02 - Segredo Silencioso
Aquela enxaqueca com certeza era uma das maiores e mais chatas que já tive na vida. Meus olhos ardiam e minha cabeça doía muito.
E já estávamos estudando há horas.
— Acho que vou tomar outro analgésico — falei antes de fechar os livros.
— Aguenta mais um pouco, meu amigo — Incentivou Tyler.
— Se quiser parar para descansar, tudo bem — disse Sue. — Acho que vou descer para comprar alguma coisa para bebermos.
Sue levantou, ajeitou a bermuda e colocou os chinelos que estavam jogados pelo quarto junto a roupas, guardanapos e pacotes de batata chips. Ela pegou uma pequena bolsa de alça prateada e envolveu no pescoço antes de tirar seu celular do carregador portátil que estava sobre a cama.
— Eu volto em cinco minutos!
— Quero cerveja — pediu Tyler.
— Eu estou bem, obrigado — afirmei.
— Tem certeza que não quer nada? — insistiu Sue. — Posso trazer um suco natural de laranja ou alguma outra coisa para você melhorar.
— Não, obrigado — agradeci novamente. — Eu bebi bastante água com o analgésico que você me deu.
Sue balançou a cabeça positivamente e sorriu, mas foi impossível não notar a cara de preocupação que ela fez antes de deixar o quarto.
Aquela semana não estava sendo fácil para mim e meus amigos já tinham notado.
— Ela tá tão na sua, Klay — sussurrou Tyler momentos depois que Sue bateu a porta do dormitório.
— O que?
— A Sue está caidinha por você, cara.
— Não está não...
— Eu jamais falaria isso se não fosse verdade — insistiu ele enquanto recolhia os materiais de estudo. — Ela ficou impressionada e muito preocupada com você e aquela história maluca do cara que você salvou de um tiroteio antes de ontem.
Ah, claro!
Aquela história maluca.
— Eu não salvei ninguém, Tyler...
— Você nos disse que impediu ele de entrar na rua que os policiais estavam trocando tiros com um bandido.
— Eu o impedi porquê queria fazer uma pergunta — menti. —, mas não salvei ele, pois é provável que ele ia perceber o que estava acontecendo e fugir.
— Tá bom, tá bom! — exclamou Tyler balançando os ombros. — O fato é que ela acha que você é um herói.
Balancei a cabeça negativamente tanto por não acreditar nas palavras maliciosas do Tyler quanto por não querer prolongar aquele assunto. Meus amigos não sabiam dos meus sonhos lúcidos e nunca acreditariam se eu contasse o que realmente aconteceu.
Eu seria dado como louco se contasse que tive uma premonição.
— Vou embora — murmurei antes de levantar do chão e me espreguiçar.
— Pode dormir aqui no dormitório com a Sue se quiser — sugeriu Tyler ainda com aquele tom malicioso. — Meu quarto fica no segundo andar, então...
— Eu vou dormir na minha casa, no meu quarto e na minha cama, Tyler — resmunguei.
— Você ainda é virgem? — questionou ele.
Demorei para processar aquela pergunta absurda.
— Por que a pergunta?
— Há um ano estudamos juntos e você nunca falou sobre namoradas, ficantes, casinhos, diversões de final de semana...
— Não tenho tempo para isso.
— Eu também não tenho, mas aí é que está a vantagem de morar no campus da faculdade, meu amigo!
Pronto!
Eu teria que ouvir até o fim.
— Tyler...
— Aqui tem festa todo o final de semana e as garotas da faculdade não são como as garotas do colégio, Klay.
— E como as garotas da faculdade são?
— Seguras, decididas e nem um pouco tímidas.
— Quer dizer? ...
— Sexo, meu amigo!
Sempre me considerei lerdo para esses assuntos e nunca parei para pensar em namoro, sexo ou coisas assim. Garotas nunca chamaram minha atenção ou despertaram meu interesse sexual.
Mas os garotos...
— Está ficando tarde, sério! — resmunguei tentando fugir daquele assunto.
Comecei a recolher minhas coisas, colocar dentro da mochila e vasculhar o quarto atrás do meu par de tênis. Eu conhecia bem o Tyler e sabia que ele não ia parar de me provocar até conseguir me tirar do sério.
— Acho que você está se sentindo mal por falta de sexo, Klay! — ele continuou. — Talvez uma massagem relaxante, um par de seios e...
— Agradece a Sue pelo trabalho, pois não concluiríamos sem ela.
— Velas aromáticas, um vinho e uma musiquinha suave de fundo...
Revirei os olhos, coloquei o tênis rapidamente e tropiquei em direção a porta para fugir daquele lugar antes que Tyler chamasse todas as garotas do campus para tirarem minha virgindade.
— Tchau, seu chato!
— Me avisa se mudar de ideia, pois no meu quarto tem uma caixa de camisinhas e...
Parei de ouvir assim que bati a porta do quarto. Respirei fundo, segurei o máximo que pude a vontade de rir das piadas do Tyler e puxei meus fones de ouvido do bolso da blusa.
Massagem relaxante e velas aromáticas?
De onde meu melhor amigo tirava todas aquelas ideias?
***
Chegar em casa, tomar um banho quente e me jogar no sofá da sala melhorou um pouco minha enxaqueca. Meus pais estavam dormindo e meu irmão estava trancado no quarto ouvindo música e jogando online no computador.
O silêncio era maravilhoso.
Fechando os olhos por um instante, lembrei do sonho premonitório que me permitiu impedir que aquele rapaz oriental fosse baleado e morto naquela tarde. Por mais que eu quisesse uma explicação para o que tinha acontecido, acho que ninguém me ajudaria ou ao menos acreditaria em mim. Eu seria tratado como louco ou mentiroso se contasse em detalhes tudo o que aconteceu.
Lembro como se fosse ontem o dia que contei à minha mãe sobre meus sonhos lúcidos. Ela me olhou com uma expressão divertida e deu risada quando eu disse que achava que tinha essa estranha habilidade.
"Você sonha acordado?" questionou ela.
"Na verdade, eu acordo dentro dos sonhos, eu acho" respondi.
"Que bobagem, Klay" disse ela ainda rindo.
Não a culpo por não acreditar, pois se eu ouvisse algo assim, também acharia que era piada ou loucura.
Eu nunca tinha ouvido alguém falar sobre isso.
"É sério, mãe" insisti. "Quando eu durmo e começo a sonhar, é como se eu despertasse e soubesse que aquilo é um sonho. Eu posso interagir como eu quiser, decidir o que acontece, voar, ser quem eu quiser ser..."
"Bem que eu queria sonhar que estou voando, que sou milionária..." disse ela ainda achando que era uma brincadeira.
"O ruim é quando acordamos e nos deparamos com a triste realidade" disse meu pai também começando a rir do assunto.
Contar que tive uma premonição para meus pais definitivamente não era uma boa ideia.
A mesma coisa valia para meu irmão que só pensava em andar de bicicleta, skate, jogar basquete com os amigos e em jogos virtuais.
Tyler morreria de rir e nunca mais me deixaria em paz. Ele me zoaria pela eternidade, então, contar a ele também não era uma opção.
Talvez, Sue acreditaria...
— Nosso pai vai te dar uma bronca por você ter chegado tarde — disse meu irmão entrando na sala.
Me assustei com a voz dele quebrando o silêncio daquela forma tão inesperada.
Eu estava tão dentro dos meus pensamentos...
— Eu estava no campus da faculdade com a Sue e o Tyler fazendo um trabalho.
— Mas esqueceu de contar pro papai.
— Ele vai entender quando eu contar o motivo de ter me atrasado.
— Suponho que sim.
Shawn sentou na poltrona ao lado do sofá enquanto mexia no celular. Apesar de termos uma boa relação de irmãos, ele sempre foi mais fechado comigo.
Não costumávamos conversar muito.
— Como está o colégio? — falei tentando puxar assunto.
— Um saco — resmungou ele ainda com a atenção na tela do celular.
— Você não gostou quando mudamos para esta cidade, não é?
— Tanto faz.
— Não sente falta dos seus antigos amigos?
— Não.
Suspirei quando percebi que o assunto tinha acabado antes mesmo de começar. Puxar conversa com meu irmão mais novo não era uma tarefa fácil.
Eu sei que ele sofreu muito por ter se separado dos antigos amigos. Acredito que ele me culpava por isso, pois nos mudamos somente para eu entrar na faculdade da cidade.
Um curso que nem era o que eu desejava fazer...
— Tem um parque atrás do campus da faculdade que é perfeito para andar de skate, Shawn — falei tentando uma nova interação.
— Eu sei.
— Você gostaria de ir comigo qualquer dia?
— Eu já fui.
Alguns segundos de silêncio.
— Gostaria de ir de novo?
— Eu já sou adolescente, Klay — resmungou ele. — Sempre que não tem lição de casa, passo por lá para andar de skate.
— Shawn, você tem treze anos. Se nossos pais descobrirem que você está andando por aí sozinho, eles...
— Eles só vão descobrir se você contar, né?
— Mas é perigoso, pois você pode cair, se machucar ou ter problemas com estranhos.
Shawn pareceu não dar a mínima para o que eu disse, pois levantou da poltrona, calçou os chinelos e saiu da sala em direção ao andar de cima.
Eu já devia ter me acostumado com o jeito de ser do meu irmão, mas confesso sentir falta de uma relação mais próxima a ele. Talvez ele me entendesse se eu contasse dos meus sonhos e da premonição que tive. Shawn sempre gostou de filmes de ficção cientifica, terror e aventura. Ele até comprou todos os Blu-Rays da franquia "Final Destination".
Tenho certeza de que se eu contasse e ele acreditasse, Shawn acharia irado!
Mas se não acreditasse, me acharia um doente mental.
Enfim...
Antes de ir para o meu quarto dormir, andei pela casa para me certificar de que todas as portas e janelas estavam fechadas. Assim que cheguei no corredor de acesso a cozinha, uma estranha e fria brisa de vento passou por mim fazendo meu cabelo se mover e minha pele arrepiar. Tudo estava em silêncio, todas as portas estavam fechadas e minha família já estava recolhida nos quartos do andar de cima.
Fiquei preocupado e alerta até chegar na cozinha e ver que tinha esquecido de fechar uma das janelas.
Antes de puxar a tranca para fecha-la, um clarão invadiu minha mente e me cegou por um segundo. Tive que me apoiar na borda da janela para não cair com aquele mal estar. Fiquei completamente tonto e tive que apertar os olhos com força e respirar fundo para me recuperar.
— Se eu não dormir direito, vou ficar doente — falei comigo mesmo antes de puxar o vidro e fechar a janela com a tranca.
Eu estava exausto e precisava de uma boa e longa noite de sono.
...
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