28 - Persuasão
A tempestade estava piorando. Os ventos ficavam cada segundo mais fortes e os relâmpagos iluminavam o céu ao mesmo tempo que trovões ecoavam estrondosamente.
A lona azul ainda estava presa na ponta parcialmente solta da calha. Ela se movia violentamente para os lados com o soprar do vento e, cada vez mais, desprendia os parafusos que estavam segurando e prendendo a calha na varanda.
Pete permaneceu caído no chão. Ele estava paralisado e olhando assustado para tudo que acontecia a nossa volta.
— Pete, entra na casa! — exclamei com dificuldade. — Não é seguro aqui fora!
Uma presença apavorante nos cercava. O vento parecia ter vontade própria e soprava de maneira assustadora contra nós.
— Klay?! — chamou Pete ainda paralisado.
— Entra na casa! — repeti o mais alto que consegui.
A dor e vertigem eram insuportáveis, mas minha vontade de salvar Pete superava qualquer mal físico. Mesmo sentindo minha cabeça girar e a dor de centenas de agulhas entrando em meu corpo, caminhei com dificuldade em direção a ele para ajudá-lo.
— Temos que entrar, Pete!
— Tem algo errado, Klay!
— Não estamos seguros aqui fora!
— Eu estou vendo...
— Vendo o que?
Mesmo quase sem forças, consegui levantar Pete do chão e faze-lo andar alguns passos em direção à casa. Eu sentia meu corpo querer desligar, mas não podia desistir.
Pete ainda corria perigo...
E ele não tirava os olhos da lona azul presa na calha.
— Klay, você...
— Não sei por quanto tempo mais vou aguentar, Pete!
— Isso tudo é por minha causa, não é?
— Temos que entrar na casa, Pet...
— Klay!!
– 12 –
Acordei assustado com o barulho de um estalo. Eu havia cochilado enquanto lia um dos livros de adivinhação e esquecido completamente o banho que Pete e eu planejamos tomar depois que ele terminasse de arrumar a cozinha.
Eu estava estranhamente zonzo e com o corpo cansado.
— Pete?! — exclamei em direção a cozinha.
Peguei meu celular em cima da mesa de centro para ver as horas.
Eram exatamente sete e meia da noite.
— Acabei cochilando enquanto lia, me desculpa! — exclamei antes de levantar e me espreguiçar.
Pete não respondeu.
Alguma coisa estava estranha e...
Espere!
— É o mesmo sonho? — indaguei olhando atordoado para os lados.
A atmosfera mudou de repente. Tudo ficou frio e uma estranha presença apareceu emanando uma energia apavorante.
— Sim, é o mesmo sonho — disse uma voz feminina e familiar. —, mas agora temos tempo para conversar, meu querido e amado neto.
Era a minha avó?
Por que eu não conseguia vê-la?
— Esta voz é uma invenção da minha cabeça, não é? — questionei confuso. — Eu preciso acordar e saber se Pete está bem!
— Klay, você precisa parar de fazer isso — disse aquela voz. — Você não pode continuar interferindo no destino das pessoas.
Sem dúvida aquela era a voz da minha falecida avó. Será que a presença quente e terna que eu havia sentido no sonho passado era dela?
Por que agora estava diferente?
— Vovó, por favor, me ajuda — supliquei. — Me ajuda a salvar o Pete!
— Não há como salvar uma pessoa que está destinada a morrer, Klay — respondeu ela. — A hora daquele rapaz chegou e você precisa aceitar isso.
— Eu faço qualquer coisa para prolongar a vida do Pete — afirmei. — Não importa o custo, eu estou disposto a pagar!
— Vidas não podem ser barganhadas, meu querido — respondeu ela rispidamente. — Se você continuar atrapalhando, vai se arrepender!
Aquela não era a minha avó.
Ela nunca falaria assim comigo ou com qualquer outra pessoa.
— Me peça o que quiser, por favor!
— Vai se arrepender.
— Eu faço qualquer coisa!
— Vai se arrepender!
— Por favor, me fala o que preciso fazer!
— Vai se arrepender!!
— Não leva o Pete, por favor!
— Klay...
— Tem que haver algum jeito de...
— Klay...
— Eu não posso aceitar qu...
— Klay!!!
(...)
— Klay! — chamou Pete a meu lado. — Meu amor, por favor, acorda!
Comecei a tossir imediatamente após abrir os olhos. Eu sentia meu peito arder por dentro e minha garganta arranhar. A exaustão física e mental tinham voltado e eu sentia como se tivesse sido esmagado por um trator.
— Você está... Está bem?
— Não importa como estou, Klay.
— Pete...
— Você está tossindo sangue por minha causa!
Eu não tinha reparado até Pete me avisar. Estava espirrando sangue da minha boca junto com aquela tosse forte e ardida.
— Você tinha razão, Klay — disse Pete começando a chorar. — Eu vou morrer.
— Não vai, Pete... — murmurei ainda tossindo. — Eu não vou deixar!
— Se eu não morrer, você vai! — exclamou ele limpando o sangue da minha boca. — Eu não vou deixar você se matar.
— Pete, eu estou bem... — falei voltando a sentir um forte enjoo.
Pete percebeu que eu estava prestes a vomitar quando coloquei a mão na barriga, saí do sofá e ajoelhei no chão arqueando meu corpo para frente. Ele levantou, correu em direção a cozinha e voltou segundos depois com uma lata de lixo vazia.
Não consegui segurar...
— Você está vomitando, tossindo sangue e se matando para me salvar — falou Pete arrasado. — Eu não posso permitir que isso continue, Klay.
— Pete...
— Quando você me contou a verdade, eu pensei que fosse algo passageiro ou que fosse algum engano. Eu acreditei em você, mas achei que você estava exagerando.
Não consegui responder.
Pete estava chorando, nervoso, cabisbaixo...
— Você não estava exagerando, não é?
— Pete, eu não...
— Então eu vou mesmo morrer como em seus sonhos?
— Eu não vou deixar!
— E vai morrer tentando me salvar?
A vontade de vomitar estava passando, mas a dor em meu peito junto a fraqueza física e mental continuavam. Consegui voltar para o sofá, recostar nele e respirar fundo para me acalmar. A dor e aqueles enjoos tinham valido a pena, pois Pete estava bem e tínhamos mais tempo para tentar achar respostas e soluções para toda aquela loucura.
— Eu só preciso de alguns minutos, Pete — falei ainda com dificuldade. — Depois vamos jantar e continuar com os livros.
Ele não respondeu.
Pete levantou, me olhou de forma negativa e saiu da sala a passos pesados.
Acredito que naquele momento, Pete tinha se dado conta de que toda a minha história e minhas teorias estavam certas. Desde o dia que revelei toda a verdade para ele, não voltei a ter visões envolvendo sua morte e nada de anormal tinha acontecido. Era compreensível que Pete ainda tivesse suas dúvidas, afinal, vivenciar era diferente de ouvir uma história de terror absurda.
Apesar de meu corpo ainda estar sofrendo com os efeitos da última premonição, eu me sentia bem melhor e pronto para continuar minha busca por respostas. Depois de me lavar e colocar o cesto de lixo com vomito na varanda para limpar no dia seguinte, tranquei a casa e fui para a cozinha ver como Pete estava.
A luz da cozinha estava apagada, o jantar estava exatamente como eu havia sonhado e Pete estava sentado no chão em baixo da mesa em posição fetal.
Ele estava chorando em silêncio.
— Pete?
— É melhor você ficar longe de mim, Klay.
— Pete, vamos conversar?
— Eu não quero mais te machucar, então fica longe de mim.
— Você não vai me machucar, Pete.
Ajoelhei ao lado dele e segurei uma de suas mãos.
— Ela está atrás de mim...
— Ela quem?
— Eu vi um vulto preto se formando na lona que ficou presa na calha. Eu senti uma coisa muito ruim crescer dentro de mim.
— Pete...
— Essa coisa tentou me puxar com ela, Klay.
Pete estava com a mão gelada.
Ele tremia e suspirava parecendo estar apavorado.
— Eu não vou deixar nada acontecer com voc...
— Eu não vou deixar você se matar para me salvar.
— Pete...
— Toda a vez que você tenta me salvar, se machuca, passa mal e aquela vez na estação de metrô você quase morreu!
— É temporário, okay? Se for para te manter vivo, eu estou disposto a pagar o preço.
Pete deixou a posição fetal para sentar mais próximo a mim.
— Acha mesmo que eu vou permitir que você se arrisque para me salvar?
— Você não tem que permitir nada, Pete.
— Se você me ama, me deixe partir.
Levei alguns segundos para entender o real significado daquela frase. Balancei a cabeça negativamente quase entrando em desespero.
— Não vamos desistir agora.
— Por favor, Klay!
— Eu sei que vamos encontrar uma solução para tudo isso e...
— Você me ama?
Engoli a saliva com dificuldade e balancei a cabeça positivamente.
— Então, se você me ama, tem que me deixar partir.
— Justamente por te amar, não posso permitir que você vá!
— E você acha que eu vou permitir que você se mate toda a vez para me salvar? Acha que eu gosto de ver você doente? Acha que eu gosto de te ver desmaiando? Vomitando? Tendo convulsões?
Era muito injusto, mas eu também precisava desabafar...
— Pete, você acha que eu gosto de te ver morrendo em meus sonhos? Acha que é confortável para mim ver meu amor ser baleado, atropelado, empalado e morto de tantas formas cruéis?
— Klay...
— Eu não te conhecia direito nas duas primeiras vezes que te salvei, mas agora, você se tornou minha vida e eu não vou permitir que esta vida acabe.
— Você está se matando, amor.
— E vou me matar cem vezes mais se for necessário. Vou rodar cada canto deste mundo, ler cada livro e procurar em cada religião que existe uma forma de te poupar de um destino injusto, Pete.
Coloquei minhas mãos no rosto dele.
Eu precisava que ele confiasse em mim.
— Eu só não quero que você se machuque, Klay.
— Então você me entende, Pete. Eu não quero que você se machuque e do mesmo jeito que você está disposto a morrer por mim, eu estou disposto a fazer o mesmo por você.
Eu não sabia se o tinha convencido, mas Pete estava aparentemente mais calmo. Ele me apertou em seus braços e me deu um longo e carinhoso beijo antes de levantarmos e acendermos a luz da cozinha.
Ele ainda estava com as mãos frias e tremulas...
— Depois de jantarmos, você me ajuda com alguns livros? — perguntei tentando parecer fofo. — Podemos comer algumas guloseimas, dividir um cobertor em frente a lareira...
— Como você está se sentindo? — questionou Pete ainda preocupado.
— Só com o corpo cansado, juro! — afirmei. — Nada que uma boa massagem e alguns carinhos não resolvam.
Mesmo com lágrimas nos olhos, consegui arrancar aquele sorriso lindo e generoso do Pete que eu tanto amava. Ele enxugou o rosto com os punhos, voltou a se aproximar e a me beijar.
— Eu te amo, meu anjo da guarda.
— E eu te amo, homem dos meus sonhos.
***
Apesar do sono e da fraqueza no corpo, me mantive acordado e concentrado para terminar o terceiro livro sobre adivinhações da minha avó. Pete estava lendo um livro sobre bruxas, mas parecia entediado e menos interessado nele do que nos dois últimos que leu.
Fiquei contente em ver que ele estava mais calmo. Pete finalmente acreditava plenamente em mim e em minhas teorias, pois ele estava mais sério e demonstrava muito mais preocupação não só com ele, mas comigo também...
— Algum progresso, Pete? — questionei quando terminei o vigésimo capítulo daquele livro de adivinhações.
— Só uma história entediante sobre bruxas — respondeu ele antes de dar um longo bocejo.
— Talvez você não encontre nada nesse livro — falei olhando para a pilha de livros que tínhamos separado.
Me estiquei para pegar um livro sobre religiões africanas na pilha que Pete e eu havíamos separado. Ele assentiu, levantou os braços para se espreguiçar e, sem querer, deixou um pequeno pedaço de papel que estava em meio as páginas do livro sobre bruxas cair.
Olhamos o papel caído no chão por um instante e depois desviamos o olhar um para o outro.
— É a letra da minha avó — murmurei.
Pete o pegou do chão e sentou a meu lado envolvendo um dos braços em minha cintura.
"Theodora – Stone Mountain, 33"
— Theodora? — questionou Pete. — É o mesmo nome da bruxa daquele filme...
— Oz, Mágico e Poderoso — completei balançando a cabeça positivamente.
— E "Stone Mountain, 33"... — Pete se esticou para pegar seu celular que estava no braço do sofá. — Está parecendo um endereço, Klay.
— Será que essa tal de Theodora era amiga da vovó? — indaguei pensativo. — Eu nunca ouvi minha avó falar dela.
Pete pesquisou o endereço no GPS do celular. Segundo a pesquisa, aquela rua ficava a menos de vinte minutos de carro da nossa localização.
— Não há mais nada no livro? — perguntei ainda olhando atentamente para o papel.
Pete chacoalhou o livro sobre bruxas e passou o dedo nas páginas para que elas passassem rapidamente. Ele olhou atentamente para a capa e para a contracapa e não encontrou nada.
— Aparentemente não, Klay.
— Nem nas páginas? Você viu alguma marca ou anotação?
Pete folheou rapidamente o livro a partir da página que ele tinha parado até encontrar um "x" marcado a caneta que dizia:
"E das sombras surgiu Cassandra. Impiedosa. Seu longo cabelo vermelho sangue brilhava à luz do luar. Seus olhos de gato amarelo mostarda eram cruéis. Seu amor pela morte era sublime".
— Cassandra? — questionei. — Que personagem é essa no livro, Pete?
— É uma bruxa maluca e maligna que se apaixonou pela morte — disse Pete revirando os olhos. — Até onde eu li, a morte não correspondia este amor. Todas as pessoas que a morte poupava e cortejava, Cassandra matava por ciúmes.
Consegui entender o motivo de Pete estar tão entediado em ler aquele livro.
— Tem mais marcações? Minha avó não costumava marcar trechos em livros.
Pete continuou procurando, mas não encontrou mais marcações. Aquele trecho sobre a bruxa Cassandra era o único que encontramos em todos os livros que já tínhamos lido...
E justamente no que tinha caído um papel com um nome e endereço.
Algo me dizia que não era coincidência.
— O que mais você sabe sobre a bruxa Cassandra, Pete? — questionei abrindo o livro para começar a lê-lo.
— Que ela é maluca, assassinou um monte de gente para chamar a atenção da morte e sempre foi rejeitada — respondeu ele coçando a nuca visivelmente entediado.
Eu tinha que ler aquele livro e visitar aquele endereço. Eu sentia que as respostas que eu buscava estavam próximas.
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