
— Se você tivesse feito esta pergunta há alguns meses, talvez minha resposta fosse diferente — afirmei pegando um livro aleatório para folheá-lo.
De repente, os olhos que me observavam desapareceram. Tentei olhar novamente entre os livros para procura-los, mas eles haviam sumido.
Até que...
— E qual é sua resposta agora? — perguntou o rapaz entrando no mesmo corredor que eu estava.
— Talvez exista — respondi antes de suspirar.
O rapaz sorriu e balançou os ombros como se ainda estivesse com dúvidas.
— Você é daqui de Nova Iorque? — perguntou ele também pegando um livro para folhear.
— Sou da Pensilvânia — respondi devolvendo o livro que estava em minha mão à prateleira.
— E eu sou do Texas — disse ele também devolvendo o livro que pegou. — A propósito, meu nome é Justin.
Ele estendeu a mão direita em minha direção para me cumprimentar.
— Me chamo Klayton — afirmei retribuindo o cumprimento.
— Veio passear com a família? — Ele perguntou.
— Vim com o meu namorado — respondi andando alguns passos para me afastar dele.
Justin coçou a nuca como se estivesse decepcionado.
— Não estou surpreso por um rapaz lindo como você já ter namorado — disse ele.
— Lindo? — indaguei incrédulo. — É sério?!
— Um dos mais lindos que já vi — respondeu ele voltando a se aproximar.
Eu não sabia o que responder. Naquele momento, veio à minha cabeça pensamentos de como o mundo seria se Pete não estivesse mais a meu lado. Como eu seguiria em frente e como eu me comportaria em situações como aquela.
— Obrigado, Justin — agradeci. — Meu namorado também acha isso.
Ele entendeu o recado e acenou se despedindo antes de se afastar.
— Não encontrei o livro "Além da Matéria" — disse a vendedora voltando segundos depois. —, mas temos um livro chamado "A realidade além da matéria" em nossas prateleiras. Ele também fala sobre vida após a morte.
— Perfeito! — exclamei agradecido. — Eu vou levá-lo.
— Vou separa-lo e deixa-lo no caixa — afirmou ela. — Pode continuar à vontade e qualquer coisa me procure.
Normalmente, aquele seria um simples momento de paquera em uma livraria, mas para mim, significou muito mais. Sem querer e sem esperar, vi como a minha vida poderia ser se Pete não estivesse mais a meu lado. As possibilidades, consequências e oportunidades de seguir em frente que eu teria...
Mas eu não queria nada daquilo.
Eu não aguentaria viver em um mundo sem o Pete.
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