29 - Bruxas

Nem beber toda a garrafa de café que Pete tinha feito antes de dormir conseguiu espantar o meu sono. A exaustão que meu último sonho tinha causado atrapalhava muito minha concentração...
Eram quatro e quinze da manhã e eu ainda estava focado em terminar o livro sobre bruxas que Pete tinha começado a ler.

A marcação que minha avó fez a caneta e o papel com o endereço de uma mulher com o nome de Theodora justamente naquele livro não pareciam ser coincidências...
E eu nem fazia ideia do porquê pensava isso.

Aquele livro contava a história de três bruxas: Emeraude, Isabella e Cassandra.

Emeraude é a mais velha entre elas e era considerada a bruxa mais sabia e poderosa do mundo. Apesar de temida e caluniada por muitos povos, Emeraude era boa e não costumava fazer mal aos humanos. Ela tirava seu poder da natureza para seus feitiços que eram basicamente para preservação e equilíbrio do planeta.

Isabella era a bruxa maligna das montanhas. Ela acreditava que os seres humanos eram uma praga e que destruíram aquilo que Emeraude tanto prezava. Mesmo desprezando a vida humana, Isabella tirava seu poder dos pecados, dos crimes e principalmente do medo dos humanos.
Por conta de sua amizade com Emeraude, Isabella não fazia mal aos humanos. O livro me passou a impressão de que elas eram como Yin Yang. Elas eram dois opostos que trabalhavam juntos e equilibravam perfeitamente o mundo da magia...

Até nascer Cassandra.

Cassandra nasceu do crime, do genocídio e da intolerância. Durante uma triste guerra que dizimou milhares de pessoas e queimou dezenas de cidades, emergiu de uma grande poça de sangue a bruxa que se deu o nome de Cassandra. Sua pele era muito branca, seus cabelos eram grandes e vermelhos como o sangue que lhe concebera a vida e seus olhos eram de gato na cor amarelo mostarda.
A bruxa Cassandra tirava seu poder de mortes violentas. Não literalmente da própria morte, mas sim do ato de um ser humano perecer de formas não naturais.

Emeraude e Isabella sabiam do nascimento de Cassandra, mas não interviram a princípio, pois Cassandra não matava os humanos para aumentar seus poderes. Cassandra se alimentava de assassinatos, crimes brutais e das consequências que a guerra trouxe para o mundo.
Pouco a pouco e a cada dia mais intensamente, Cassandra via arte e beleza na morte. Ela se sentia realizada e mais poderosa a cada crime e a cada gota de sangue derramado.
E foi em uma dessas apreciações que a morte a visitou pela primeira vez...

"Cassandra, filha do sangue" disse a morte.

"Como é doce e bela sua arte, querida morte" falou Cassandra.

"É raro encontrar um ser neste ou em qualquer outro mundo e realidade que ache minha arte doce e bela" respondeu a morte. "Mesmo acolhendo e recebendo de braços abertos todos os seres vivos em sua hora de perecer, sou indesejada".

"Eu a desejo, querida morte" disse Cassandra. "A desejo e a amo, pois sou a única que reconhece o seu valor".

A morte não correspondeu a declaração de amor de Cassandra e desapareceu. Cassandra, obcecada pela imagem e beleza da morte, começou a provoca-la com sua magia. A bruxa matou centenas de humanos brutalmente por vaidade e prazer. Ela levou pragas para cidades, caos para países e morte não só para humanos, mas para todas as criaturas vivas que cruzavam seu caminho.

— Amor, ainda está acordado? — murmurou Pete depois de despertar e bocejar. — Que horas são?

— Não faço ideia — afirmei coçando os olhos por conta do sono. — A última vez que olhei o relógio eram quatro e quinze da manhã.

— Você precisa descansar, Klay — disse Pete sentando no sofá e começando a massagear meus ombros com as mãos.

Eu estava no terceiro ato do livro e faltavam menos de cento e cinquenta páginas para termina-lo. Apesar de não ter encontrado respostas óbvias na história, eu precisava finaliza-la...
Mas eu realmente estava muito cansado.

— Acho melhor termina-lo mais tarde — falei começando a relaxar com a massagem do Pete.

— Cabe mais uma pessoa aqui comigo no sofá — disse Pete sugestivamente.

Fiz uma pequena orelha na página que eu tinha parado, fechei o livro e o coloquei em cima da mesa de centro em frente a lareira. Com toda a preguiça do mundo, deitei com Pete no sofá pousando meu braço e uma de minhas pernas sobre o corpo dele.

— Klay? — sussurrou Pete.

— Oi? — respondi já com os olhos fechados.

Pete fez uma pausa e suspirou.

— Obrigado — disse ele.

— Pelo que? — questionei abrindo meus olhos para olha-lo diretamente.

— Por não desistir de mim — respondeu ele.



***

Acordei tarde naquele dia. Ter passado quase a madrugada toda lendo o livro sobre bruxas justamente depois do esgotamento físico e mental que tive por conta de minhas premonições me derrubou completamente. Pete, ainda preocupado, fez um almoço delicioso e bem reforçado para ajudar em minha recuperação.

Era estranho, mas desde o dia que chegamos na casa da minha avó, comecei a sentir vibrações, arrepios e energias que nunca senti antes. Aquelas sensações eram variáveis e oscilavam entre positivas e negativas muito rapidamente. Minhas mãos e principalmente a ponta dos meus dedos eram os pontos que eu mais conseguia captar essas energias.

Durante o almoço, consegui captar energias no copo de suco que Pete tinha me servido. De alguma maneira, eu conseguia saber o que ele estava sentindo só de tocar naquele objeto.

— Klay? — chamou Pete me olhando com curiosidade enquanto eu estava distraído com o copo.

— Você está preocupado? — questionei. — Nunca te senti tão preocupado e tenso, Pete. 

Ele arregalou aqueles lindos olhos puxados.

— Estou preocupado com você, amor — respondeu ele. — Você passou mal ontem e mesmo cansado ficou lendo até tarde...

— Você está com medo — acrescentei.

— O que? — perguntou Pete franzindo o cenho.

— E você me ama profundamente — finalizei aquela leitura de energia com um sorriso.

Pete também sorriu, mas desviou o olhar e o assunto por estar envergonhado.

— Depois do almoço, você quer checar aquele endereço que encontramos no livro? — perguntou Pete antes de voltar a comer.

— Quero sim! — falei sentindo uma vibração mais animada vinda do Pete. — Temos só mais dois dias aqui na cidade e quanto mais cedo, melhor.

— Eu adorei este lugar, Klay — disse Pete emanando mais energia positiva. — Me sinto bem aqui.

Eu amava a casa da minha avó por ter lembranças maravilhosas de minha infância, mas agora, eu tinha motivos para ama-la ainda mais, pois foi o lugar que tive minha primeira vez com o garoto mais lindo e especial do mundo. Sei que Pete também o considerava especial pelos mesmos motivos, pois era possível sentir não só pela troca de energia positiva, mas também por cada gesto de carinho e pela forma com que ele cuidava da casa.

Depois do almoço, Pete e eu nos trocamos para investigar o endereço que encontramos. O dia estava agradável e as nuvens de chuva finalmente estavam migrando para o norte. Pete dirigiu pela estrada ainda úmida por aproximadamente quinze minutos até o local enquanto eu terminava de ler a história das bruxas Emeraude, Isabella e Cassandra. 

— Cassandra matava os humanos que a morte poupava e cortejava — expliquei assim que Pete estacionou em frente a casa que constava no endereço.

— Sim — disse Pete desligando o carro. — Pelo pouco que entendi, essa bruxa maluca se apaixonou pela morte e tinha ciúme das pessoas que ela poupava.

— E as matava — acrescentei. —, para chamar a atenção da morte.

— História idiota, Klay — disse Pete fazendo uma careta bem fofa e engraçada.

Eu não conseguia adicionar elementos da história no caso do Pete. Se fossemos levar em consideração as teorias do livro, não era a morte que queria leva-lo e sim uma bruxa ou outro ser com algum tipo de magia.

Essa ideia era estúpida e impossível.

No livro, a morte conseguia levar as pessoas de forma natural e sem precisar de acidentes fatais, então, era mais um motivo para acharmos que estudar aquele livro foi total perda de tempo.

— A única coisa de relevante nesta história e que eu gostaria de me apegar é na ideia de que a morte pode poupar as pessoas e prorrogar suas vidas.

— Klay, então a morte tem forma, percepção e movimento?

Não consegui responder aquela pergunta.

— É absurdo, eu sei! — exclamei colocando as mãos no rosto. —, mas não sei o que pensar ou por qual caminho seguir, Pete.

— É meio louco, mas... — Pete parou de repente.

Esperei que ele continuasse o que estava falando ainda com as mãos em meu rosto. Tudo que eu conseguia pensar era na frustração por não ter conseguido as respostas que eu tinha esperanças de encontrar naquela cidade.

— Klay?!

— O que foi?

— Tem alguém olhando a gente.

— Onde?

Tirei as mãos do rosto para olhar onde Pete apontava. Em uma das janelas da casa onde o endereço do papel tinha nos levado, havia uma pessoa que aparentava ser uma mulher olhando fixamente para nós.

— Devemos sair do carro ou ir embora? — questionou Pete transparecendo medo.

— Será que é a Theodora? — indaguei tirando o cinto de segurança, abrindo a porta e saindo do carro.

— Eu estava torcendo pela segunda opção, Klay — falou Pete também saindo do carro para me acompanhar.

Me distraí por um segundo vendo Pete dar a volta para se pôr a meu lado e, quando voltei a olhar a janela, a pessoa que nos observava não estava mais lá.

— Sinto seu medo, Pete — falei assim que ele segurou minha mão.

— Não estou com medo, Klay — mentiu ele.

Avançamos em direção a varanda da casa pela pequena passagem improvisada de madeira. O jardim era bem cuidado e haviam plantas que eu nunca tinha visto. Na varanda, haviam alguns gatos de diferentes cores e raças. Na decoração, haviam sinos dos ventos, objetos que pareciam filtros de sonhos e várias pedras iguais as que minha avó colecionava.

Pete e eu subimos os degraus da varanda antes da porta a nossa frente estalar, virar a maçaneta e abrir. Uma simpática senhora saiu da casa e abriu os braços em nossa direção com um largo e amarelo sorriso.

— Klayton Nivans! — exclamou ela. — Eu estava te esperando.

Tive que soltar a mão do Pete para retribuir aquele abraço inesperado.

— Theodora? — questionei. — Amiga da minha avó?

— Como você cresceu e virou este homão?! — perguntou ela antes de apertar minhas bochechas. — Parece que foi ontem que vi você correndo de fralda na garagem da Margarett.

— Margarett? — sussurrou Pete.

— Minha avó — respondi entre dentes.

Theodora olhou Pete de cima a baixo e suspirou.

— O garoto asiático — falou ela voltando a sorrir. — Margarett estava certa.

— Você me conhece? — questionou Pete.

— Como assim minha avó estava certa? — perguntei surpreso e curioso.

— Querem entrar para beber um chá? — convidou Theodora abrindo caminho para entrarmos na casa.

Pete e eu trocamos olhares antes de aceitarmos o convite, darmos as mãos mais uma vez e entrarmos.

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