💤 Culto ao desconhecido


   Acredito eu que estou perdido, vago lentamente por um local no qual jamais vi antes. Creio que seja algum país perdido na Ásia devido as suas construções e arquiteturas.

   O mundo está em crise, um novo vírus se alastra, corpos são empilhados em todos os cantos do globo. Não há cura para ele. Ninguém sabe como estará a humanidade em alguns anos, ou pior, ninguém sabe se ela ainda existirá.

   Eu não pude comunicar-me com ninguém. Deduzo eu que estou na Ásia, em algum canto no Oeste, possivelmente. Estou sujo, cansado. Não sei como cheguei à esse estado pois sequer bebo.

   Estava anoitecendo, havia poucas pessoas nas ruas naquele momento. Caminhei para lá e para cá. Elas me olhavam com desconfiança e com razão. Eu não parecia nenhum pouco com eles.

   Um velho esputava num beco escuro. Tive medo de aproximar-me, o cheiro de urina era forte e saía fumaça dos esgotos. Não sei o motivo.

   Eu não tenho opções, estou sem um tostão no bolso. Estou cansado, um vento sopra sobre mim. Não posso ficar caminhando pela rua e preciso manter distância das pessoas. Tenho medo deste vírus e do que ele possa fazer comigo, mas não tenho escolha. Preciso dormir.

   Deito-me próximo a um metrô, numa das estações. É relativamente limpo, não me parece um lugar ruim para passar a noite e não havia pessoas passando por ali naquele momento.

   Demoro a engatar um bom sono, e logo me pego em um sonho. Vejo pessoas sem rostos caminhando em minha volta, como se eu não estivesse ali. Não sei o que está havendo.

   Pergunto-me o que está acontecendo e sigo andando em meio aquele povo sem face. Olho cada um deles, sem boca, nariz e até mesmo orelhas. Reparo se há algum resquício de pálpebra, mas não vejo. São abléfaros. Sigo sem saber por onde estou em meu sonho, até que me deparo com aquele mesmo beco de outrora. Eu estava no mesmo lugar de antes.

   Agora, deparo-me com um senhor de pele clara, vestindo uma cartola, um terno escuro e segurando uma bengala charmosa. Ele está atrás de mim, e questiona-me, se também farei parte do culto. Discordo veementemente, não sei do que se trata. Era o mesmo bêbado daquela ocasião.

   O senhor me cumprimenta, esboça um sorriso gentil e desaparece. Mas não há passagem por aquele beco, apenas a tampa de um bueiro. Questiono-me se o velho havia entrado ali. Seria uma loucura, mas lembro-me que talvez, a loucura seja algo benéfico à limitação da alma do ser - humano. Eu decido entrar.

   Urina e fezes em meus pés, água podre lambendo meus sapatos. Sigo em frente, sem temer.

   Tudo ali era mesto, lúgubre e imundo. Era um esgoto e acredito que seja igual à todos os outros.

   Não há rastro do velho, eu bato meus pés, pois algo está enrolado. Continuo caminhando, era estreito, tampo meu nariz e viro à esquerda. A pestilência ainda me incomoda.

   Cada vez mais frívolo, eu finalmente vejo luz. Vou até ela. Sinto a água ficando mais grossa a cada passo. Evito fazer barulhos, até que vejo algo. 

   Vejo um grupo de pessoas, de costas para mim. Oito pessoas em círculo, vestindo roupas largas, rasgadas e na cor grená. Suas mãos estão banhadas em sangue e eu não pude diferenciar o sexo deles, mas reparo em algo um tanto quanto curioso. Essas pessoas possuíam rostos. Boca, nariz, olhos e orelhas. Mas eu não devo me aproximar do desconhecido.

   Seria esse o culto mencionado pelo velho da cartola, pergunto em minha cabeça para mim mesmo. O que faço daqui para frente, então?

   O mediatário centraliza-se ao círculo, proferindo palavras das quais não conheço. Também não acredito que seja algum idioma da Ásia. Era uma língua completamente diferente do que eu já havia escutado. Sequer consigo pronunciar tais palavras. Não sei de qual plaga era aquilo, ou se havia uma para aquele alfabeto desconhecido. Meu coração se fecha. Não sei o que vai acontecer e preocupo-me com o senhor. Não há rastro dele.

   Um forte cheiro de amônia me incomodava, mas eu persisti em acompanhar aquilo. Fito meus olhos em cada uma daquelas pessoas, tenho medo que elas me vejam. Elas retiraram seus capuzes, todos com a cabeça raspada.

   Uma forte luz chega, forçando em meus olhos. Eu acordo, é o metrô das sete que passa em alta velocidade. Acordo forçadamente e sem saber o desfecho daquele sonho.

   Levanto assustado, algumas pessoas estão chegando. Decido fazer o que acredito ser o certo, irei descer o esgoto agora. Vou buscar pelo senhor, seja lá o que aquele sonho significasse.

   Quando chego ao beco novamente, a tampa está fechada. Encontro-me estático quando vejo a bengala e sua cartola ao lado.

   Já não sei o que fazer. Não sei quem era o senhor, quem eram aquelas pessoas, porque tinham rostos, diferentemente de todos os outros. Não sei sobre o sangue em suas mãos.

   Até hoje me pergunto o que aconteceu naquele dia. Uma parte minha acredita que havia um homizio naquele local, mas a outra se negava à se agarrar à isto. 

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