11 - Estalos


— Onde e com quem você estava, Klay? — perguntou meu pai entrando em meu quarto assim que terminei de vestir minhas roupas para dormir.

— Fui jantar em uma lanchonete.

— Com quem?

— Um amigo.

— Que amigo é esse? Por que ele não entrou para nos cumprimentar? Ele é da sua turma da faculdade?

— Pode repetir a primeira pergunta, por favor?

Mais uma vez, meu pai estava me tratando como uma criança. Às vezes, penso que seria melhor eu ter mudado de cidade sozinho para cursar a faculdade, pois assim, meus pais não ficariam no meu pé pedindo satisfações de tudo que eu faço.
Sue, Tyler e muitos alunos estão separados de suas famílias, morando nos prédios do campus e, apesar das dificuldades, não precisam lidar com este tipo de situação.

— Amanhã você tem aula e não devia ter chegado tarde.

— Eu cheguei antes das nove e meia, pai.

— Hora que você devia estar estudando, não acha?

Respirei calmamente.

— Já estou aqui, não são nem onze horas e eu já tomei banho, revisei tudo que vou precisar para amanhã e estou pronto para dormir.

— Perfeito, filho — disse ele com um sorriso aparentemente forçado. —, mas então, com quem você estava?

— Um amigo, pai — repeti.

— Que amigo?

Minha paciência estava por um fio.

— Um amigo da faculdade — menti.

— Aqueles que você costuma estudar?

— Não. Outro amigo da minha turma.

— E por que vocês foram jantar fora? — perguntou ele demonstrando desconfiança.

Mantive minha respiração calma e tentei permanecer frio.

— Porque ele terminou com a namorada e precisava de um amigo para desabafar, beber uma cerveja e espairecer — menti novamente.

— Você está bebendo cerveja, Klay?

— Não estou, pai.

— Você já tem idade para isso e eu não me oponho, afinal, nós homens precisamos de uma cerveja de vez em quando para desestressar — falou meu pai aparentemente mais tranquilo. —, mas não quero que você beba durante a semana, principalmente quando tem aula no dia seguinte. Deixe este tipo de programa para os finais de semana, tudo bem?

— Tudo bem! — concordei.

Meu pai atravessou o curto espaço que nos separava, me envolveu nos braços dele e me apertou antes de beijar minha cabeça.

— Te amo, filhão.

— Eu também, pai.

— Tenha uma boa noite de sono — desejou ele caminhando para fora do quarto e fechando a porta.

Mentir para meu pai estava começando a virar rotina. Ele queria um filho perfeito, moldado e educado nos mais altos padrões impostos pela sociedade. Meu pai desejava para mim tudo que ele não conseguiu na vida, mas fazendo isso, esquecia que ele e eu somos pessoas totalmente diferentes.

Na verdade, ele não esquecia...
Ele apenas ignorava.

Nunca fui o filho que ele tanto queria. Nunca gostei das mesmas coisas que os garotos da minha idade, nunca fui de praticar esportes, assistir futebol aos domingos ou fazer elogios quando uma atriz bonita aparecia nos comerciais de televisão.
Meu irmão Shawn é assim, mas eu...
Acredito que minha personalidade introvertida e meu jeito sério é consequência de toda a pressão e cobrança por parte do meu pai. Acho que me tornei uma pessoa fria justamente por esconder tantos segredos.

Apesar de tudo, eu até gosto da minha personalidade.
Ser introvertido é bom. 

Já deitado em minha cama, fiquei pensando no quanto Pete mexia com meus sentimentos e despertava coisas que eu jamais havia sentido antes. Era como estar feliz, mas de forma diferente. Era uma ansiedade misturada com arrepios e adrenalina.
Eu já ouvi muito sobre atração, sentimentos e paixão, mas não sabia onde encaixar o que eu estava sentindo.

Ver o Pete, conversar e estar com ele me fazia bem.
Me fazia muito bem...

– 05 –

Que luz é esta?
Quanto barulho...
Onde será que estou?

Sem dúvida eu adormeci, mas este sonho está estranho. Sinto algo agourento e familiar no ar. Sinto minha pele arrepiar como se eu estivesse desperto e sinto minha cabeça um pouco pesada.
E aquela sensação de déjà-vu...

De repente, um baque!

— Me desculpe — falou Pete depois de esbarrar em mim. — Te machuquei?

— Pete?!

— Eu não queria esbarrar em você...

A imagem do Pete estava mais uma vez embaçada como um holograma de um projetor com defeito.

— Onde estamos? — questionei.

Ele não respondeu.
Pete sumiu de repente e tudo a minha volta começou a embaçar como se meu corpo estivesse correndo em alta velocidade.

Um estalar de dedos ecoou e tudo parou.
Estou em uma estação de metrô?

— Vou chegar dez minutos atrasada, pois tive que levar meu gato no veterinário — disse uma moça falando no celular quando passou por mim.

— Eu já falei que o preço é este e eu não aceito trocas! — exclamou outra também falando no celular.

— Meu chefe descobriu que a esposa dele está dormindo com o instrutor da academia, acredita? — disse um homem enquanto conversava com um rapaz.

O que estou fazendo aqui?
Não estou gostando desta sensação.

"Atenção senhores passageiros: devido a necessidade operacional, nossos trens estão com velocidade reduzida em todas as estações" disse a mensagem automática do metrô.

— Está perdido, garoto? — perguntou um dos funcionários da estação.

— Você consegue me ver? — questionei.

— Como?! Se eu consigo te... — indagou o funcionário.

Não é como o sonho do posto de gasolina. Este sonho está mais parecido com o do ponto de ônibus.
Então...

— Onde estou?! — questionei já preocupado.

— Estação Parque Nacional Histórico, senhor.

— E que horas é agora?!

— Sete e quarenta e dois, por quê? — perguntou o funcionário olhando no relógio de pulso. — O senhor está com algum problema?

Apesar do frio, da dor que começava a ficar mais forte em minha cabeça e do zumbido agudo em meu ouvido, caminhei entre as pessoas procurando por alguém conhecido ou algum sinal de perigo.

A imagem do Pete está na minha mente o tempo todo, mas não fazia sentido...
Pete têm carro.
Por que ele estaria em uma estação de metrô?

Eu preciso ficar calmo.

— Klay, você está paranoico — falei. — Você está em um sonho lúcido e não em uma premonição. Pete não está aqui, pois ele tem um carro. Ele está bem! Ele vai ficar bem!

De repente, um estrondo ecoou pela estação. As pessoas começaram a correr para todos os lados enquanto gritavam e pediam socorro.

Aquela mesma sensação e presença esquisita...

— O que está acontecendo? — perguntou uma mulher enquanto corria.

— Não sei, mas parece que foi grave! — exclamou um homem ao lado dela.

Quanto mais eu me aproximava da escada rolante para ver o que tinha acontecido, mais meu corpo pesava e minha cabeça doía. O barulho em meu ouvido estava passando de um simples zumbido para algo semelhante a um grito agudo de mulher.
Todos estavam se afastando, mas meu objetivo era continuar caminhando em direção onde aquela presença fria e apavorante estava mais forte.

E não podia ser verdade...
Era o Pete!

— Você precisa se afastar, rapaz — disse o segurança do metrô me puxando pelo braço.

— O que aconteceu?! — questionei aflito.

— Um dos trens descarrilhou quando entrou na plataforma.

— Alguém se feriu?

— Parece que um rapaz foi atingido por blocos de concreto que quebraram com o impacto entre o trem e a plataforma, por isso, não posso deixar que ninguém se aproxime.

Um rapaz? ...

— Pete! — gritei.

De repente, outro estalo.
Eu estava novamente no meio da estação de metrô?

— Vou chegar dez minutos atrasada, pois tive que levar meu gato no veterinário — disse a mesma moça de antes falando no celular quando passou por mim.

— Eu já falei que o preço é este e eu não aceito trocas! — exclamou a outra.

— Droga! — exclamei.

Corri entre as pessoas em direção a escada rolante empurrando todos em meu caminho para abrir passagem. O sonho não era real, mas eu precisava de todas as informações possíveis, pois a vida do Pete poderia estar novamente em risco.

— Pete! — gritei enquanto descia correndo a escada rolante.

"Atenção senhores passageiros: devido a necessidade operacional, nossos trens estão com velocidade reduzida em todas as estações" anunciou a mensagem automática do metrô.

Pete estava lá, mas não ouviu meus gritos. Ele estava usando um headphone azul e mexendo distraidamente no celular.
Meu corpo ficou ainda mais pesado, minha cabeça dóia tanto que eu sintia que ela ia explodir a qualquer segundo. Aquele grito de mulher voltou a ecoar tão alto que me fez estremecer e tampar minhas orelhas.

Tudo ficou branco de repente. Ouvi os trilhos da estação trincarem, gritos e choros.
Quando recuperei a visão, vi Pete deitado entre escombros.

— Não pode ser verdade — sussurrei sentindo meus olhos lacrimejarem.

Ele estava morto.
Pete estava morto!

De repente, mais um estalo.
Eu estava mais uma vez no meio da estação de metrô?

— Vou chegar dez minutos atrasada, pois tive que levar meu gato no veterinário — disse uma moça falando no celular quando passou por mim.

— Eu já falei que o preço é este e eu não aceito trocas! — exclamou outra também falando no celular.

— Meu chefe descobriu que a esposa dele está dormindo com o instrutor da academia, acredita? — disse um homem enquanto conversava com um rapaz.

Por que o sonho está se repetindo?
O que isso significa?

— Klay — chamou uma voz distante e familiar.

— Mãe?!

— Klay, acorda!

— Mãe, é a senhora?! Por favor, não me acorde agora!

— Klay, você vai se atrasar!

— Não me acorde agora, pois eu preciso saber o que está acontec...

— Klay!!!

(...)

Abri os olhos e quase pulei da cama com o susto que levei ao despertar. Minha mãe estava do lado de fora do quarto me chamando pelo vão da porta entreaberta.

Aquela sensação horrível não tinha passado.

— Você vai se atrasar se não acordar, querido.

— Já estou indo, mãe.

— O café está na mesa e todos estão te esperando.

— Okay!

Apalpei o criado mudo procurando por meu celular, o peguei e desbloqueei a tela com a digital.

— E aí, Siri! — exclamei tremendo de aflição.

— Em que posso ajuda-lo, Klay? — respondeu o auxiliar do celular.

— Discar para Pete Praves.

— Discando para Pete Praves...

Era a mesma sensação das outras vezes. Meu corpo estava pesado, minha cabeça estava doendo e aquela sensação gelada e apavorante...

— Klay?! — disse Pete assim que atendeu.

Respirei aliviado.

— Oi, Pete! Onde você está?

— Klay?! Você está aí?!

— Pete, onde você está?

— Desculpa, mas eu não estou conseguindo te ouvir direito! — exclamou ele em meio a muito barulho. — Meu carro deu problema ontem depois que te deixei em casa e agora estou levando minhas irmãs para a escola de metrô.

— Pete, você precisa sair do metrô agora! — Quase gritei.

— O que?! Não escutei você!

— Pete! Você precisa...

A ligação foi encerrada.

— Droga! — gritei.

Tirei as roupas de dormir rapidamente e vesti a primeira coisa que encontrei no guarda roupa. Revirei minha gaveta para pegar as passagens de metrô que eu tinha guardado da última vez que saí com Sue e Tyler para o cinema. Cambaleei até a cama e coloquei o primeiro tênis que encontrei em baixo dela.

Novamente, sem perceber, eu tinha colocado as mesmas roupas que estava usando no sonho...

— O que está acontecendo aqui, Klay? — questionou meu pai entrando em meu quarto. — Por que toda essa gritaria?

— Eu preciso sair agora, pai.

— Não se preocupe, pois ainda temos quinze minutos e podemos tomar café sem problemas.

— Eu preciso sair agora, pai! — repeti em um tom mais alto.

— Você vai tomar café primeiro, Klay! — ordenou ele. — Não se preocupe que eu te levo para a faculdade como sempre, mas antes você precisa...

— Você é surdo?! — gritei. — EU PRECISO SAIR AGORA!

Não fiquei para ver a reação dele, mas consegui ouvi-lo gritar meu nome enquanto eu descia as escadas e corria em direção a porta da frente.

— E aí, Siri?!

— Pois não, Klay.

— Discar para Pete Praves.

— Discando...

Um toque...
Dois toques...
Três toques...

— Klay?! — disse Pete depois de atender.

— Pete, você precisa sair do metrô agora! — exclamei.

— Klay, a ligação está muito ruim — falou ele entre ruídos. — Eu estou dentro do vagão em movimento, então, será complicado falar com você.

— Pete...

— Se você estiver me ouvindo, não se preocupe que assim que eu sair do vagão, retorno a ligação — disse ele antes de encerrar a ligação.

Meu corpo estava tão cansado e minha cabeça doía tanto que achei que eu fosse desmaiar na calçada de casa.
Eu precisava me manter firme.

— E aí, Siri!

— Sempre às ordens, Klay.

— Enviar mensagem para Pete Praves!

— Certo! O que você quer dizer?

— Fique longe do metrô e me espere do lado de fora da Estação Parque Nacional. Vou chegar em alguns minutos!

— Mensagem enviada com sucesso. Posso ajuda-lo em algo mais?

— Abrir aplicativo de transporte privado!

— Abrindo aplicativo Uber.

...

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