08 - Momento Singular

Quando Pete estacionou o carro na frente da minha casa, olhei às horas no celular e me dei conta de que aquela carona tinha tomado muito o tempo dele. Pete tinha que voltar para casa e cuidar dos irmãos mais novos.
Ele estava atrasado por minha culpa.

— Está entregue, Klay — disse ele tirando o cinto de segurança e abrindo as travas das portas.

— Obrigado e me desculpe mais uma vez por te atrapalhar hoje, Pete — murmurei envergonhado.

— Você não me atrapalhou, okay?!

— Você está atrasado.

— A vizinha pode olhar meus irmãos um pouco. Não se preocupe, pois não será a primeira e nem a última vez que ela fará isso.

Balancei a cabeça positivamente, tirei o cinto de segurança e abri a porta do carro para sair e não atrasar Pete ainda mais.

Apesar de as dores terem diminuído, meu corpo estava cansado, minha cabeça estava pesada e tudo a minha volta parecia se mover em câmera lenta. Minha visão estava normal dentro do carro, mas quando abri a porta e ameacei sair, senti meus olhos arderem e minha visão embaçar...

— Klay?! — chamou Pete percebendo que eu ainda não tinha melhorado.

— Está tudo bem...

— Você não parece bem!

Enquanto eu apertava os olhos, me concentrava e respirava fundo afim de pegar fôlego para pelo menos chegar até a porta de casa, Pete desceu, deu a volta no carro e parou a meu lado para me ajudar.

Por que eu estava me sentindo tão mal?
Será que eu tinha corrido demais, sofrido um ataque de ansiedade, pânico ou coisa parecida?

— Klay, você precisa ir para um hospital — disse Pete colocando uma das mãos em meu ombro.

— Vou me deitar um pouco e, se não melhorar, vou ao hospital esta noite — menti.

— Tem alguém na sua casa? Eu não vou te deixar sozinho.

— Tem, não se preocupe.

Pete estendeu a mão em minha direção e ficou parado a meu lado por um tempo com aquele olhar generoso. O sorriso dele estava mais contido, preocupado...
Ele queria mesmo me ajudar.

— Obrigado — agradeci pegando a mão dele e saindo do carro aos poucos.

— Cuidado quando pisar — sussurrou ele.

Quando saí e fiquei em pé ao lado do carro, estremeci e senti um estranho arrepio ao perceber que o corpo do Pete estava bem próximo ao meu. Ele ainda segurava a minha mão, me olhava de maneira preocupada, apertava e umedecia os lábios com a língua...

— Consegue ficar em pé sozinho? — Ele perguntou.

Meu coração acelerou e senti como se ele crescesse dentro do meu peito. Senti cocegas na barriga, suor nas costas e uma estranha movimentação em lugares que deviam estar quietos.
Não era normal eu sentir aquele tipo de coisa.

— Consigo sim, obrigado — agradeci tentando disfarçar meu constrangimento.

Pete não se convenceu e continuou a meu lado. Ele segurou em minha cintura, me moveu delicadamente para o lado e empurrou a porta do carro com o pé antes de voltar a atenção e o olhar diretamente para mim.

— Quer que eu te ajude a chegar na porta ou que eu entre para falar com alguém da sua família?

— Não é necessário. Você já fez muito por mim.

— Estou preocupado com você, pois seu rosto está pálido e você está tremendo.

Eu sentia calafrios, sensações estranhas no peito, na barriga e uma vontade gigantesca de ir ao banheiro. Eu estava com medo, mas não parecia o mesmo medo que as pessoas tem habitualmente.
Era diferente e constrangedor.

Eu estava com vergonha.
Vergonha de estar daquele jeito na frente do Pete.

— Me passa seu número de celular, Pete?

— Claro — disse ele voltando a sorrir.

— Eu sei que o que eu vou pedir vai soar meio estranho, mas...

— Pode me pedir o que quiser, Klay.

Suspirei e engoli a saliva com tanta dificuldade que parecia que uma bola de tênis havia descido por minha garganta.

— Se eu te ligar, não deixe de atender, okay?

Enquanto eu pegava o celular do bolso e desbloqueava a tela com a digital para abrir a agenda, Pete sorriu e balançou a cabeça como se estivesse confuso com minha pergunta. 

— Sempre vou te atender, Klay.

— Promete?

— Eu prometo!

Pete pegou meu celular, digitou o número e salvou nos contatos como Pete Praves. Antes de me devolver, ele abriu a câmera e tirou uma selfie...
Aquilo me fez sorrir.

— É para você adicionar a foto ao contato, sabe? — disse ele aparentemente envergonhado.

— Vou adiciona-la.

— Depois me envie uma foto sua por mensagem...

Pete fez uma pausa, colocou as mãos nos bolsos e olhou para os lados como se estivesse com vergonha. Ele pigarreou, tossiu, coçou o nariz e sorriu para tentar disfarçar.

— É para eu adicionar na minha agenda também, sabe?

— Pete, eu te envio sem problema!

— Obrigado.

Balancei a cabeça positivamente também com um sorriso envergonhado, guardei o celular no bolso da blusa e segui meu caminho em direção a porta de entrada da minha casa. Eu ainda não estava bem, mas já conseguia ver com clareza e caminhar sem cambalear para os lados.

Antes de destrancar a porta com minha chave e entrar em casa, olhei para trás e vi que Pete ainda esperava ao lado do carro. Ele estava me olhando com aquele mesmo jeito especial, aquele mesmo meio sorriso fofo e com as mãos ainda nos bolsos da calça.

— Tchau, Pete — sussurrei a mim mesmo.

Mesmo de longe, ele entendeu minhas palavras. Talvez por leitura labial, pois foi assim que entendi a resposta:

— Tchau, Klay — respondeu ele.

Passei o resto da tarde e o começo da noite deitado em meu quarto com a televisão ligada em programas aleatórios do canal de animais e vida selvagem. Eu só estava ouvindo os documentários, pois fiquei a maior parte do tempo de olhos fechados. As dores estavam passando, minha cabeça estava mais leve e um estranho sentimento de felicidade começou a tomar o lugar de todo aquele mal-estar.

Eu não conseguia parar de pensar no sorriso dele. Não conseguia parar de lembrar daquele olhar.

Quando decidi abrir os olhos, peguei meu celular no criado mudo ao lado da cama e o desbloqueei com a digital para acessar a agenda. Procurei o nome do Pete, cliquei na opção de adicionar fotos e selecionei a que ele tinha tirado pouco antes de nos despedirmos na frente de casa.
Depois de vários segundos olhando para a foto do Pete, apertei a opção de enviar mensagens multimídia, abri meu álbum de fotos para escolher uma que eu não estivesse desarrumado ou com cara de poucos amigos e enviei para ele com o texto: "Aqui está a foto como prometido, Pete".

Naquele momento, levei um pequeno susto quando alguém bateu na porta do quarto.

— Klay? — chamou meu pai. — Você está aí?

— Pode entrar, pai!

— O que aconteceu com você, hein?! — resmungou ele depois de abrir a porta. — Eu fui te buscar na faculdade, te esperei por meia hora e você não apareceu! Tentei ligar no seu celular, mas estava fora de área.

— Pai, me desculpe — falei depois de me dar conta da mancada que fiz com ele. — Eu precisei sair mais cedo da faculdade para resolver uns problemas.

— Que problemas são mais importantes que suas aulas, Klay? — retrucou ele muito irritado. — Eu fiquei preocupado, sabia? Invadi a faculdade e saí que nem um louco perguntando por você!

— Eu devia ter te avisado, me desculpa.

— E aquela ligação estranha perguntando onde ficava um posto de gasolina com um McDonald's ao lado? — questionou meu pai. — Não me diga que sua emergência era comer um Big Mac, um triplo burger com cheddar...

Nada que eu dissesse serviria para tentar acalmar meu pai. Eu teria que ouvir a bronca até o fim e me desculpar até ele terminar de desabafar. Ele sempre foi superprotetor. Meu irmão Shawn e eu não podíamos dar um passo sem o conhecimento e consentimento dele.
Sempre foi assim.

— Não vai se repetir, prometo — afirmei assim que ele deu uma pausa no falatório.

— Ser maior de idade não lhe dá o direito de ser irresponsável e não nos dar satisfação das coisas — continuou ele. — Você tem que nos dizer onde vai, quando vai e como vai, Klay.

— Eu já entendi, pai — resmunguei revirando os olhos. — Mesmo com quase dezenove anos, tenho que pedir permissão até para atravessar a rua.

E foi com aquela frase que meu pai finalmente se calou. Claro que ele não estava nem um pouco feliz com aquela discussão, mas já havia passado da hora de meu pai afrouxar as rédeas e deixar tanto eu quanto meu irmão Shawn tomarmos decisões.
Uma hora, toda aquela superproteção exagerada teria que parar.

Um pouco mais tarde antes de eu entrar no banho, recebi uma notificação de mensagem multimidia no celular. Enrolei a toalha em minha cintura, sentei na cama e peguei o celular no criado mudo para abrir a mensagem.
Era do Pete.

"Que rapaz estiloso!" escreveu ele em cima da foto que eu tinha mandado.

"Você está bem?" perguntei.

Eu sabia que ele estava com o celular nas mãos, pois eu mal tinha enviado a mensagem e os três pontinhos de alerta já estavam piscando.
Pete estava digitando...

"Estou, mas não sou eu que estava passando mal esta tarde. Como VOCÊ está?" perguntou ele.

"Bem melhor" respondi.

Novamente os pontinhos de alerta apareceram mostrando que Pete estava digitando uma mensagem. Fiquei observando aqueles pontinhos piscarem e pararem de piscar mais de uma vez. O tempo estava passando e a mensagem não chegava. Os pontinhos continuavam a aparecer e desaparecer como se Pete estivesse digitando, mas parasse de digitar antes de enviar a mensagem.

A ansiedade gritava dentro de mim.

"Que bom! Então tenha uma boa noite!" disse Pete na mensagem.

Por que ele tinha demorado tanto para me enviar aquela mensagem tão curta? É estranho e pode até ser bobagem da minha parte, mas eu esperava uma mensagem bem maior por todo o tempo que ele tinha levado para digitar.

Não respondi a mensagem.
Coloquei meu celular para carregar, desliguei os alertas de notificação e finalmente fui para o banho.

Talvez o chuveiro acalmasse toda aquela ansiedade repentina.

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