Passado-Presente 1

Você ouve um barulho de um teclado sendo usado. Sobre este você escuta uma conversa adiante:

-Hey, hey, HEY!!

-Sim?

-O que diabos você tá fazendo?

-Escrevendo?

-Duh, eu sei. Mas por que não está estudando?

-Tecnicamente escrever é colocar em prática toda a gramática e criatividade que guardo, então tecnicamente isto é um estudo.

-Não, não é. Onde está os livros? E as vídeo-aulas? E o caderno para anotar cada palavra?

-Essa época já passou.

-Como assim já passou? E o vestibular? Não iriamos ficar ricos?

-Com o tempo você vai perceber que o dinheiro não é tão importante assim.

-Mas.. mas... não íamos dar o fora deste país de merda?

-O Brasil não é tão ruim assim.

-Como não? Não tem nada nos prendendo aqui.

-E a família?

-Família? Quem se importa?

-Você, no futuro.

-Eu não. Eu vou seguir o meu rumo. E que se lasque todos os outros.

-Um dia você vai aprender a parar de ser um babaca.

-O que deu em você, cara? Tipo, olha pra tu: sem sonhos, sem objetivos.. só escrevendo essas drogas de textos, lendo e...você tá conversando com as pessoas? Com aquele bando de doentes?

-Yeah, espero que o tempo que apreendi a respeitar os outros chegue logo para você.

-Como assim respeito? Respeito é para pessoa de respeito.

-E o que classificaria uma pessoa de respeito?

-Você sabe, ela tem que ser legal, ou pelo menos não encher o saco.

-Acha que tem conhecimento o bastante para classificar as pessoas em legais ou não? Sem dizer que fazer isto já é um paradoxo.

-Cala a boca.

-Yeah, yeah, este é o seu melhor argumento.

-Você não tem vergonha?

-Ummmm, vejamos....uh, nop, nenhuma.

-Mesmo depois de todo o esforço que fez, vai ficar satisfeito em só ficar sentado aí fazendo nada?

-Todos cometem erros.

-E você está errando agora!

-huhu, foi um bom uso da ambiguidade. Como eles diziam “sempre há esperança”.

-Mas você está mesmo satisfeito com isto? Sabe, tu tá aí sozinho, sem amigos, sem namorada...

-Uma hora esta última vai perdendo o sentido também.

-Cara, tenho que te dizer que tu é um saco.

-Deveras, acho que pro meu portar esta palavra me classifica muito bem.

-Onde foi que todo o nosso esforço perdeu o sentido?

-Nós sempre nos esforçamos por algo sem valor.

-Como assim sem valor?

-Por que você quer passar no vestibular?

-Para fazer um curso superior é claro.

-E pra que?

-Para conseguir um bom emprego.

-Pra?

-Ganhar muito dinheiro e ficar rico!

-Por que necessita de tanto dinheiro?

-Por quê? Duh! O mundo gira em torno do dinheiro. Com ele eu posso ter tudo que eu quero.

-E o que você quer?

-Você sabe. Uma casa, um computador.. um monte de coisas.

-Tem certeza que necessita de tudo isto?

-É claro que eu tenho, seu mané!

-Por quê?

-Anh?

-Por quê você quer tudo isto?

-Como assim por que? Porque...ahn..porque eu quero!

-Como você pode afirmar que quer algo sem nenhum argumento que prove este seu desejo?

-Calado! Eu não preciso de nenhum argumento. Eu só quero e ponto final.

-Você já parou para refletir? Será que tudo isto é o que você realmente quer?

-Aaaaah, calado!

-Lembre-se do nosso passado. Naquele tempo a gente ligava algum grão para tudo isto?

-....

-Pense um pouco. Imagine que você nasceu isolado em uma ilha deserta. Será que você iria querer um computador?

-Não? Eu nem sequer saberia o que é um.

-Este é o ponto. Muitas coisas nós não precisamos. Uma certa ilusão de necessidade nasce apenas do fato de possuirmos ou de podermos possuir.

-Mas...mas... o que isso prova?

-Isto prova que muitas vezes o nosso querer é involuntário. E que ele muitas vezes chega a ser irracional.

Você ouve um barulho de queda.

-Cara....minha vida tem algum sentido?

-Tecnicamente não.

-Mas como você aguenta viver então?

O barulho de teclas para.

-Temos que encontrar na vida algo que apenas nós podemos realizar. Alguma coisa que nenhuma pessoa poderia fazer exceto por você. Tem alguma ideia do que seja?

-...Meus livros.

-Bingo! A atividade que sempre deixamos de plano de fundo. Que sempre tínhamos diversas inspirações, mas que contudo nunca colocamos no papel. Ou na tela.

-Mas e quando eu finalizar o livro?

-Faça outro.

-E depois?

-Faça mais um. E depois mais um. Continue fazendo até colocar a última sentença que você deseja transmitir. Mesmo que ninguém leia. Mesmo que ninguém se importe. Continue fazendo aquilo que tu ama. E nunca se esqueça que você deve escrever para si mesmo. Escreva algo que você possa olhar novamente no futuro e se achar demais. Carregue este conselho para o resto da vida: não existe nada bom ou ruim. O importante é que você goste. Mas nunca use essa desculpa para usar drogas.

Você escuta as duas vozes gargalharem.



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