15 - Refolgo
— Não é possível isso, mãe! — exclamei irritado. — Um livro não pode sumir de uma garagem assim, do nada!
— Calma, Klay — falou ela tranquilamente. — É só um livro, filho.
— É o livro que eu trouxe da casa da vovó e que eu queria ler! — exclamei não conseguindo me acalmar. — Eu não quis ficar com nada, só com um bendito de um livro!
— Deve ter caído no quarto ou na casa antes de irmos embora — disse ela.
— Ou meu pai jogou fora, pois adora controlar até o que eu vou ler — resmunguei.
O estresse estava me deixando com dor de cabeça. Eu tinha esperado á noite toda por aquele livro e por possíveis respostas que eu encontraria nele, mas tudo foi por água abaixo depois daquela notícia.
— Seu pai não faria isso, Klay.
— Ah não?! Por acaso ele não me controla como se eu fosse um bonequinho?
— Filho, não diga isso.
— Eu estou mentindo? Ele não fica no meu pé sempre dizendo o que eu devo e não devo fazer? Eu não duvido que agora ele queira escolher os livros que vou poder ler.
Comecei a respirar fundo para tentar me acalmar. Eu não podia perder mais tempo com tantas perguntas e incertezas. Pete podia estar em perigo e eu não me lembrava dos sonhos que tive na noite passada.
— Não vou levar em consideração suas palavras, pois você ainda está doente e é compreensível que esteja tão chateado — falou minha mãe massageando meus ombros para me confortar. — Eu também ficaria muito chateada se ficasse presa em casa, sem poder sair e trabalhar...
— Não é isso, mãe — murmurei. — Eu queria muito ler aquele livro.
— Vamos voltar na casa da sua avó daqui a seis meses e procura-lo, prometo! — disse ela me abraçando e beijando minha cabeça.
— Seis meses?! — exclamei arregalando os olhos.
Não adiantava eu tentar discutir com minha mãe, afinal, ela não fazia ideia do porquê eu tinha tanta urgência em ler aquele livro. O grande problema é que eu não tinha decorado o título dele para tentar buscar por uma cópia online ou um exemplar em uma livraria.
Seis meses era muito tempo.
— Vou trabalhar, Klay — disse minha mãe antes pegar a bolsa em cima da mesa da cozinha. — Seu irmão deve chegar por volta das três da tarde e seu pai depois das cinco. Eu separei sua comida, arrumei suas roupas e acho que você ficará bem até eles chegarem.
— Eu já estou bem, mãe — resmunguei revirando os olhos.
— Você realmente está com uma corzinha melhor, mas não vamos arriscar — disse ela voltando a me abraçar e a beijar minha cabeça. — Você vai descansar à tarde toda para que na semana que vem possa voltar à rotina.
Fiz uma careta quando minha mãe bagunçou meu cabelo com uma das mãos.
— Talvez, Sue e Tyler venham aqui em casa esta tarde — falei pouco depois de minha mãe me soltar.
— Os convide para jantar com a gente — propôs ela. — Será muito bom finalmente conhecer seus colegas da faculdade.
Concordei, mas seria um pesadelo meu pai conhecer a Sue. Descartei completamente esta possibilidade, principalmente por Sue achar que eu tinha interesses sentimentais nela.
A propósito, eu precisava esganar Tyler por inventar aquela história.
De qualquer forma, nada daquilo me fazia esquecer Pete e o que estava acontecendo com ele. O livro ter desaparecido de uma hora para outra foi um banho de água fria, pois minha intuição dizia que eu teria respostas com ele.
E eu precisava de respostas.
– 07 –
— O livro de sonhos da minha avó sumiu e eu não sei o que fazer — resmunguei na mesma mesa da mesma lanchonete dos meus sonhos anteriores.
— O tempo está passando e não estamos encontrando respostas — disse o falso Pete no mesmo lugar de sempre.
Parecia que eu estava ali há horas, mas eu tinha a total consciência de que tinha acabado de cochilar no sofá da sala enquanto assistia um programa de culinária.
— Você também não ajuda, né?
— Eu?!
— Você, falso Pete!
— O que você quer que eu faça?
— Me dê uma pista, um sinal ou qualquer coisa que não pareça loucura! — exclamei colocando as mãos na cabeça. — Tudo isso é loucura! Loucura!
Era engraçado como os sonhos intensificavam meus sentimentos. Eu sentia que ia pirar, mas só o sentir já era como se eu estivesse em um surto psicótico.
— Vamos recapitular tudo o que já aconteceu para enxergar as coisas com mais clareza, okay? — propôs o falso Pete.
— Okay! — concordei.
O falso Pete sorriu, se ajeitou na cadeira arrumando a camiseta e pigarreou. Senti meu coração palpitar, meus ombros arrepiarem e meu rosto corar.
Era mais uma vez meu subconsciente esfregando a atração que sinto pelo Pete na minha cara.
— Você me salvou de quatro acidentes fatais: troca de tiros, atropelamento, explosão e descarrilhamento do metrô.
— Certo! — concordei cruzando os braços.
— Cada vez que você impede que algo de ruim aconteça comigo, você passa muito mal, certo?
— Sim!
— Você está começando a achar que não é coincidência e que a teoria de que a morte está atrás de mim é verdadeira, certo?
— Infelizmente.
O falso Pete fez uma pausa enquanto me olhava, mas ele não estava pensativo e não parecia preocupado com nossa conversa.
Ele estava feliz.
— O que foi, falso Pete?
— Você é tão lindo, Klay.
Revirei os olhos.
— Podemos focar na conversa?! — resmunguei irritado. — Você está correndo perigo! Na verdade, não é você que está em perigo e sim o verdadeiro Pete!
— Eu sou o verdadeiro Pete.
— Não, você não é! — exclamei sentindo minha irritação aumentar. — Você é uma piada feita por meu subconsciente para me irritar.
O falso Pete continuou sorrindo como se eu não tivesse dito nada. Ele me olhava daquele jeito especial que eu não conseguia resistir.
Eu sentia raiva, atração, preocupação, desejo, paranoia e euforia ao mesmo tempo. Todos os sentimentos juntos de uma vez só.
— Eu quero acordar logo, droga — resmunguei entredentes.
— Se a morte está atrás de mim, por que não me leva com um ataque cardíaco, um derrame ou qualquer outra condição física e natural? — perguntou o falso Pete.
Depois daquela pergunta, todos os sentimentos dentro de mim passaram de repente.
Eu não conseguia sentir mais nada.
— O que você disse?
— Você é tão lindo, Klay.
— Não foi isso que você disse, Pete. Você me perguntou se a morte está atrás de você, por que não...
— Você é tão lindo, Klay.
— Pete, o que você acaba de me dizer é que...
— Tão lindo, Klay...
(...)
Levei um susto quando a campainha de casa tocou. Sentei no sofá rapidamente, bocejei e levantei os braços para espantar a preguiça e o desejo que eu tinha de voltar a deitar e cochilar.
Enquanto cambaleava até a porta da frente, pensei na conversa do sonho lúcido que eu tinha acabado de ter com o falso Pete. Aquele sonho só serviu para me deixar mais confuso, pois no final, a pergunta dele fazia todo o sentido...
Se a morte o quer, por que não o leva de forma natural?
Era loucura pensar em algo assim, mas a teoria do falecido pai do Pete poderia estar certa. Talvez, a hora do Pete havia chegado, porém, se a morte queria leva-lo, por que Pete não sofreu um ataque cardíaco ou pegou uma doença grave? Por que acidentes? Não era bem mais fácil a morte usar todo seu poder sobrenatural e fazer o coração do Pete parar?
Eu já tinha visto filmes que abordam este tema e, na maioria deles, se a hora da pessoa chegou, não havia saída e a morte levava a pessoa de qualquer maneira.
Porém, existe um filme de suspense onde a morte provoca acidentes para levar as pessoas que deviam estar mortas...
— Atende logo, preguiçoso! — exclamou Tyler do outro lado da porta interrompendo meus pensamentos.
Tentei ajeitar o cabelo com os dedos e cocei os olhos para tirar qualquer remela que tivesse se formado durante aquele cochilo antes de abrir a porta.
Tyler estava sozinho.
— Klay! — exclamou ele abrindo os braços. — Meu caloroso melhor amigo e companheiro.
— Entra e cala essa boca, Tyler — resmunguei dando espaço para ele passar.
— Credo, que mal humor — disse ele ainda em tom de brincadeira. — Tudo isso é sono? Eu te acordei?
— Acordou, mas não é por isso que vou te matar hoje — rosnei.
Tyler entrou e, pela expressão que fez, já sabia do que se tratava minha irritação.
— Deixa eu adivinhar...
— Sem palhaçada, Tyler!
— Eu posso explicar, Klay.
Bati a porta para fecha-la e voltei para o sofá da sala esperando aquela explicação. Tyler jogou a mochila no chão e sentou em uma das poltronas.
— Onde estão seus pais?
— Trabalhando, mas você precisa me dizer o motivo de...
— E o seu irmão caçula? O nome dele é Shawn, né?
— Ele está... — Fiz uma pausa, mas logo caí na real. — Para de enrolar, cacete!
Tyler parecia se divertir com aquela situação.
— Klay, você é meu parceiro e eu quero o melhor para você — falou ele. — Então, para estreitar as relações entre você e a Sue, eu disse que você estava afim dela.
— Mentiu pra ela?
— Não é mentira!
— É claro que é mentira, pois eu não estou afim de ficar com a Sue!
— Ah, tá bom! — exclamou ele começando a rir.
Não entendi a graça e permaneci com a expressão fechada. Tyler percebeu momentos depois e se conteve...
— É sério? — questionou ele.
— O que?
— Você não está afim da Sue mesmo?
— Claro que não!
— Então por que você fica drogado quando está perto dela? — perguntou Tyler confuso. — Você fica pensativo, aéreo, em órbita...
— Eu fico?
Consequência de tudo que eu estava passando com Pete. Pelo jeito, as consequências não eram apenas físicas.
— Me desculpe, Klay — disse Tyler seriamente. — Eu achei que você estava afim da Sue, pois está agindo estranho desde o momento que eu disse que ela estava afim de você.
— Você tem que desmentir isso para a Sue, Tyler — ordenei.
— É um sacrifício tão grande ficar com a Sue? — questionou Tyler voltando ao tom provocativo rotineiro. — Ela é gata!
Revirei os olhos e suspirei.
— Não é por ela ser negra, né? Você não é racista, né?
— Tyler...
— Ela é uma tremenda gata e eu juro que não fico reparando nos peitões que ela tem.
— Eu não sou racista e não fico reparando nos seios da Sue, idiota!
— Então, qual é o problema?
E foi naquele momento que a porta da sala abriu e meu irmão Shawn entrou em casa junto com meu pai. Era um alívio eles terem interrompido aquela conversa, pois eu não sabia que resposta eu daria para Tyler.
— Klay, filho! — exclamou meu pai se aproximando para beijar minha cabeça. — Você está melhor?
Revirei os olhos mais uma vez e balancei a cabeça positivamente.
— Boa tarde, Sr. Nivans! — cumprimentou Tyler.
— Boa tarde, rapaz! — Meu pai retribuiu o cumprimento. — Você é um dos colegas do Klay na faculdade, né?
— Sim senhor! — confirmou ele.
— Aquela garota bonita e o asiático não vieram com você? — questionou meu pai.
Tyler estranhou a pergunta e olhou diretamente para mim a fim de uma pista sobre o que responder. Ele não conhecia Pete e nem a história que inventei para meus pais.
— A Sue ficou no campus estudando e esse colega asiático não...
— Está estudando também, pai — interrompi.
— Ah, que bom! — falou ele animadamente. — Klay estará bom em poucos dias e voltará para a faculdade com vocês. Por favor, fique à vontade e não esqueça de passar a matéria para meu filho, hein?
— Pode deixar, Sr. Nivans — concordou Tyler.
Meu pai saiu da sala e foi direto para a cozinha. Ele costumava deixar Shawn e eu em casa, comer alguma coisa e depois voltava para a loja que trabalhava como gerente de vendas.
— Que amigo asiático é esse que o seu pai falou? — perguntou Tyler. — É o Arth? O asiático da nossa turma de direito? Eu não sabia que você falava com ele.
— Não é o Arth, Tyler — resmunguei baixinho. — Ou talvez seja, não sei! Meu pai me da carona até o campus e imagina que eu tenho um monte de amigos lá, entende?
Tyler não engoliu aquela história, mas não questionou.
— Quando você volta? Vamos ter prova de direito penal semana que vem.
— Mais uma?
— E de direito civil e constitucional também.
— Por favor, me mande o conteúdo das aulas por e-mail para que eu possa estudar aqui em casa.
— Vamos fazer um grupo de estudos no final de semana, então, se você estiver se sentindo melhor...
— Por favor, me inclua nele.
Tyler assentiu e pegou a mochila dele que estava ao lado da poltrona.
— Vou te passar o que você perdeu até agora e no final de semana vamos nos reunir no meu quarto para estudar — disse ele. — Eu chamei a Sue e outros dois colegas da nossa turma.
— Não esqueça de desmentir aquela história para a Sue. — O lembrei.
— Tá bom, tá bom — resmungou Tyler entortando a boca.
Tyler passou o conteúdo que perdi, mas eu não estava nem um pouco afim de repor e estudar tudo aquilo. Cada vez mais, a faculdade de direito me irritava.
E eu estava de saco cheio.
...
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