DEPOIS DO FIM Part I
Hey gente! Conto inspirado pela música e o videoclipe "Te Vivo - Luan Santana." - Dê o paly no vídeo antes de ler.
Um conto de AllanaCPrado
-Meus cabelos já começaram a cair.
Pedro me anunciou, saindo do banheiro derrotado e me encarando com a expressão tão cabisbaixa que dava vontade de por no colo e confortar.
-Faz parte do tratamento. E você sabe que cabelo é o de menos...
-Tá. Tá, eu sei, Davi. Não precisa iniciar um discurso. O cabelo é o de menos, vai crescer de novo, eu sei... Só não sei se eu vou estar vivo pra isso.
-Pê... - Me levantei e encurtei o espaço entre a gente, pegando em seu rosto e encarando aqueles enormes olhos castanhos chorosos. Nossas testas se encontram e eu o agarrei mais forte em meus braços. - Eu te proíbo de ter pensamentos assim, entendeu? Nada vai acontecer, você vai ficar bem.
-Seria bom se você tivesse mesmo o poder de me proibir de morrer também.
Se desvencilhou de mim, dando as costas e logo desaparecendo pelos cômodos da nossa casa.
-Por favor, tenta permanecer confiante, por favor.
Sussurrei, mesmo sabendo que ele não me ouviria mais, mas era o que minha voz permitia no momento. Ultimamente sua frequente falta de fé no que estávamos passando fazia com que quase sempre tivéssemos esses pequenos desentendimentos. Como ele poderia sequer pensar em morrer? Ainda mais quando eu tinha tantas esperanças...Ele não poderia fazer isso comigo! No segundo em que seu coração parasse de bater, meu mundo ia desabar e com certeza eu morreria também.
De repente as paredes daquela casa começaram a me sufocar e eu precisei sair pra tomar um ar, sabia que iria demorar pra que ele saísse daquela fossa, então não me importei em deixá-lo sozinho por uns minutos. Peguei o carro, sem rumo algum e fui espairecer. As ruas estavam desertas, evidenciando que o feriado fora realmente bom e que todos já estavam descansando naquele momento, mas aquilo não era bom pra mim, pois eu queria ver gente ou qualquer outra coisa que não simbolizasse tanto o vazio que eu sentia por dentro.
Leucemia. Uma palavra que acabou por destruir todos os nossos planos. Ainda me lembro bem do dia que recebemos a noticia depois de horas no hospital fazendo exames. Uma palavra que fez com que meu noivo e eu ficássemos sem chão por horas, nos perguntando o porquê e como iria ser dali pra frente.
Tive que parar o carro quando as lágrimas começaram a embaçar meus olhos com as lembranças. Fui de encontro ao volante e me permiti ser um pouco egoísta naquele momento. Porque isso tinha que acontecer justo com a gente? Não era justo, não era certo e não merecíamos passar por aquilo. Será que já não bastava o preconceito diário que sofríamos apenas por sermos quem nós éramos? Deus com certeza não estava sendo justo. Sim, eu citei Deus e acreditava sim nesse ser do bem que tanto falavam e, apesar de ter ouvido várias vezes que ele abominava quem e o que eu sou, eu não perdia minha fé.
Liguei o carro outra vez e acabei indo pro único lugar e a única pessoa que eu sabia que seria capaz de me fazer bem e me ajudar naquele momento.
-Oi Davi. - Minha mãe me cumprimentou ali da sala assim que me viu entrar. - Que cara é essa? O Pedro...
-Ele tá bem. - A tranquilizei. - Quer dizer, fisicamente ele tá bem, já psicologicamente...
-Vocês brigaram outra vez?
-Não, não foi briga, mas... eu não sei, mãe. Tá tudo tão estranho, tão difícil...
-O que está acontecendo? - Ela me perguntou, me incentivando a desabafar.
-É só que... ele anda tão pra baixo, tão sem esperanças, como se estivesse desistindo antes de tentar, que as vezes isso me irrita. Como eu posso lutar junto com ele se parece que já desistiu?
-Porque ele tá assim? O que os médicos disseram depois da primeira sessão de quimioterapia?
-Eles estão bem otimistas, a doença foi descoberta em um estágio não muito avançado e logo foi iniciado o tratamento. Mas nos explicaram como é agressivo, as vezes demorado e é claro que tem os riscos. E é nisso que às vezes ele se apega. - Expliquei.
-Ah Davi, você já parou pra pensar que ele pode estar tão assustado quanto você? É compreensível e sabemos que não é fácil receber uma noticia assim de uma hora pra outra. E é nessas horas aí que você tem a obrigação de apoiá-lo e segurar o mundo dele.
-Eu sei, mas quem segura o meu, mãe? Isso também mexeu comigo, estou tão abalado quanto ele.
-Você é forte o suficiente pra segurar os dois. Tenha paciência, força e mostra pra ele que juntos vocês vão vencer, tenho certeza que você consegue. Agora volta pra sua casa!
Ela praticamente me expulsou e eu sorri com isso, pois aquele sempre fora o jeito dela. Foi assim quando eu decidi me assumir ainda na adolescência:
-Mãe, eu sou gay.
-E eu tenho cinco dedos em cada mão. Que foi? Achei que fosse alguma competição pra dizer coisas óbvias. Eu já sabia, claro que eu sabia, só estava esperando seu momento pra vir me contar.
Fiz o caminho de volta para casa muito mais leve e pensante naquilo que minha mãe me disse, ela estava certa e não bastava eu estar junto com ele em todos os momentos, eu também tinha que demonstrar isso sempre. Cheguei casa, tomando cuidado pra não fazer muito barulho devido ao horário, e logo ao abrir a porta dei de cara com ele deitado no sofá, todo encolhido e parecendo estar dormindo. Ele sempre fazia isso quando eu demorava a chegar, me aproximei e me ajoelhei diante dele.
-Pedro... - Embora eu quisesse acordá-lo pra poder levá-lo pra cama, eu o chamei o mais baixo possível. - Macaquinho, acorda!
-Oh! - Ele se sobressaltou. - Davi! E... eu não sabia se você voltaria, mas resolvi te esperar e acabei dormindo.
-Como não voltaria? Essa aqui é a minha casa... nossa casa.
Acariciei seus cabelos, mas ele me afastou por reflexo, tomando impulso e se sentando no sofá.
-Desculpa tá. - Ele me pediu.
-Você não tem que me pedir desculpas de nada.
-Tenho sim, eu sei que tenho sido um pé no saco nesses últimos dias e não deveria ser assim. Não é a sua obrigação, mas mesmo assim você continuou aqui e o mínimo que eu tenho que fazer...
-Vamos parar por aí! - Interrompi. - Nada do que eu fiz, do que estou fazendo e do que eu vou fazer é porque me sinto na obrigação de alguma coisa. Olha pra mim, nós estamos juntos nessa, lembra? Lembra o que eu disse naquele dia no hospital?
Lhe perguntei e ele confirmou timidamente.
-Que tudo iria dar certo...
-E que depois do fim dessa doença, que depois do fim desses dias ruins e que depois do fim de tudo que tentasse nos fraquejar, nós ainda estaríamos juntos e ainda mais fortes.
Completei no mesmo momento em que ele veio me abraçar forte, se rendendo ao choro. Força! Era o que nós precisávamos e tudo iria dar certo, enquanto houvesse chances, eu manteria nossas esperanças vivas, por mim e por ele.
-Amanhã nós vamos raspar o cabelo. - Disse dando um beijinho na sua testa e fazendo com que ele se aconchegasse mais em mim.
-Nós?
-Nós, ué, casal unido, muda de visual unido. Só tenho que me preparar psicologicamente pra isso, por Deus, você vai ficar ainda mais bonito. Meu ciúme vai triplicar, se prepara.
...
-Lindo!
Foi o que eu disse quando ele me olhou procurando saber o que eu achara dos seus cabelos raspados. E não foi só como forma de incentivo não, ele era e sempre seria lindo. Não foi a toa que eu comprei um Notebook, mesmo sem precisar, e um aparelho elétrico de barbear na loja em que ele trabalhava só pra ter o privilegio de ter ele falando comigo e receber mais um de seus sorrisos.
-Minha vez.
-Você vai raspar mesmo? - Ele perguntou espantado. - Eu achei que você estava brincando, não precisa fazer isso, Davi.
-Shiii, quieto. Não tô fazendo por você, eu só quero comprovar se é verdade aquele ditado que diz que é dos carecas que elas gostam mais.
Brinquei e ele riu, um sorriso que eu faria de tudo, até meus últimos dias, pra manter em seu rosto.
-Olha Davi! - Ele exclamou enquanto um senhor de meia idade dava os últimos retoques na minha cabeça agora livre de cabelos.
-Pedro, onde você vai?
Perguntei a ele que depois de olhar pela janela de vidro do estabelecimento, saiu do lugar rapidamente e sem nem olhar pra trás. Fui atrás dele imaginando que havia acontecido alguma coisa, ou que ele tinha se sentido mal, mas o encontrei ajoelhado na quina da calçada conversando com um cachorrinho que passava por ali.
-Ela tá aqui sozinha. Amor... Nós podem...
-Não. Nã...N. Droga. - Me rendi quando percebi dois pares de olhos suplicantes pra cima de mim. - Temos que ver se ela realmente não tem dono primeiro...
O sorriso que recebi em resposta foi o mais injusto de todos, pois ele sabia que eu não conseguia negar nada com aquilo. Acabamos levando a Jully, que ganhou esse nome ainda no carro, pra nossa casa.
Eu gostaria de falar que nas semanas seguintes nossos dias foram tão bons quanto aquele, mas não foram. A doença avançou de uma forma que até os médicos se surpreenderam, aparentemente a quimioterapia não obtivera os resultados esperados e eles tiveram que aumentar, se tornando muito mais agressiva. E logo os efeitos disso começaram a surgir, ele passou a perder peso rapidamente porque não conseguia comer e junto com seu sistema imunológico que ficou fraco, a anemia apareceu. Passamos os últimos dias no hospital tratando também de uma infecção que persistia em não ir embora e que só fazia o deixar ainda mais debilitado.
-Você deveria ir pra casa.
Seus olhos mais fundos, e mesmo sem o brilho costumeiro, suplicavam para que eu ouvisse sua ordem mesmo em uma voz mais fraca. Tudo nele aparentava fraqueza e eu tinha medo até de tocá-lo como fazia antes, por isso apenas me sentei do seu lado na cama do hospital e passei o braço pelo seu ombro.
-E eu vou. Assim que algum médico entrar por aquela porta e dizer que você pode ir também.
Eu lhe disse determinado, pois nada me faria sair ali do seu lado, nem ele mesmo. Talvez ele ainda não tivesse entendido, mas nada, nem ninguém, iriam nos afastar, e quando estivéssemos bem velhinhos, iríamos nos lembrar de tudo que passamos. Eu acreditava nisso.
-Obrigado.
-Na saúde e na doença, lembra? - Sussurrei, pegando em suas mãos geladas e as esfregando nas minhas pra transferir calor.
-Ainda não fizemos esses votos.
Ainda!
No dia seguinte a médica apareceu em seu quarto pra fazer a avaliação do seu estado e nos deixar mais informados e, pela cara, eu sabia que não viria noticias tão boas.
-Como vai Pedro?
-Bem. - Meu guerreiro respondeu. - Quando é que eu vou ter alta, doutora?
-Bom, a infecção foi tratada e dentro de no máximo dois dias você poderá ir pra casa.
-E a leucemia? - Perguntei. - Ele vai continuar com as quimioterapias?
-É sobre isso que eu vim falar. A quimioterapia não surtiu o efeito que esperávamos. As células cancerígenas não responderam satisfatoriamente ao tratamento e nós então vamos partir ao combate dessa doença de outra maneira...
CONTINUA...
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top