21 - Hóspedes

— Filho, tem certeza que estamos indo para o lugar certo? — perguntou meu pai enquanto dirigia.

— Eu não sei — murmurei colocando as mãos sobre a cabeça por conta da aflição, do nervosismo e medo de chegar tarde demais.

Antes de seguirmos por aquele caminho, eu havia ligado para meu amigo Tyler para pedir ajuda, pois ele tinha o contato de um rapaz da faculdade que conseguia localizar celulares além de ter acesso a programas ilegais que invadiam sistemas de monitoramento, arquivos e documentos.

— Você já tentou ligar para o seu amigo asiático?

— Tentei, mas o celular está desligado.

— E esse seu outro amigo conseguiu mesmo localizar o sinal do celular? É possível localizar o sinal de um celular desligado?

— Ele localizou o último sinal que o celular do Pete deixou, mas foi há mais de três horas.

Minhas mãos tremiam e eu não conseguia ficar quieto no banco do passageiro. A todo momento eu desbloqueava o celular e tentava ligar para Pete, mas a ligação sempre caía na caixa postal.

Eu estava apavorado.

— O celular dele pode ter desligado em qualquer lugar da cidade, Klay — disse meu pai coçando a nuca.

— Eu sei, eu sei — resmunguei atordoado.

Naquele momento, meu celular começou a vibrar.
Era meu amigo Tyler.

— O que você descobriu? — questionei assim que atendi.

— Meu colega hackeou o e-mail registrado com o número de celular que você me passou, Klay — disse Tyler. — Achamos três contas com o mesmo endereço, então, pode ser o endereço da pessoa que você está procurando.

— Qual o nome? — questionou meu pai.

— Um tal de Pete Praves — respondeu Tyler.

Era possível sentir vida em meus braços e pernas novamente. Um pequeno e breve alívio subiu por meu corpo.
Mas ainda não tinha acabado...

— Foi o endereço que você passou, certo? — perguntou meu pai.

— Sim, Sr. Nivans — confirmou Tyler.

Desliguei a chamada e tentei novamente ligar para Pete, mas mais uma vez caiu na caixa postal.

— Se o celular dele está desligado e vocês não se falaram, como você sabe que o Pete está precisando de ajuda? — perguntou meu pai. — Você disse em casa que ia acontecer um acidente, não é? Como você sabe, Klay?

— Ele me avisou mais cedo, caso acontecesse alguma cois... — gaguejei, mas era óbvio que qualquer coisa que eu dissesse soaria estranho. — Eu sei que aconteceu alguma coisa grave, okay?!

— Você está muito nervoso, Klay — disse meu pai desviando a atenção para mim por um breve momento. — Você está pálido, está tremendo e parece estar muito preocupado com esse seu amigo da faculdade.

Já era um grande milagre ele ter concordado me ajudar daquela vez, então, aquela não era a hora de revelar detalhes da minha intimidade e dos meus sentimentos. Na verdade, nunca vi necessidade em compartilhar essas coisas com minha família.

— Meus amigos são sagrados, pai — falei seriamente. — Sem falar que Pete tem três irmãos mais novos e perdeu o pai há pouco tempo.

Naquele segundo, o GPS começou a apitar informando que estávamos chegando ao destino desejado. Meu pai estacionou o carro na frente de uma casa simples, com fachada azul escura e um jardim de pedras.

— É aqui, Klay — disse ele olhando em volta.

— Me espera aqui! — exclamei abrindo a porta do carro.

No momento que coloquei o pé para fora, meu corpo começou a pesar e minha cabeça a doer como se dezenas de agulhas entrassem nela de uma única vez. Tive que me segurar na janela do carro para não cair.

— Klay! — exclamou meu pai antes de tirar o cinto de segurança, sair do carro e dar a volta para me ajudar.

— Entra na casa e salva o Pete — falei com dificuldade.

— Klay, seu nariz está... — Ele alertou apontando para meu rosto.

Olhei no retrovisor que uma gota grossa de sangue escorria do meu nariz. Um gosto horrível de ferrugem invadiu minha boca e minha cabeça começou a girar como se eu fosse desmaiar.

— Entra na casa, por favor — murmurei.

— Não, Klay! — exclamou meu pai passando o dedo abaixo do meu nariz para limpar aquele sangue. — Eu vou te levar para o hospital!

— Primeiro o Pete, por favor — falei quase sussurrando.

— Mas filho... — disse ele antes de desviar a atenção para outra coisa.

Apertei os olhos com força, segurei na porta do carro novamente e tentei ficar em pé.
Um cheiro de queimado estava no ar...

— Está queimando — falou meu pai.

— O... O que? — gaguejei aflito.

Naquele segundo, meu pai correu em direção à casa. Minhas vertigens e dores estavam passando, mas meu corpo ainda estava pesado e aquele zumbido agudo começava a ficar cada vez mais alto em meu ouvido.

Caminhei na maior velocidade que consegui em direção à porta da frente da casa. Apesar de meu pai já ter entrado, eu não conseguia me manter calmo...
Pete estava mais uma vez em perigo.

Eu queria entrar e ajudar, mas meu corpo respondia de uma forma negativa a cada passo que eu dava. Eu sentia que ia cair naquele jardim de pedra a qualquer momento.

Até que...

— Todos pra fora! — gritou meu pai trazendo com ele um bebê de colo e uma menina descalça.

— E o Pete?! — questionei chegando próximo a varanda.

— Ele estava aqui há um segundo, Klay — disse meu pai olhando para trás.

A fumaça estava ficando mais densa.

— Eu vou entrar — afirmei.

— Nem pensar, filho! — exclamou meu pai colocando a mão em meu peito para me impedir. — Deixa que eu vou.

— Me ajudem aqui! — exclamou Pete saindo pela porta da frente com sua outra irmã no colo.

Caí de joelhos no chão quando o vi.
Pete estava bem.

— Pete! — exclamei aliviado.

— Klay?! — respondeu ele surpreso por me ver.

***

— Não se preocupe com nada, Pete — disse minha mãe. — Já falamos com a sua mãe e ela concordou em vocês ficarem aqui esta noite.

— Obrigado, Sra. Nivans — agradeceu Pete pegando a xícara de café que ela havia oferecido.

— O meninão dormiu e as gêmeas estão assistindo desenhos animados no notebook do Klay — falou meu pai entrando na cozinha.

Eu ainda estava tonto, com a cabeça dolorida e o corpo cansado. Meus olhos ardiam e eu não conseguia olhar para luzes fortes.
Era uma péssima sensação.

— Seus irmãos podem dormir no meu quarto hoje, Pete — falei tentando não parecer fraco ou abalado. — Eu vou dormir na sala.

— Não se preocupe com a gente, Klay — respondeu Pete voltando a atenção para mim com aquele lindo e apaixonante sorriso. — Eu durmo na sala com eles, sem problema!

— Eu insisto e... — murmurei antes de começar a tossir.

Pete e meus pais voltaram suas atenções para mim e minha tosse repentina. Mesmo não me olhando no espelho, eu tinha certeza que minha cara não estava das melhores aquela noite. Com certeza era consequência de impedir mais uma vez a morte do Pete.

— Será que você vai ficar gripado, Klay? — perguntou minha mãe.

— O nariz dele sangrou hoje, Alice — disse meu pai cruzando os braços.

— Eu estou bem! — exclamei falsamente animado. — Eu engasguei com a saliva e por isso acabei de tossir. Sobre o sangramento no nariz, vocês sabem que eu tenho problemas com este tempo seco, né?

Claro que ninguém engoliu aquela história.

Meus pais terminaram seus afazeres e subiram para o quarto pouco antes das onze da noite. Shawn ficou trancado no quarto jogando vídeo game e nem se deu ao trabalho de descer para conhecer Pete e os irmãos dele. O irmão caçula do Pete ainda estava dormindo profundamente em minha cama e as gêmeas estavam deitadas em um colchão improvisado que fizemos ao lado do meu guarda roupa.

Pete estava no banho enquanto eu olhava os irmãos dele. Era triste pensar que algo de ruim podia ter acontecido com ele ou com aquelas crianças. Eu não queria nem imaginar como seria horrível se os irmãos do Pete um dia acordassem e não o vissem ali cuidando e protegendo todos eles.
Não era justo.

Eu precisava ajudar Pete de alguma forma. Tinha que haver uma solução para tudo aquilo. Se o tempo de vida dele realmente havia esgotado, eu faria de tudo para que esse tempo reiniciasse ou durasse pelo menos mais alguns anos.

Se minha avó ainda estivesse viva...

Eu estava apostando todas as minhas fichas na viagem até a casa da minha falecida avó. Ela tinha livros, objetos e uma dezena de outras coisas que podiam me ajudar com as visões e com toda esta confusão de ser sensitivo. Minha intuição dizia que lá eu teria respostas.
Minha intuição também dizia que eu tinha que contar o que estava acontecendo para Pete o quanto antes.

— Klay? — sussurrou Pete batendo na porta entreaberta do meu quarto.

— Fica à vontade, Pete — falei baixinho para não incomodar e nem acordar os irmãos dele.

Pete entrou em meu quarto apenas com a toalha enrolada na cintura. Apesar de aflito e preocupado com tudo que estava acontecendo, foi impossível não reparar no quão perfeito era o corpo dele.
Tive que desviar o olhar e suspirar.

— Eu não trouxe roupas — disse Pete.

— Eu te empresto uma roupa para você dormir e, se quiser, também empresto uma para você usar amanhã — falei tentando não olhar diretamente para ele.

— Desculpe te incomodar, Klay — falou Pete se aproximando um pouco mais.

Completamente sem jeito, dei alguns passos para chegar no meu guarda roupa, peguei uma calça larga de moletom cinza e uma camiseta azul que eu usava para dormir em dias frios.
Um detalhe veio à minha mente...

— Você quer uma cueca emprestada? — questionei. — Se quiser, eu coloco suas roupas na lavadora e acredito que amanhã elas já estarão secas e...

— Não se incomode, Klay — respondeu Pete me interrompendo. — Eu posso dormir sem cueca hoje e amanhã coloco minhas roupas sujas mesmo. Vou usar só para voltar pra casa de qualquer forma.

Ele ia dormir sem cueca.
Não entendi porque naquele momento meu rosto começou a esquentar.

— Vou deixar você se trocar então... — falei colocando as roupas em cima da cadeira da mesa do notebook. — Estarei na sala se você precisar de alguma coisa.

Pete segurou minha mão antes que eu cruzasse a porta do quarto. Uma engraçada sensação em meu peito me fez estremecer e minha respiração falhou por um segundo. Fui obrigado a me virar para ele e encara-lo de perto. Meu descaramento era tanto que eu não sabia se olhava para aquele lindo rosto ou para aquele corpo definido e perfeito.

— Obrigado, Klay — agradeceu Pete com um sorriso distenso.

— É um prazer, Pete — murmurei.

— Você é meu anjo da guarda, sabia? — disse ele colocando uma das mãos em meu rosto.

Nossos corpos e rostos estavam tão próximos...
Eu conseguia sentir o ar quente da respiração dele em minha pele.

— Maninho vai dar um beijo no tio Klay? — perguntou uma das irmãs do Pete.

Apertei os lábios e os olhos por não conseguir disfarçar a vergonha. Pete teve que se afastar um pouco para se explicar.
Ele também parecia envergonhado.

— É um beijo de boa noite, princesa — respondeu Pete ainda segurando minha mão.

— Eu também quero um beijo de boa noite do tio Klay — falou ela.

— Quer um beijo meu também? — questionou Pete.

— Não! — exclamou ela cobrindo o rosto com a coberta.

Pete voltou sua atenção para mim com aquele sorriso largo e especial. Cocei a cabeça, soltei a mão dele e dei dois passos para trás para sair do quarto.

— Eu estarei na sala — falei antes de pigarrear.

— Obrigado mais uma vez — disse Pete antes de fechar a porta.

***

Era uma e meia da manhã. Eu não tinha conseguido relaxar ou dormir. Eu não conseguia pensar em nada além de um jeito de contar toda a verdade para Pete sem ele achar que eu era maluco.
Apesar da TV estar ligada, eu não fazia ideia do que estava passando naquele canal que escolhi de maneira aleatória. Minha cabeça não parava de pensar em possíveis conversas, teorias, planos para quando eu chegasse na casa da minha avó...

Nos meus sentimentos por Pete ficando cada dia mais fortes.

— Você ainda está acordado? — perguntou Pete quando passou pela sala.

— E você? — questionei.

— Minha irmã estava inquieta e demorou para dormir — falou ele se aproximando e sentando a meu lado no sofá. — Elas nunca dormiram fora, sabe?

Balancei a cabeça positivamente.
Tentei sorrir, mas minha cabeça não parava de pensar.

— O que aconteceu na sua casa ontem, Pete? — perguntei mudando de assunto.

Eu precisava saber, pois queria sempre estar um passo a frente da morte.

— Acho que foi um curto circuito, Klay — respondeu ele confuso. — Eu estava preparando o jantar e, de repente, o fio do micro-ondas começou a pegar fogo.

— E o que mais aconteceu? — questionei.

A expressão do Pete era confusa e desorientada. O olhar dele era de uma pessoa que tinha visto algo além do comum, mas que tinha medo de contar.

— Não sei direito, Klay — falou ele coçando um dos olhos. — Foi estranho e apavorante.

— O que foi estranho e apavorante, Pete?

Ele hesitou um pouco para responder.

— Pete? ...

— Klay, você vai achar que é loucura.

— Prometo que não.

Pete balançou a cabeça positivamente, virou o corpo para ficar de frente para mim e me olhar nos olhos.
Eu nunca o tinha visto daquela forma...

— Eu não sei, mas parece que tudo estava dando errado naquela cozinha.

— Como assim?

— O fogão desligava do nada, o micro-ondas fazia barulhos estranhos e as luzes começaram a piscar como se fossem queimar. O vento conseguiu derrubar um rolo de papel que bateu, derrubou e quebrou alguns copos também.

Com certeza era trabalho "dela".

— O que aconteceu antes do meu pai chegar?

— Eu estava tirando meus irmãos da cozinha para que eles não se machucassem, pois depois, eu voltaria lá e apagaria aquele fogo todo. Seu pai apareceu justamente quando nós estávamos na sala.

— Tive medo de não chegarmos a tempo para te salvar, Pete.

Pete me encarou por não entender minha última frase.

— Chegar a tempo? — questionou ele balançando a cabeça. — A propósito, como você sabia onde eu moro?

O momento tinha chegado e ele precisava saber o que estava acontecendo. Ele tinha o direito de saber para ter a oportunidade de se proteger.
Não importa o que Pete ia pensar sobre mim depois.

— Pete... — murmurei antes de engolir minha saliva com dificuldade. — Eu preciso te contar uma coisa muito importante.

Ele me olhou apreensivo.

— É o que você queria me contar quando estávamos presos no elevador do shopping central?

— Sim.

— Então conta, Klay.

Pete pegou em minha mão e se aproximou um pouco mais de mim.

— Não é tão simples, mas peço que você confie em mim — falei sentindo meu coração acelerar.

— Não importa o que seja, eu sempre confiarei e estarei com você — disse Pete voltando a sorrir.

... 

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